terça-feira, 28 de maio de 2019

NA PRAÇA DA ALEGRIA - RTP PORTO


Na Praça da Alegria, hoje, com os meus companheiros e os apresentadores do programa. Eu estou de cócoras, à frente, o primeiro a contar da esquerda, de calça branca. A minha intervenção foi de cariz histórico, com entrevista feita pelo Jorge Gabriel (Foto de A Praça da Alegria).
Repare-se no cavaleiro à direita - elemento das "Damas e Cavaleiros d' El-Rei" - devidamente trajado (só a cota de malha que lhe envolve a cabeça e parte dos ombros pesa à roda de 10 kg).
Tive oportunidade de, entre outras coisas, corrigir um erro que anda por aí fora divulgado, que é a Feira Franca de S. Mateus, em Viseu, "ser a mais antiga da Península Ibérica" (basta consultarem o "Dr. Google" para verificarem o disparate). Ora, se Trancoso "ainda" faz parte da Península Ibérica, é a sua Feira Franca de S. Bartolomeu mais antiga que a de S. Mateus em 118 anos e meio!
Para melhor dispor os dados, eis aqui a recolha documental e depois fazerem a subtracção: a de S. Bartolomeu de Trancoso foi criada por D. Afonso III em 8 de Agosto de 1273; a de S. Mateus de Viseu foi criada por D. João I em 10 de Janeiro de 1392.
Conforme tive ocasião de comentar e de comparar, é como se eu tivesse nascido antes do meu avô.
Não sei se a Feira Franca de S. Bartolomeu é a mais antiga da Península Ibérica, mas certamente é mais antiga que a Feira Franca de S. Mateus, que se diz ser a mais antiga da Península Ibérica.
O resto, são cantigas, que as leva o vento.

quinta-feira, 16 de maio de 2019

TÍTULOS QUE NÃO LEMBRAM AO DIABO


A editora Maria do Rosário Pedreira levou hoje ao seu blog aqui um tema interessante, o qual aborda um coleccionador de capas de livros com títulos esquisitos. Um coleccionador que é bibliotecário canadiano. Pode parecer esquisito uma colecção deste género de perplexidades, mas o certo é que tais etiquetas saíram impressas para as livrarias. Tal como as mulheres da vida atraem os clientes exibindo a perna até à cintura ou mesmo o rabiosque, muitas destas literaturas usam estes rótulos para aliciarem o leitor.
Colocar um título numa obra não é assim tão fácil como parece. É o rosto da obra: ou apela ao interesse do leitor ou ao seu repúdio. Há autores que começam uma obra escrevendo primeiramente o título, sendo que este até pode criar um tema para o enredo; há outros que escolhem o título através de uma frase ou de um diálogo do miolo; há ainda aqueles que passam dias a magicar como hão-de titular o livro, sendo que surgem os rótulos em catadupa diária, sucessivamente mandados para a reciclagem antes da aprovação de um.
Se querem títulos malucos, pesquisem na internet como "títulos esquisitos de livros", batendo à porta do professor Google. Tal como as ratazanas, há às centenas.
Eis alguns:
"Aprendendo a Brincar com Testículos de Leões", de Melissa Heynes (Learning To Play with a Lion's Testicles) - esta é daquelas aprendizagens  sobre virilidade animal que se devem evitar... e não só com os testículos (os testítulos) do bicho
"Se Deus me ama, por que não consigo abrir o meu armário?", de Lorraine Peterson (If God Loves Me, Why Can't I get My Locker Open?) - e esta, se perdeu a chave, resolvia com uma oração a Santo António
Ou ainda esta parvoíce pegada
"Como Aumentar o teu Q.I. comendo crianças superdotadas", de Lewis Burke Frumkes (How to Raise Your I.Q. by Eating Gifted Children) - nem quero saber o que este alarve comerá ao pequeno almoço. Merecia um pontapé no traseiro…
“Ensine a Sua Esposa a Ser uma Viúva”, de Donald Rogers (Teach Your Wife to be a Widow) – este Rogers deve ter ensinado a dele, sendo que a primeira lição seria ficar viúva e casar outra vez.
“Guia Para Principiantes do Sexo na Vida Após a Morte”, de David Staume (The Beginer’s to Sex In the Afterlife) – pode ser um compêndio para fins sepulcrais,porém parece ser mais um guia para justificar o sexo dos anjos
"Como assaltar bancos sem violência", de Roderic  Knowles (How to Rob Banks Without Violence) – uma obra deste género – ou talvez esta – tenha siso leitura de mesa de cabeceira para muitos banqueiros e homens de negócio, naturalmente e segundo os próprios, com intuitos altruístas
“Como defecar na floresta”, de Kathleen Meyer (How to Shit in the Woods) – outro guia de sordidez que não vem ensinar nada, uma vez que a lição mais importante é como substituir o papel higiénico no local; ou ainda, não fumar enquanto se defeca na mata
“Como fazer xixi de pé”, de Anna Skinner (How to Pee Standing Up) – ensinamentos que a autora devia ter recolhido da bisavó, simplesmente alargando as pernas e aí vai disto! Mas a quem interessa saber como fazer xixi de pé ou de cócoras?
“As mulheres são humanas?”, de Catherine MacKinnon (Are Whoman Human?) –escrito por uma mulher desobrigada do ser, será que ela se considerava tal e qual?
Enfim! Vendo uma obra com tais letreiros, quem não tem curiosidade de abrir para dar "uma olhada"?

