sábado, 30 de março de 2019

A NOVA TRILOGIA



Um relatório anual de segurança interna, dito RASI, que significa Relatório Anual de Segurança Interna, dá conta de que as “tesourarias” colocadas à beira e por cima das estradas (nem sei se por baixo), eleva a receita na razão directa do aumento dos condutores com o pé direito de chumbo.
O tal RASI – que eu diria RASIA, se tivesse Z (Relatório Anual de Segurança Interna Automóvel) –  dá-nos estes números, sinal de que, em questão de fotografias às chapas de matrícula, é o que está a dar: 47.690 condutores perderam pontos na carta de condução em 2018 (eram só 47.689, não fosse alguém da minha casa ao “fotógrafo”), significando um aumento de 166% em relação a 2017, altura em que totalizaram 17.925. Houve uma subida de 125% das infracções graves.
Leram bem: 166 por cento e 125 por cento!
Aumentou assim tanto o parque automóvel circulante? Os condutores são mais aceleras em 2018 do que eram no ano anterior? Diminuíram os acidentes rodoviários, mortes e feridos nas estradas?
A resposta será “não”, sendo diferente se a interrogação vier assim: aumentou o número de “tesourarias” fixas e móveis nos muitos circuitos de abrandamento abrupto de velocidade em estradas mal ou deficientemente construídas? Não é suficiente o valor das “chapas” nos pórticos, onde se paga por circulação em auto-estrada quando parte da via é em IP?
Suponho que estão livres destas faltas aqueles que conduzem o automóvel à guisa e ao andamento do elefante conduzido pelo seu cornaca. Mas a sua pachorra de sorte virá a diminuir os acidentes em tal matéria e não lhe garante entrada no céu. Pelo contrário, à soma de fotografias, vão-se esboroando os pontinhos na carta de condução, os quais, à semelhança das “vidas” nos jogos de computador, conduzem inevitavelmente ao “game over”, melhor dizendo, ao “driving over”. E ainda há os espertos que se valem das licenças de familiares e amigos, certamente no panteão de gavetões com aranhas de plantão à guarda.
A trilogia de escrever um livro, plantar uma árvore e fazer um filho, já passou à História; nos dias de hoje, será melhor coleccionar uma multa por excesso de velocidade, fazer um dia de greve e tirar uma “selfie” com o presidente de todos os portugueses e mais um. Talvez o mais difícil na trilogia será fazer um dia de greve, pelo menos para aqueles que nem sequer emprego têm.

quinta-feira, 28 de março de 2019

Orgulho e Preconceito


Este é o título de uma obra de Jane Austen, “Pride and Prejudice” no original, eu sei. Mas vem ao caso.
Parece que uma imperatriz da sua área, mais propriamente a Madonna (outro imperador da sua área, curiosamente é o Maradona), quis filmar um videoclip em que numa das cenas surgiria ela montada num cavalo puro-sangue lusitano dentro de um palacete do séc. XIX situado na Quinta Nova da Assunção, termo de Sintra.
Perante a nega do presidente da edilidade – que neste caso pensou mais na preservação do que no dinheiro da “diva” e na sua fama – a senhora, que parece já ter obtido muitos favores de outra edilidade, amuou maneiras, fez beicinho, talvez birra, baba e ranho, bateu com o pé e ameaçou fazer as malas para ir até outro país.
"Ninguém te pode humilhar sem o teu consentimento", disse Mark Twain. Há limites para tudo, mesmo tendo em conta que já houve jantares no Panteão Nacional e até alguns estragos no Convento de Cristo, em Tomar, quando ali decorreram as filmagens de “O Homem que Matou D. Quixote”.
Pegando no título deste último caso, poderíamos prosseguir com a cena de "O Presidente que Matou a Galinha dos Ovos de Ouro”, mas fica só a sugestão: primeiro, porque a palavra “matou” é inapropriada; segundo, porque esta galinha, “cloacando” ovos auríferos, também tem recebido contrapartidas do mesmo quilate.
A revista “Vanity Fair” tratou este insólito como “incidente diplomático”. Ao que isto chegou!...
Aqui, nesta terra onde sou cidadão, não há rebotalho de cafres e também não se deve permitir o forrobodó que estas mundanidades trazem para se fazerem notadas. Há por aqui muitos palacetes a cair aos bocados, cujos proprietários nem se importariam de embolsar uns trocados. Por outro lado, se a senhora quer filmar uma cena digna da sua estatura mediática, faça como eu, há por aí muita praia onde esparrinhar água com os cascos da montada.

sexta-feira, 22 de março de 2019

CAVALGAR...



