sábado, 28 de dezembro de 2019

PARA PIOR, JÁ BASTA ASSIM


O ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, sugeriu qualquer coisa como isto: as aldeias ribeirinhas do Baixo Mondego vão acabar por ter de mudar de sítio, para sair das zonas de risco. E acrescentou, como aviso: “paulatinamente, as aldeias vão ter que ir pensando em mudar de sítio porque não esperemos que esta capacidade que temos possa vir a crescer. Isso é o contrário da adaptação". Ou seja, tal como nas lendas, em que as formigas obrigaram as aldeias a afastarem-se dos leitos de água, a deslocação das aldeias do Mondego não pode ser tabu, embora não tenha um plano A, B ou C.
A solução - nem sei se acredite nisto - pode passar por rebocar as casas para uns metros mais longe das margens, tantos os que os cálculos do ministro determinem.
Tudo isto, como é evidente, devido à culpa das alterações climáticas e do degelo, que afectarão principalmente o rio Mondego, o que não acontecerá na costa portuguesa e muito menos onde teimam em instalar o aeroporto do Montijo, onde já há plano para subir a cota em 5 metros, à cautela, sem necessidade de deslocalização. Suponho até que esse plano preveja a construção do aeroporto sobre estacas, tipo aldeia palustre asiática.
Este aviso servirá para as cidades à beira-mar, se os santos da costa não as protegerem como protegem o ministro. Subindo o nível do mar, como prevêem os cientistas sibilinos - já terá o Mondego a designação de maior rio da Europa - deslocam-se as cidades para sítios onde os habitantes possam andar nas ruas sem molharem os pés.
Se alguém tem pachorra para aturar isto, continue, pois a mim, que me canso de ouvir tanto disparate, já me falta…

Falta-me avisar – pois também tenho direito a publicar avisos – que a montagem feita na imagem é pura coincidência futura com uma pessoa que me parece real numa revista irreal, bem como os “santos da costa” coincidirem, na designação, com os apelidos do primeiro-ministro. Já cheguei à conclusão que, tal como estamos, será melhor sorrirmos para não chorarmos, embora o povo tenha outro rifão, que diz “para pior, já basta assim”.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

O LAMBE-BOTISMO, ACTIVIDADE COM FINS LUCRATIVOS



Nem sei se alguém, algum dia, pensou em tributar esta actividade, que ora nem sequer consta do CAE – acrónimo de Código das Actividades Económicas – a qual, pelo que me parece, é deveras lucrativa, recebendo em dividendos e outras pagas. Seria então difícil o cálculo da tributação, porque de grande dificuldade no apuramento dos grandes resultados lucrativos, designadamente por quase ausência de custos, a não ser a “saliva” da lambidela de botas.
O lambe-botista almeja sempre mais em benefício próprio, quase sempre à custa do prejuízo de terceiros. A gama ou espectro da actividade é vastíssimo, exercendo-se em linha ascendente, por vezes com descaro e malvadez, se bem que dissimulado como convém ao lambe-botas. É exercido no âmago da situação do dito, de preferência com o fito de alcançar serviço nas “gáspeas” metafóricas do superior hierárquico – chefe, director, patrão, professor, empregador, oficial, autarca, político, enfim, uma colossal gama de patamares do calçado onde a língua pode prestar a si própria relevante serviço.
Devia ser, repito, uma actividade registada, com o devido enquadramento fiscal, mesmo que exercida em acto isolado ou em regime de actividade ilegal. Também poderá ter enquadramento fiscal, se bem que ninguém se proponha colectar como “outros prestadores de serviços”.
A actividade está reconhecida e nem sempre passa despercebida no meio onde se exerce. Também já tem iconografia, como o quadro que abre este arrazoado - “No país dos lambe-botas” – um óleo s/ tela, de 70x80, de Luiz Morgadinho.
Nunca me vi nessa actividade, talvez porque nem jeito nem feitio me predispõe para ela; pelo contrário, em vez de lamber as botas, presumo até que manchei algumas, mormente quando enfrentei, verbalmente e por escrito, superiores hierárquicos e outros santos em vários altares. Também não posso dizer que permiti o benefício de terceiros quando hierarquicamente estive em chefia e administração, embora tivesse alguns “profissionais” para fazer o serviço nas minhas “botas”, porque para mim o valor de cada um é o princípio da minha apreciação, e nada mais.
O lambe-botismo é, tal como a prostituição, tão antigo como o mundo. Pelo menos tão antigo quanto o é o reino dos símios, sendo que neste é princípio estabelecido. É, pois, uma ilicitude tolerada. A este exercício, que eu designo por lambe-botismo, o Miguel Esteves Cardoso chama engraxanço e culambismo, tendo os mesmos princípios e sobre a mesma actividade. E o Miguel vai mais longe, afirmando que a actividade evoluiu com os tempos e que se foi “subindo na escala de subserviência, dos sapatos até ao cu”. E assegura o Miguel: “O pior é que a nossa sociedade não só aceita o culambismo como forma prática de subir na vida, como começa a exigi-lo como habilitação profissional. O culambismo compensa”.
Logo, entre a minha designação e a do Miguel, só há a diferença semântica. A actividade está aí para durar, evoluir na forma, progredir e tentar passar despercebida na sociedade, bastando ser percebida – e bem entendida, para recepção das graças – pelo dono das botas.

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

GUARDADO ESTÁ O IVA...