segunda-feira, 13 de maio de 2019

O NOVO ACORDO HORTO-GRÁFICO


Já todos os que visitaram este espaço perceberam que eu não enxergo, nem pintado, o Novo Acordo Ortográfico. Tal é o meu desamor, que até o grafo, a maior parte das vezes que sobre ele vomito texto, como Novo Acordo Horto-gráfico. Nele, a “semeadura” de alterações, tal a que acontece nos hortos, foi substantiva, talvez para mostrar serviço e justificar as ajudas de custo dos próceres.
Para bem dizer, aguardo ansiosamente que almas caridosas da Língua mandem aquilo para a reciclagem. Se é que se pode reciclar tal matéria altamente tóxica. O melhor é fazerem-lhe um buraco e colocarem-lhe um dólmen por cima.
Até lá, ainda com metáforas para ilustrar a coisa, aquele dito NAO (ou NAH, na minha versão) não passa de um chafurdo com ares de pântano.
Embora a sabedoria popular assegure que ninguém morre na véspera, este acordo já morreu antes de o matarem. Pela minha parte, por esse passamento, nem luto deito.
A coisa foi imposta por decreto, há quem diga que nem há volta a dar. Nem sequer foi sufragada uma questão de tão grande amplitude, e não há como voltar atrás? Os vendilhões da língua, repimpados na sua sabedoria venal, doutoral e professoral, decidiram fazer aquela bacorada, e temos de a escrever? Colocaram-se de cócoras perante os dialectos de além-mar, adaptaram a escrita aos ditames de povos que já assim escreviam porque assim falavam, e vamos imitá-los?
Borraram a escrita toda. Com o tal decreto, obrigando a seguir a traição linguística, a governança política, entusiasmada com tanta “sapiência” – tristes dos sabidos se não fossem os tolos – deixou para futuro uma pusilânime paranóia que agora não se sabe como remediar, uma vez que muitos aprenderam a escrever aqueles aleijões. É como querer endireitar a sombra da vara torta.
Sinceramente, não há pachorra!...