Gosto de andar a cavalo, embora não o faça há muito por razões óbvias, sendo a principal a que indica que não tenho algum em carne e osso. Possuo cento e trinta cavalos (horse power) enfiados sob o capot do motor do meu automóvel. São fogosos, embora controláveis, mas se a um cavalo dar-lhe esporas é vê-lo quase a voar, imaginem cento e tal; é por isso que sou apanhado nas “tesourarias” rodoviárias em excesso de cavalgada.
Acho o cavalo, um animal perfeito. Sempre admirei e respeitei em especial este animal (embora tenha por timbre respeitar e admirar todos os animais), não só pela sua estrutura e dinâmica, como pela beleza plástica que os seus movimentos proporcionam. Desde pequeno aprendi a montar num cavalo… em pêlo. É certo que o fazia em animais bem domesticados, de carga e não de tiro ou montaria, pois eram eles que levavam os sacos de farinha do moleiro, meu saudoso primo Ivo. Passei a montar, mais tarde, em outras condições, mas as sensações perduraram de uma ou outra forma. Confesso que, de uma vez, fui projectado pelas orelhas, graças à aparição intempestiva de um canídeo mal-humorado, que obrigou a montada a especar súbito.
Possivelmente voltarei a este assunto da cavalaria – não alta cavalaria – porque tenho algures fotos com o animal que montava nos meus verdes anos, um belo e alto exemplar castanho, de que guardo saudades. Quando se proporciona desenhar cavalos – e faço-o quando me ocupo de trabalhos de ilustração ou quando alguma criança mo pede – faço-o com a imagem desse garboso animal, as suas crinas ao vento, o seu galope cadenciado, o vero símbolo da liberdade.
Quanto à fotografia, não se ponham a conjecturar, uma vez que sou mesmo eu o cavaleiro, o cavalo é um cavalo de carne e osso e a praia fica no município de Porto Seguro, no Brasil, onde Cabral descobriu o Brasil… e não se preocupou em o cobrir.

quarta-feira, 13 de março de 2019

LER E SENTIR

Há um blogue que eu estou a seguir e que recomendo, da autoria da Dra. Maria do Rosário Pedreira, diariamente presente com artigos de grande interesse. Trata-se de uma lufada de ar fresco, diária, pela manhã. Para mais, é redigido por quem sabe escrever e por quem conhece o mundo da literatura
O de hoje levou-me a fazer um comentário e a recordar o passado, comentário esse que reproduzo aqui. Recomendo a leitura desse blogue, designadamente do "post" de hoje (que não reproduzo neste por não ter pedido autorização), mas que encaminho através do link:

https://horasextraordinarias.blogs.sapo.pt/literatura-e-empatia-506988

Segue reproduzido o meu comentário:

"Era eu ainda muito jovem, esperava a carrinha da Gulbenkian, onde um senhor que tinha o dobro da minha altura (pudera, era adulto!), me indicava qual ou quais os livros que eu "devia" ler. Como sempre fui do contra e a pensar e decidir por mim, dava-lhe a volta e lá o convencia . Só não o convenci quando eu queria trazer o "Náusea" do Sartre e ele fez finca-pé. Certa vez, teimei trazer o Stefan Zweig, "Um Coração Destroçado", julgo que traduzido por Alice Ogando. Marcou-me! Tenho na lembrança cair em choro durante alguns trechos da leitura...
Outro livro que me marcou foi o "Adeus às Armas" de Hemingway e um "Robinson Crusoé", este último que a minha mãe me comprou como prenda, coisa rara.
A leitura deixa marcas; as minha foram no sentido de me tornarem melhor, não só por sentimentos avivados como por me transformarem como homem em crescimento, para além de me instruírem sobre a forma e o cuidado, pois pretendia imitar (de longe) os grandes escritores.
Aos quatro anos já lia - frequentei uma escola caseira gerida por uma professora aposentada, em Alverca do Ribatejo. Quando entrei na escola oficial, a professora servia-me como exemplo aos mais relapsos e atrasados no programa, o que hoje vejo como negativo em relação aos ditos (eu já ia industriado pela tarimba precoce, não vejo isso como equidade e comparação).
Ler é uma droga que se toma em doses. Ler é uma droga boa, para mim necessária tanto quanto o é escrever e desenhar, conviver, sonhar. Uma droga, sim, que não me destrói, mais me anima e me mantém activo. Ler faz parte do meu dia a dia, nas horas ordinárias e nas horas extraordinárias; e hoje, mais maduro, nem distingo umas das outras".