O chico-espertismo da dupla Costa e Centeno, mais da calculadora que ambos não deixam em descanso, levou-os a uma ideia luminosa, daquelas que aparecem como uma lâmpada sobre a carola, tal como o Professor Pardal, da Disney. Para minorar a diminuição do caudal de entrada do IVA calculado sobre o consumo de electricidade, que a Oposição os força a aplicar como condição “sine qua non” sobre o Orçamento de Estado, vá de quererem uma taxa progressiva ou degressiva (o que vai dar ao mesmo) sobre os consumos: quem consome mais tem uma taxa superior a quem consome menos. Isto até parece uma medida justa, uma prenda no sapatinho, mas tem o seu quê de esperteza saloia. Como quem consome menos terá uma taxa reduzida, a cobrança “a sério” é para as taxas a quem consome mais, ou seja, o IVA engrossa sem grande mossa. Para além disso, os partidos mais à Esquerda, estarão a esfregar as mãos, visto terem concretizado o objectivo propagado e nivelar por baixo os que poupam mais energia; e os mais à Direita, para ficarem bem na fotografia, ajeitam a gravata e concordam.
Todos se agarrarão à ideia como hera a um tronco. E lá se vai a temida coligação negativa no Parlamento! É de mestres!...
Há uma questão que eles certamente colocaram aos ouvidos um do outro, a estremecerem de patéticos: quem agora consome menos, graças à benesse, poderá passar a gastar mais e aquilo é como o quartel-general em Abrantes, tudo como dantes…
Só gostaria de saber se aquelas duas inteligências se lembram que os habitantes dos climas mais frios, como o interior Norte e Centro do País, têm de forçosamente consumir mais energia eléctrica, seja qual for a fonte de calor recorrido! Ou pensam também solicitar que sejam alterados os critérios sobre o princípio da estabilidade do IVA para esses casos?
Há um obstáculo: o IVA não admite taxas variáveis, nem será suposto que se autorizem taxas variáveis (ou aquilo não é elástico, como consta da Directiva Comunitária, ou a Comissão Europeia se curva às jogadas do Ronaldo das Finanças), ainda com a perspectiva da inconstitucionalidade da medida. Vá então de pedirem à Europa que abram esse precedente, o qual poderá abrir outros precedentes e vogar no abstracto pelo consumo mais e menos como, por exemplo, quem consumir mais gasolina, pagará mais imposto, e quem andar só aos fins-de-semana, pagará menos.
Será que não se pode considerar um Prémio Nobel para as cabecinhas mais pensadoras? Certamente que não ficará o Saramago como, até agora, o único galardoado luso!
No jogo de números na “playstation” orçamental, o zero é a tecla mais batida – é como se se tratasse de um aparelho Morse, tec,tec,tec. Guardado está o IVA para quem o há-de comer. A ver vamos…

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

A CIDADE DOS CINCO “ESSES”


No Domingo, dia 24, o que significa que foi ontem, correspondi ao convite de um amigo para fazer parte, na representação da minha Confraria, num Capítulo e Entronização da Confraria dos Enófilos e Gastrónomos da Beira Serra. O cientista, físico e professor Fernando Carvalho Rodrigues, ia ser entronizado nessa Confraria e dei por boa decisão ter comparecido a essa cerimónia, para ouvir o que ele disse.
Só mesmo o meu amigo Augusto Isidoro, ex-Procurador Distrital da Guarda (Ministério Público), membro da direcção e organizador, me faria comparecer num dia nublado e de chuva, numa cidade a mais de mil metros de altitude e, ainda por cima, a deitar “faladura”. Mais convencido fiquei pelo incitamento do meu colega e amigo Florêncio Nunes, que me julga ser capaz de despachar com palavreado, em mercado de gado, um asno com pulmoeira. E é esse instantâneo do discurso que reproduzo a abrir o texto, enquanto o auditório, que rondaria as sete dezenas de pessoas, se espalhava pelo escadório.
Lá vesti o traje castanho de romeira amarela, com a respectiva insígnia ao peito, e falei no alto da escadaria da Sé da Guarda.
Até aí tudo bem. No entanto, para causar perplexidade nos confrades presentes, afirmei que a Sé que estava ali ao nosso lado não tinha sido mandada construir por D. Sancho I (primeira perplexidade) e que era a terceira da sua série desde que aquele rei resolvera tirar o episcopado da Egitânia para a Guarda.
Para causar mais confusão, adiantei que a cidade, que é conhecida pelos 5 Efes (Farta, Fria, Feia, Falsa e Forte) devia ser no meu entender conhecida pelos 5 Esses (os dos dois Sanchos, primeiro e segundo, e os “esses” das três sedes do bispado).
A coisa conta-se em duas penadas. Talvez para namorar a Ribeirinha da “cantiga de amigo” que temia o tardar do seu amor na Guarda, o nosso D. Sancho meteu uma cunha ao papa Inocêncio III e a Idanha viu fugir a sede do bispado para a cidade mais alta. Assim foi construída uma primeira sé, em estilo românico, de que não restam vestígios. D. Sancho II mandou então construir uma nova catedral no local onde se situa a actual Igreja da Misericórdia, que foi concluída no século XIV. Porém, D. Fernando, ao reformar as muralhas da cidade, deu conta que a Sé ficava fora delas, temendo que os castelhanos aproveitassem subir pela sua torre para entrar nas muralhas, mandou-a derrubar, com a promessa de fazer outra dentro das muralhas. Mas não fez, pelo que D. João I ordenou a construção de nova sé, no local onde hoje se encontra. Mas as obras demoraram muito tempo, talvez porque o seu ministro do tesouro real já lhe enchesse os ouvidos com as cativações, pelo que a Sé da Guarda, conforme a conhecemos hoje, só foi concluída no tempo do rei D. João III, já no séc. XVI, com introdução dos estilos gótico e manuelino. Isto significa que o D. Sancho I, quando foi lançada a primeira pedra – e naturalmente a última – já estava há muito na terra da verdade.
Se a catedral estivesse aberta, teria eu oportunidade de falar dos seus absidíolos e arcobotantes, se tanto fosse a minha memória cabonde para me ajudar. Ou ainda de dar a volta à Sé até descobrir aquela gárgula que tem as nádegas e o cu aberto (um senhor ânus, só lhe falta a vergazinha ao léu) na direcção de Espanha, como a exorcizar velhas disputas.
Talvez os meus amigos se tenham arrependido por pagaram caro o convite. E foi-lhes bem feito, porque não me benzo duas vezes para dar ao Demo as rédeas desta oratória. Embora estribado em factos históricos, fui por esta via da perplexidade, tanto que às vezes, como diz o rifão, ando à procura de “achar sete pés ao carneiro ou asas ao burro”. E eu, que sou um espírito de contradição, podia ter falado em coisas mais elevadas, como aquela com que terminei a oratória, do tipo pilhéria, dizendo que uma das maiores confrarias em Portugal seria aquela que simbolizaria os confrades fugidos aos impostos – "Confraria da Fuga ao Fisco". Apesar de muitos, presumo que, quanto a confrades, não se entronizaria um só. Olha quem!...

