Quero avisar eventuais leitores – se é que vai haver algum, pelo andar
da carruagem – que nesta peça não tomo partido pelas tomadas de decisão
apontadas nem me move interesse por estar em causa a pessoa A, B, C ou D.
Questiono, isso sim, a forma, como em democracia (ainda) se resolvem os
assuntos, mesmo que ao abrigo da legislação vigente.
No caso de escolha do(da) PGR houve nomeação; para o processo dito
Marquês houve sorteio.
Perante a perplexidade que me suscita uma e outra – e por escrever “Marquês”,
recorro à História. Cada um, entenda o que deve entender.
O processo dos Távora teve um juiz nomeado (não sorteado) pelo Sebastião
de Carvalho e Melo, que o rei D. José I aceitou. Não houve sorteio. Era uma
Monarquia, a democracia era um termo grego ainda não composto e decomposto e
muito menos praticado.
Não há comparação possível com a nomeação da actual PGR. Não, não há, a
não ser na fórmula utilizada. Nem está em causa a pessoa não reconduzida ou a
pessoa nomeada. Para mim, ambas, como magistradas, estão acima de qualquer
suspeita.
Pergunto:
-a exemplo da escolha do juiz no processo Marquês, não era mais
adequado o sorteio entre os magistrados competentes para o cargo?
- mesmo que seja constitucional a aplicação actual (e é, enquanto não se alterar o artº 133º), não era mais apropriada,
tratando-se de escolha (e não de sorteio), a nomeação ser sufragada entre os
seus pares (magistrados)?
- por que razão, se nomeia em vez de se sortear?
Vejamos: a Justiça deve ser independente do Poder. Total e
inequivocamente. No entanto, o único magistrado do MP sujeito a designação pelo
poder político é o PGR, mesmo sabendo-se pelo articulado que a escolha não está
vinculada a qualquer área de recrutamento ou sequer a especiais requisitos de
formação. Depois, ao saber-se que o Presidente do Supremo Tribunal não leva as
mesmas voltas para ocupar o lugar, que dualidade impera sobre dois cargos
superiores que, ainda por cima, têm em comum a categoria, tratamento e honras
iguais e o uso do trajo profissional?
A Justiça é como a mulher de César. É séria, eu sei, mas não lhe basta
sê-lo, tem de transparecê-lo.
Já o caso dos ditos “super-juízes”, que são apenas dois, o sorteio foi
o mais adequado e transparente. No entanto, lá volto eu à forma e aos quesitos:
-Por que razão foi necessário o recurso a um computador que, ainda por
cima, se engasgou na comunicação com a fonte dos dados? Não seria mais curial o
que é praticado no resto do mundo civilizado (até no futebol, como nos sorteios
da FIFA e da UEFA) o recurso a bolas sorteadas numa tômbola ou numa tina
transparente?
Lá vem a mulher de César à baila! Quem não percebe de informática,
desconfia sempre da coisa; e quem percebe, ainda desconfia mais.
De resto, nada tenho a apontar nas escolhas. Disse-o antes, repito-o
agora. Questiono a forma e a complexidade, quando se podia conseguir o mesmo
resultado com mais transparência.
Finalmente, para fechar o texto, outra perplexidade: em 1771
magistrados que há no País, no Tribunal Central de Instrução Criminal só
existem dois?! Não há espaço para mais ou faltam candidatos ao lugar?
Como já disse num post anterior, saltei da carruagem quando tive ganas
de me licenciar em Direito. E fiz bem. Como advogado, seria uma lástima, porque
sou sensível às situações pró e contra; como juiz, lástima seria, pelas mesmas
razões. Então, sabendo o que vou apontar a seguir, lido algures, não queria eu
ser o juiz da fase de instrução ou de outra qualquer. Cento e tal volumes e cerca
de nove centenas de apensos; 13 milhões de ficheiros informáticos e um
processo que, a juntar todas as folhas do despacho de acusação do caso mais
mediático (não aponto nomes) dava para unir o Bairro Alto ao Cais do Sodré em
Lisboa duas vezes. Para além disso, tem sete vezes mais páginas do que “Os
Lusíadas” e quase tantas palavras como todos os livros da saga de Harry Potter
juntos.
Confesso, saltei da carruagem a tempo. Não estou arrependido porque, se
conseguisse chegar até ali, não tinha pachorra. Honra seja feita aos juízes
portugueses, que eu admiro.