sábado, 11 de maio de 2019

CRÓNICAS DE ENFERMARIA


Numa unidade hospitalar existem, como é natural, vários tipos de doentes e ainda mais de enfermidades e deficiências. Subsiste sobretudo dor. Há, igualmente, várias formas de lidar com a dor e o isolamento, pois o tempo teima em andar a passo de caracol. A maior parte entrou de maca, com guarda-de-honra de bombeiros, sem passadeira vermelha. Vendo-se com dois réis de saúde, todos esperam pela alta como magala pela peluda. Estão bem tratados e assistidos, podiam querer deixar-se estar mais um pouco. Mas não senhor! A casinha, lá na terra, está a sentir-lhes a falta.
Como também é próprio do género humano, formam-se vários tipos de convívio e socialização com outros parceiros de infortúnio, se as condições de cada um o permitem, e bem precisado é tal contubérnio, indo aqui nesta intimidade aqueles que são mais expansivos e os mais taciturnos. Entre esta vizinhança de enfermaria, nunca ocorrem candeias às avessas. No ramerrão diário, limitam-se a contar a sua história, aventuras e heroísmos, papagueiam habilidades e negócios, narram trajectos e vidas em que se gastaram e consumiram, acabam inevitavelmente por chorar as suas mazelas.
Numa enfermaria de quatro camas, encontrei apenas um homem que falava e ouvia. Era de Vilar Formoso e tinha 82 anos.
Dos outros dois, com 91 e 92 anos não se conseguia, nem eu nem ninguém, extrair-lhes uma palavra. Embora não falassem, ambos percebiam o que se dizia. Eram casos graves, precários. Estavam ali, com camas lado a lado, serenamente, numa luta interna, a maior parte dormidos ou sedados. Um deles sofria de grave problema respiratório, com dois AVC’s, durante a noite produzia o ruído de uma chaleira ao lume; talvez, melhor dizendo, semelhante ao gorgolejar de um bebé, mas muitos decibéis acima. O seu estado de saúde ia melhorando, graças aos aturados cuidados de enfermeiros e auxiliares, que não o largavam noite e dia.
O de 92 anos, que passou o aniversário dos 93 na enfermaria, nem se terá apercebido da efeméride, embora os familiares fizessem questão de estar presentes, naturalmente sem grande vontade para comemorar a data. Mexia-se muito, uma noite passou toda a berrar, em voz de barítono, sem se perceber o que dizia. Pobre homem! De audível e perceptível, consegui ouvir-lhe o pedido, talvez gravado há muito no subconsciente:
- Quero uma pinga de vinho!
A delicadeza, o profissionalismo e a bonomia dos enfermeiros, operavam milagres. Percebiam a carência dos dois anciãos acamados, faziam os possíveis e os impossíveis para acudir às suas necessidades básicas.
Para nós – eu e o homem de Vilar Formoso – por parte dos profissionais havia palavras de simpatia, de bom humor. Em certo fim de tarde, quando recolhia os recipientes ou sacos do cloreto de sódio, vulgo soro fisiológico, suspensos dos respectivos suportes móveis, um dos mais expeditos enfermeiros acalmou-nos com uma graça:
- Não se assustem! Estou só a desarmar a árvore de Natal!
A propósito deste soro, que nos prende à vida, asseguro que não é uma das coisas que mais me agrade. Não decorre porque tal tratamento seja doloroso, mas por uma questão de mobilidade, uma vez que eu, andando a circular durante o dia, tinha de levar comigo o suporte, haste alta que se movia com rodados, tendo o cuidado de não esticar o tubo que levava o líquido ao cateter. Deslocava-me com aquela companhia ao meu lado, às vezes até parecia que ambos bailávamos umas czardas húngaras. Era a minha “bailarina”. Ia ao WC, ela acompanhava-me; tomava uma refeição, ela vigiava; recebia uma visita, ela assistia como mirone surda e muda. Em determinada altura, indo à casa de banho para lavar a boca, disse eu para o homem de Vilar Formoso, exibindo a escova e a pasta dentífrica:
- Vou ali lavar os dentes à boneca.

terça-feira, 7 de maio de 2019

NO CORREDOR DAS URGÊNCIAS


Ao fim de uma hora numa maca hospitalar, o corpo ganha a ilusão de que se estende naquelas velhas tábuas cobertas de palha do tempo das candeias de barro. Ela – a maca – não é local de repouso. É sítio provisório de emergência em estado de urgência. Esse aspecto é que permanece de símbolo.
O certo é que o doente, assim conduzido, não tem posição ideal, quer deitado quer sentado, de papo para o ar ou de barriga para baixo, ainda outros andamentos corporais das circunstâncias. A maca é simultaneamente cama e mesa e sala de visitas. Ora, lá deitados, medita-se no rifão: não há mal que não acabe nem bem que sempre dure.
Eu fui, recentemente, um utente deste apetrecho hospitalar no serviço de urgências. Para já, nem vem ao caso como fui lá parar, o certo é que era necessário estar ali. Como é natural, a minha maca/cama ficou no corredor das urgências, devidamente acondicionada e com boas condições de climatização. Sem qualquer tipo de queixa da minha parte.
Havia uma doente que perdeu a tramontana. Isto aconteceu no corredor das mulheres, perpendicular ao dos homens. Não é que não fosse bem tratada, porque era; era cisma da coitada não querer ficar, tinha sido arrancada às raízes. Para seu bem, naturalmente. Vivia horas e dias que não eram dela. Não se convencia em quedar naquele leito estreito, duro e de todo fora do seu modo habitual de repouso. Talvez o leito da casa dela fosse mais desajustado e tosco, mas estava na sua casa.
- Ai Jasuse! – gritava repetidamente para se fazer ouvir.
Os pedidos vinham em seguida, desapossados de razão.
- Levem-me até à carreira, por mor de ir p’ra casa!
Passados uns segundos, depois de uns quantos anátemas, continuava:
- Ninguém me acode! Mas que raio de gente é esta? O que andam aqui a fazer?
A mulher não parava. 
- Tragam-me água! Dêem-me uma sede de água! Ninguém ouve?
A sua sede não seria muita; mas ardia a sua ânsia de estar longe dali. Lá voltava, amiúde, aquele clamor, que não era bem clamor. Desconfio que já nem era ela que berrava: era a sua impaciência. Se lhe era satisfeito um desejo – e era, frequentemente – vinha em seguida com novo pedido, um novo queixume. Tudo nela, até as atenções, foi sacrificado à dor. E estar ali, para ela, era um equívoco. Um equívoco amargo. Por isso, terminava invariavelmente:
- Ai Jasuse!