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

CADELAS APRESSADAS E AEROPORTOS REVESSADOS


Diz-se pela voz popular que as cadelas apressadas parem filhos tortos e direi eu que a construção dos aeroportos apressados, aliás revessados, sem ser em tempos de guerra, só podem ser paridos por quem torto quer colocar os filhos direitos.
Não percebo nada de ambiente, ainda menos de engenharia e sobre aeroportos nem me perguntem quais são, nem onde e muito menos como. Mas leio, ouço, medito e tenho o direito de pensar – não de julgar – que o novo aeroporto que se quer fazer no Montijo pode trazer “água no bico” e não necessariamente o das aves que vão molhá-lo ao rio.
A ANA e o Vinci casaram para receberem aquela “prenda” de núpcias e vão de vento em popa levantar voo com a coisa. O projecto até é curioso: visto de riba, parece um esquadro ou nave intergaláctica da “Guerra das Estrelas”. Contra ventos e marés, a favor apenas algumas partes gagas da APA, sob o beneplácito do Governo. Em sentido contra, grande parte da opinião pública e a plataforma cívica contra a construção do novo aeroporto complementar de Lisboa na base aérea do Montijo, designada ‘BA6-Montijo Não’ e o bom senso, que não se sabe onde pára. 
Vão mesmo levantar o que teimaram erguer. Já ribomba a pólvora, a maquinaria já aquece os motores e derrete-se o asfalto, ponha-se a mesa do banquete, treine-se a fanfarra e compre-se a fita para cortar. Vamos a isto, ó Evaristo!
Que interessam as preocupações sobre a possibilidade de a pista poder vir a ser inundada no futuro devido aos efeitos das alterações climáticas no estuário do Tejo? Ora, tira-se a água a balde – e pronto!
Que interessam as inócuas 159 medidas da DIA (Declaração de Impacte Ambiental) emitidas pela APA, algumas bem caricatas para um leigo como eu, se a coisa se faz a contento da obra apressada? Pinta-se aqui,  dá-se uma demão ali, arranja-se uma plataforma acolá, paga-se uma portagem em prol das espécies vivas por cada voo – e pronto!
Que importa o escabeche levantado pelas organizações ambientais, uma data delas (GEOTA, LPN, FAPAS, SPEA e A Rocha) que dão parecer negativo àquela coisa, afirmando até que existe uma "pressão política inaceitável" para a execução da obra? Com o facto consumado, acaba-se o pio aos contrários e se ora há pressão, põe-se o pirolito a funcionar e o vapor da indignação sai naquele rodízio – e pronto!
Que interessa a desconsideração pelos habitats e espécies prioritários, bem como áreas protegidas, bem como os riscos de colisão com aves? Pelas áreas protegidas erga-se lá uma alminha, e os bichos que mudem de casa, que saiam da frente senão levam trancada ou chumbada de pressão de ar – e pronto!
Que valor tem saber-se que na região existe o maior risco sísmico e de tsunami do país? Como se trata de um aeroporto, com os aviões no ar, nem sismos nem inundações lhes chegam – e pronto!
Que interessa a poluição sonora e os gases de combustão das “passarolas” a levantar e a aterrar? Para os ouvidos, há por aí muito algodão para servir de rolhão e quanto aos gases, os fumadores nem dão por ela – e pronto!
E pronto, digo eu! Perante esta miséria que vai pelas decisões e decisores deste país, os portugueses que ainda são vertebrados deverão proferir o grito de Cristo no calvário: Senhor, Senhor, porque nos abandonaste?

terça-feira, 12 de novembro de 2019

ENGENHOCAS E GERIGONÇAS


Li hoje uma notícia e o seu comentário que dá pelo título – “À quarta foi de vez, Espanha também tem a sua "geringonça" – onde se refere que o PSOE e o Unidas Podemos chegaram (finalmente) a acordo para a formação de um governo de coligação.
Até aqui tudo bem, não fosse a comparação do jornalista na “geringonça” à espanhola com a dita portuguesa. Primeiro: na “geringonça portuguesa”, os partidos que a formaram com o PS não assumiram qualquer cargo governativo, ao contrário do Unidas Podemos, que requereu a vice-presidência para o seu líder Pablo Iglésias. Segundo: na “geringonça” portuguesa, ao contrário da espanhola, não houve um vencedor claro das eleições, isto respeitante a qualquer dos partidos que a constituíram, enquanto o PSOE venceu as eleições.
A ter que tomar um nome apropriado, a “geringonça” espanhola terá de se chamar “engenhoca”, ou melhor, “artilugio”. Resta saber se tem rodas para andar ou se caminhará em chincolapé. Tanto assim é que, através do borrifador da matemática, não chega para uma maioria absoluta a soma dos deputados dos dois nupciais partidos, sendo necessário recolher calorias e vitaminas de outros pequenos partidários. Tudo como dantes, se é certo que o povo espanhol votou como lhe competia, não deixa de o seu “artilugio” permanecer em estado comatoso “hasta una avería mecânica detener la máquina”.

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

ANDAMOS TODOS ENGANADOS


Depois de a organização não-governamental dos direitos dos animais PETA, na origem americana, ter lançado uma campanha para acabar com expressões que sugerem maus tratos a animais, o PAN (Partido dos Animais e Natureza) gostaria de ver alterações a expressões portuguesas que se referem negativamente ao trato dos animais.
A coisa surgiu há tempos, perante algumas críticas, acabou o charivari; por este ter acabado, entro eu com a minha sanfona.
O “dois em um” tem as suas vantagens, tirando aquele rifão de “matar dois coelhos com uma cajadada só” e ainda a mais ridícula pretensão de o alterar para “pregar dois pregos de uma martelada só”. Se fosse “comer dois pregos de uma dentada só”, se não se tomasse por alarvidade, faria mais sentido.
Não se julgue que isto só se aplica à Língua portuguesa. Em inglês, a expressão acima é “kill two rabbits with one blow” e a expressão comparada à nossa é "matar dois pássaros com uma pedra" (kill two birds with one stone), que passará a poupar as aves com  "alimentar dois pássaros com o mesmo pão".
Embora não tenha o mesmo sentido, dizer “mais vale dois pássaros a voar do que um na mão”, e não proferir “mais vale um pássaro na mão do que dois a voar”, se me é permitida a sugestão, ainda que o rifão perca todo o sentido, seja “mais vale três pássaros a voar e nenhum na mão”.
Parece que não, mas sou pela vida e protecção dos animais. Sou incapaz de matar algum, o que não quer dizer que, como carnívoro, não passe ao dente aqueles que os outros sacrificaram. Suponho que me alivia pensar assim: já está morto, de qualquer forma não foi morto para mim, qualquer um o podia comprar. Enfim, se calhar está na hora de aderir ao veganismo e tornar-me vegetariano.
Quando andava aí pelos meus cinco anos, os meus pais tinham na coelheira uma coelha. Para mim era um animal de estimação, com quem arranjei alguma empatia; para os meus pais era mais um animal de criação, predestinado a ir parar a uma panela, quando se chegasse a ocasião. Eu não sabia disso, presumi que a coelha estava ali para ser protegida e para compensar a minha solidão de filho único. E enganei-me. Quando dei conta, certo dia encontrei a coelheira vazia e a sua pele estendida num alguidar da cozinha. Foi um choque! Um choque daqueles que marcam, mas marcam mesmo, talvez percebendo que a vida de quem gostamos não depende dos nossos gostos e desejos. Ainda me arrepia a passagem ao escrever sobre ela. Nunca mais comi carne de coelho. O próprio cheiro desses cozinhados me agonia. E o destino da coelha, daquela forma e naquela idade, ficou marcado a fogo na minha memória.
Sigamos adiante para uma próxima alteração.
“Pegar uma flor pelos espinhos” esteve em cima da mesa para substituir uma máxima já velha e relha que nos ensina a “pegar o touro pelos cornos”. Pois bem, embora já alguns de nós, imprevidentemente tivéssemos pegado uma flor pelo caule espinhoso, isso aconteceu e não é avaria nenhuma; nenhum de nós, a não ser que me esteja a ler algum forcado da cara, ousou pegar um touro pelos cornos. Pela minha parte, nem pelos cornos nem pelo rabo e desejo que ele não pegue em mim por parte alguma.
Uma outra alteração deixa o recado para não se usar a expressão “bater num cavalo morto”, substituindo-se por uma outra que leve o mesmo sentido, equivalente àquela que se diz “bater na mesma tecla”, “insistir no mesmo” ou “ser teimoso”. Essa outra será, ainda mais equívoca do que a maldade de bater no cavalo defunto, que é “alimentar um cavalo alimentado”. Se me pedissem a opinião, fugindo aos cavalos mortos e bem alimentados, preferia que se tomasse uma outra, menos ofensiva – “chover no molhado”.
Já houve outras tentativas, mesmo antes do PETA e do PAN pensar nelas, de alterar ditos e canções onde se “maltratam” os bicharocos. Exemplo disso é a letra da canção “Atirei o pau ao gato, mas o gato não morreu”. Dessa arte preferiu-se – e até pode ser bem sucedido, porque há aqui de facto a violência na boca de uma criança –  modificar de modo a ficar “Atirei o pão ao gato, mas o gato não comeu”; o mesmo não sucederia se os mais atrevidos e maldosos resolvessem cantar “atirei o pai ao gato”…
É natural que todas estas expressões já vêm do tempo das cavernas e quem as profere apenas quer reforçar a ideia sem pensar na prática do dito. Tentar modificar ou, pior ainda, proibir por iniciativa legislativa um aforismo que não passa disso mesmo, parece-me ser uma patetice pegada. Melhor fora cuidar por decreto a defesa dos animais que, mesmo retirados os aforismos ofensivos, sofrem na pele os descuidos dos seus parentes vivos da Terra.
O PETA devia preocupar-se primordialmente com o presidente Trump, o qual não se preocupa com animais e muito menos com a natureza, um caso de estudo que, bem analisado, se saberá que o presidente se preocupa apenas com ele mesmo. E também há no rifoneiro português um provérbio para ele: "quem com muitas pedras bole, uma lhe dá na cabeça”.

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

OS LIVROS EXCOMUNGADOS



Uma das maiores iniciativas culturais do séc. XX foi a criação das bibliotecas itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian. Para mim, das melhores e das mais benéficas. Foi graças a esta iniciativa que eu tive acesso a muitos livros, em S. Romão (Serra da Estrela) e em Viseu (Abraveses), sendo que nesta cidade, não havendo biblioteca itinerante, tinha de percorrer a distância a pé até Abraveses, cerca de 10 quilómetros, algumas vezes debaixo de chuva e com os livros por dentro do casaco.
Os livros iam até às aldeias mais recônditas onde, como é provável, não existisse um único exemplar, a não ser em casa do professor e do pároco, se bem que quanto a este último, como vou descrever, era matéria maldita e excomungada, pelo que devia servir, caindo lá, para acender o lume da lareira.
Este caso verídico passou-se com o poeta António José Forte (1931-1988) quando era funcionário de uma dessas bibliotecas. Indo ele e o seu colega, dois dias depois do Natal de 1960, até uma aldeia minhota (Parada de Bouro –Vieira do Minho) para cumprir o dever de levar livros aos leitores, aconteceu que lá apareceu o padre aos berros e a intimidar os dois funcionários e requisitantes, acusando uns de estarem a emprestar livros “protestantes” e os paroquianos de levarem para casa aqueles panfletos do demónio. Não contente com as palavras, retirou alguns livros das mãos das mulheres que os levavam requisitados e atirou-os ao chão lamacento, ameaçando excomungar quem levasse aquele “mal” para casa.
O que foi ele dizer! Quase todos os que requisitaram os livros, principalmente as mulheres, foram acometidos da mesma psicose, imitaram o padre e atiraram os livros ao chão ou para dentro da carrinha, ao mesmo tempo que proferiam insultos e ameaças. Ao coro feminino, juntaram-se os homens que vinham do trabalho com sachos às costas, ameaçando os “intrusos” que vinham conspurcar quem estava na graça de Deus. É caso para dizer: os tolos não se semeiam nem se plantam: nascem espontaneamente!
Poucos desobedeceram e terão recebido a excomunhão, que não lhes terá feito mossa alguma, ao contrário dos ignorantes que se propuseram como figurantes da época dos cavernícolas. O que valeu para os dois homens da Gulbenkian e para os livros, foi eles darem o fora, evitando que se abrissem covas no chão para enterrar todo o papel, se não fosse mais prático chegarem um fósforo e queimarem aquela papelada de “belzebú”. À guisa de muitos autos-de-fé, vontade não lhes faltaria de queimarem os livros para se verem livres deles e não para verem tições acesos. Ainda pior, se ficassem os dois trabalhadores a pedirem justificações, certamente a percussão das sacholas estaria apta à rachadela de cabeças e a sorte da biblioteca itinerante seria outra.
Ao ler este episódio lembrei-me do Bandarra, o profeta sapateiro. Um dos mais graves crimes que ele tinha cometido, de que foi julgado pela Inquisição, foi ler uma Bíblia em linguagem. Era proibido possuir e ler o livro sagrado traduzido em português, livrando-se da fogueira por uma “unha negra”: não era cristão novo; não quis alvoroçar os cristãos novos, citando trechos bíblicos; abjurou e participou no auto de fé para se livrar dos pecados da obra; prometeu não possuir mais livros sagrados, a não ser o “Evangeliorum” e o “Flos Sanctorum”, não ler nem escrever sobre o Antigo Testamento, sob pena de maior castigo, naturalmente o das brasas.
Imagino se o meu livro “O Padre Costa de Trancoso”, história ficcionada sobre a lenda de um sacerdote do séc. XV que fez gerar 299 filhos em 53 mulheres, estivesse naquela carrinha, ele que foi publicado 47 anos depois! E imagino também, dentro dos parâmetros de “estilismo” dos jurados do Prémio LeYa 2019, que jeito faria um padre deste quilate no seio deles, justificando a repulsa da atribuição do galardão a 409 originais!
Nem sei se aqui há moral da história. Se meditarmos que o caso narrado pelo poeta aconteceu na segunda metade do séc. XX, 420 anos precisos sobre a condenação das leituras de Bandarra, é caso para encontrarmos as razões do atraso cultural que marcou este País, maninho de ideias e cheio de gentios submissos, e para percebermos até que ponto a Igreja, com aquela postura ridícula (felizmente por parte de poucos sacerdotes), foi fazendo perder a fé naqueles em que era suposto firmá-la, transformando alguns em patetas alegres.

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

VOO ATRIBULADO NA "BARRIGA DE GINGUBA"


Com o meu pai ao serviço da Força Aérea em Moçambique, tinha eu 12 anos, vi-me a fazer uma viagem de avião com ele entre Nampula e a Beira (BA 10), regressando dias depois no trajecto inverso. Na altura, estava ao serviço da FAP um avião que tinha a alcunha de “barriga de ginguba”, designado de fábrica como Nord 2502F Noratlas. Tratava-se de um bimotor de caudas laterais duplas, unidas na traseira do aparelho, mantendo no meio aquela espécie de amendoim (ginguba ou jinguba é o termo Kimbundu para amendoim) onde viajavam passageiros, em número de 35, e carga da pesada, designadamente camiões de combate, como as Berliet.
Foi nessa viagem de regresso a Nampula que o Noratlas, pintado de alumínio e com aquele aspecto de torpedo com asas, foi acometido por uma violenta tempestade, ficando com um dos motores em falha, a engasgar-se. Havia nuvens e turbulência severa, abanando aquela coisa como se um maluco dum barman estivesse a preparar lá dentro um shake de gin e tonic. Pior ainda, quando aquele tipo de aparelho, se bem que robusto, estava limitado a voar a altitudes que não ultrapassavam os três mil e quinhentos metros. Aguenta e cara alegre!
Para quem nunca viajou naquelas circunstâncias, aviso que é a forma mais radical de viajar de avião. Os assentos são em lona, ao longo das janelas redondas, de um lado e outro, pelo que os passageiros vão de costas para a janela. Ali tanto dá levar o cinto de segurança posto como não levar o cinto das calças, uma vez que a carga vai no corredor central.
Naquele dia iam um jipe e uma Unimog, para além de caixas não sei de quê e tralha vária.

Pormenor das portas traseiras do Noratlas

Perante aquela turbulência, este rapaz também turbulento nos seus doze anos, perante um temporal que soprava à trompa, largou o lugar e foi espairecer para a cauda do avião. Foi um delírio. Aquilo é, de facto, uma porta dupla, que se abre para engolir o que quer que seja lá transportado, com apenas duas janelinhas ovais, que se unem quando fechadas. Não há ali assentos, apenas fuselagem. Se aquilo faz abanar aquele que lá viajar em tempo ameno, imagine-se com temporal.
O meu pai não deu conta que eu saí do lugar, visto eu ser na altura tão torto como cordel de pião no bolso das calças,  mas um dos quatro ou cinco membros da tripulação, talvez avisado por ele, decidiu acercar-se da traseira, onde eu placidamente via as nuvens e escassos farrapos de solo pelos postigos, dando ideia que me encontrava em trote sobre um garanhão.
- Tu deves ser marado da pinha, ó miúdo! Vai já para o teu lugar, antes que eu perca a paciência!
Obedeci e ainda lhe ouvi dizer, baixinho:
- Este puto tem nervos de aço.
Mais tarde, com mais assento, encontrei um rifão apropriado: “sofre de medo quem tem medo de sofrer”.
Aterrámos pouco depois, em Nampula, no aeroporto situado perto do bairro da Metecolia. Da “barriga de ginguba” saiu um então herói da guerra, o comandante paraquedista Rafael Durão em uniforme camuflado, então coronel ou tenente-coronel não sei bem, um homem de uma extraordinária coragem na frente de luta. Eu pus-me ao lado dele e assim marchámos, a compasso, até às instalações do aeroporto. Talvez, tirando os tripulantes, que ficaram para trás, fôssemos os únicos a caminhar direitos, uma vez que a maioria dos passageiros vinha com as cores da cidra e a cambalear como se acabasse de sair da centrifugadora da máquina de lavar.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

HOJE VOU FALAR DE LIVROS


Poderei dizer melhor: hoje vou falar de prémios literários.
Em tempos concorri a prémios literários, geralmente de pouca monta, muito embora um deles fosse atribuído pela RTP, através de um dos seus programas. Nem sempre consegui vencer, porque só concorri a cinco, mas três dos prémios vieram por obra deste obreiro da escrita.
Também não é do passado que pretendo falar, tanto mais que desde há muitos anos que não concorro a prémios literários ou artísticos. Quero manifestar uma estranheza, esta relativa à não atribuição, neste ano de 2019, do chorudo Prémio LeYa.
Concorreram 409 originais, não posso dizer de outros tantos autores, porque alguns podiam apresentar mais que um trabalho. Parece, porém, que a quantidade não correspondeu à qualidade. E o júri final, sob a batuta de Manuel Alegre, não terá lido aqueles calhamaços todos, porque um júri preliminar se ocupou dessa tarefa, o que ainda reduz mais a qualidade das quatro centenas. Ou, na mais grave das hipóteses, a deficiente qualidade do júri, naturalmente com carta branca, que assim decidiu por unanimidade.
As centenas de autores concorrentes ficam, deste modo, a chuchar no dedo e a olhar para a biqueira dos sapatos, mesmo sabendo que só um receberia os cem mil pacotes do prémio. Resta-lhes agarrar no respectivo original e de irem de chapéu na mão mendigar o favor de publicação a uma editora, talvez até à mesma que lhes negou o prémio; ou, em alternativa para se satisfazer o ego, de pagarem em regime de “vanity publishing” para ver a obra sair da tipografia. Melhor lhes diria, se acaso o júri não encontrou matéria para preencher os parâmetros da valia, que façam obra mais caprichada; ou que, para esquecerem o desgosto e marados da pinha, apanhem uma suave carraspana.
Por uma questão de cotejo, decidi perceber, em cada um dos últimos vencedores, a razão que o júri invocou para a atribuição do prémio, já que, nesta de 2019, foi apenas isto, sem especificar: “as obras concorrentes não correspondem aos parâmetros de qualidade literária exigidos”. Enfim, todas elas mancavam com a falta de qualidade, mas não se exigia de que tipo.
Em 2018, “Torto Arado” do escritor brasileiro Itamar Vieira Junior, foi distinguido pela "solidez da construção, o equilíbrio da narrativa e a forma como aborda o universo rural do Brasil".
Em 2017,  “Os loucos da rua Mazur”, de João Pinto Coelho, foi  galardoado e elogiado pelo júri pelas “qualidades de efabulação e verosimilhança em episódios de violência brutal com motivações ideológico-políticas e étnico-religiosas”.
Em 2016, tal como este ano, não foi atribuído, pois mesmo com um único finalista escolhido, o júri alegou estar perante originais que “se apresentavam prejudicados por limitações na composição narrativa e por fragilidades estilísticas”, precisamente a mesma couraça e lengalenga esfarrapada do ano de 2010 – foi só copiar e colar.
Em 2015, “O Coro dos Defuntos”, de António Tavares, venceu graças a “uma construção sólida, conduzindo o leitor através de uma escrita que inscreve em paralelo o percurso do país e o do mundo ficcional, sem que um se sobreponha ao outro” e ainda “reanima, com conhecimento empático e com ironia, uma ruralidade ancestral”.
Em 2014, “O Meu Irmão”, de Afonso Reis Cabral teve o primeiro e único lugar por tratar de um tema delicado, com “uma visão sentimental e vulgar: a relação entre dois irmãos, um deles com síndrome de Down”.
Em 2013, «Uma Outra Voz», de Gabriela Ruivo Trindade, obteve a escolha do júri, que destacou na obra “consistência do projecto narrativo que procura, através de várias gerações, e com o foco em personagens de grande força, sobretudo femininas, retratar a transformação da sociedade e dos modelos de vida numa cidade de província, no Alentejo”.
Em 2012, “Debaixo de Algum Céu”, de Nuno Camarneiro, escolhido entre sete finalistas porque o autor “faz de um prédio de apartamentos à beira-mar o tecido conjuntivo da vida quotidiana de várias personagens - saídas da gente comum da nossa actualidade, mas também por isso carregadas de potencial significativo".
Em 2011, "O teu rosto será o último", de João Ricardo Pedro, passou a perna a oito finalistas pela sua “composição delicada de histórias autónomas, que se traçam em fios secretos", e ainda "apoiado em imagens fortes, constrói um perturbador painel do presente português".
Em 2010, sem atribuição de prémio por o júri ter estado com 325 obras a concurso e considerar estar “perante originais que, apesar de algumas potencialidades, se apresentam prejudicados por limitações na composição narrativa e por fragilidades estilísticas”.
Em 2009, "O Olho de Hertzog", do moçambicano João Paulo Borges Coelho, foi o escolhido pelo “contexto histórico dos combates das tropas alemãs contra as tropas portuguesas e inglesas na I Guerra Mundial, na fronteira entre o ex-Tanganica e Moçambique, o confronto entre africânderes e ingleses, a emigração moçambicana para a África do Sul”.
Em 2008, "O Rastro do Jaguar", do brasileiro Murilo Carvalho, o primeiro a ser o primeiro e único, considerando para os decisores finais tratar-se de uma “obra de fôlego, que refigura uma vasta erudição, combina narrativa histórica e arte poética, elaboração wagneriana e aura profética”.
Não concorri ao Prémio LeYa. Que fique isto claro!
Sem querer descredibilizar o Prémio LeYa e o grupo editorial, que me merecem o maior respeito, nem sequer todas as nove obras premiadas desde 2008, acho estranho – muito estranho mesmo – que em tantos originais não haja um (apenas um) que tivesse o mínimo de aproveitamento editorial. Que há obras publicadas cuja leitura é mais monótona do que contemplar durante um dia os peixes num aquário, isso há. Na opinião do júri, se meter pela calha das justificações anteriores, desta vez foram recebidos originais de uma cambada de escrevinhadores com “fragilidades estilísticas”, que obrigaram à aplicação do artigo 9º do regulamento. A barulheira que isto poderia dar se houvesse quem se interessasse por apurar as razões, atordoaria os ouvidos de um surdo.
À falta de melhor, se não houver quem queira caprichar, lá concorrerão de futuro alguns teimosos, em número que se pode contar pelos dedos das duas mãos, sobrando alguns na aritmética. E não me admirava nada que alguns “deficientes estilísticos” voltassem a insistir, com menos assombro da minha parte se abichassem o primeiro lugar num dos próximos prémios; porque nisto de literatura e de prémios literários, às vezes parece que se confunde um elefante de tromba no ar com um embondeiro.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Another Brick In The Wall - Outro Tijolo no Muro


As circunstâncias da vida, as próprias opções e outros apelos fizeram com que eu escapasse a uma profissão: professor.
Não cabe no meu feitio educar quem não quer ser educado, tem renitência à educação e que, ainda pequeno pepino, desobedece, violenta e agride quem o quer ensinar; também não me passaria pela mente vir, mais tarde, a ser tutelado por um ministério que não promove a dignidade do professor (antes a vilipendia), com a mesma desfaçatez com que assiste a fenómenos de violência por parte de alguns alunos, mais aprendizes de energúmenos (senão já professores da matéria) do que educandos.
Nos tempos que correm, auxiliada por psicólogos que podiam ser bons jardineiros, a filosofia é criar uma criança que tem sempre razão, pode agredir impunemente e o diabo a quatro que se lhe mete no corpo.
A psicologia vai de encontro à canção dos Pink Floyd - Another Brick In The Wall  (Outro tijolo no muro) – quando na letra contém esta espécie de axioma: “Teachers leave them kids alone” (Professores, deixem as crianças em paz); ou mesmo quando fala pela boca de algumas delas: “We don't need no education” (não precisamos de nenhuma educação). Será que é solução retirar das cantinas as costeletas de novilho?
O que precisa, então, este tipo de cinco réis de gente? Três ou quatro telemóveis topo de gama, dois tablets, mesada ilimitada, roupa de marca e livre arbítrio até dizer chega e outros chiquismos que eles exibem à compita entre uns e outros.
Esta semana, por razões de indisciplina e desobediência, um puto recusou a ordem do professor que não queria vê-lo utilizar um telemóvel nas aulas. Conclusão, o professor passou-se (fez mal) e deu-lhe nas trombas. Caiu o Carmo e a Trindade, os media malharam no professor, a escola bateu no professor, o tribunal vai encarregar-se de zupar no professor. Se bem que, num momento descontrolado, o educador tenha agido mal – talvez estivesse melhor se mandasse o gaiato malcriado apanhar o fresco – o aluno sai desculpabilizado da jogada que ele armou. Lá entra a canção dos Pink – “There were certain teachers who would, Hurt the children in any way they could” (Havia certos professores que fariam sofrer as crianças da forma que eles pudessem).
Como se isto não bastasse, na mesma semana ocorreram mais agressões do lado contrário: miúdos entre os 11 e os 14 anos, agrediram professoras e professores. Conclusão, não se passa nada, é tudo normal. Os media levam o assunto a caixas de rodapé, a escola dispensa o docente agredido para fazer o curativo, o ministério finge que está tudo bem, nem queixa entra em tribunal (o que não faz diferença entre tanto milho painço, mesmo que entrasse).
Perante a apatia da tutela (ou até conivência com o satus quo), o Sindicato de Todos os Professores (S.TO.P), quis mesmo mostrar o Stop para estas situações e entregou um pré-aviso de greve, abrangendo professores, funcionários, psicólogos escolares e técnicos para protestar contra a violência e a impunidade nas escolas. 
Como cantam os Pink (a música é linda),é mais um tijolo no muro. Sim, concordo, é mais um tijolo no muro, e o muro no chão.
E queriam vocês que eu fosse professor? E passar o tempo a servir de almofada de alfinetes? Ah, grande Zé Povinho!…Toma!...

terça-feira, 22 de outubro de 2019

APRESENTAÇÃO DO LIVRO


É já no próximo Sábado, dia 26, na Casa da Cultura de Santa Comba Dão que será apresentado este meu trabalho de BD sobre aquele que eu considero como principal figura do Liberalismo.

terça-feira, 15 de outubro de 2019

O MEU MAIS RECENTE TRABALHO VAI SAIR EM BREVE


Já se encontra na gráfica este meu trabalho em desenho e cor, o qual tem argumento de António Neves, sobre o Dr. José da Silva Carvalho (1782-1856), uma das mais importantes figuras do Liberalismo, membro do Sinédrio, o qual se encontra reproduzido numa das pinturas da Assembleia da República, executada por Columbano.


A obra vai ser apresentada na Casa da Cultura de Santa Comba Dão (concelho na naturalidade de Silva Carvalho), no dia 26 de Outubro, iniciativa organizada pelo Município, também editor do álbum.


Este trabalho levou-me uns meses, mas deu-me muito gosto executá-lo, envolvendo desenho e trabalho de computador, pormenorizado ao ponto de algumas vinhetas precisarem mais de 8 horas para as dar por concluídas.

Junto apenas 8 das 60 pranchas que fazem parte do álbum, sendo estas escolhidas aleatoriamente da montagem das páginas par e ímpar.


Voltando ao grande vulto, acrescentarei que foi ele o impulsionador e o primeiro presidente do Supremo Tribunal de Justiça (ocupando este cargo em três nomeações), para além de ter sido ministro de várias pastas, ter estado no exílio por três vezes, e ter-se empenhado na Revolução Liberal de 1820, sendo um lutador para que se fizesse a Constituição. Foi contemporâneo dos reis D. João VI, D. Miguel, D. Pedro IV, D. Maria II, a regência de D. Fernando II e D. Pedro V.


Uma das maiores personalidades do séc. XIX, a quem muito deve a liberdade. E é a figura que me levou graciosamente a este trabalho, onde reproduzi grande parte dos intervenientes nacionais e internacionais daquele período.


Voltarei ao assunto.

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

HÁ MAIS BLOGS PARA ALÉM DESTE

Decidi recentemente reanimar mais dois blogs que tenho mantido a hibernar. Um deles, é o "LENDAS PORTUGUESAS", onde alterei o formato dos textos e das ilustrações. É um blog que esteve um ano em "repouso",que muitos considerariam mesmo abandonado, não fosse o número dos seus visitantes (e eu não era um deles) a continuarem a leitura do que já lá tinha exposto. Devido a esses e outros eventuais leitores, aprontei novo naipe de lendas, até hoje - e já lá vão dez dias - com uma introdução diária.
As ilustrações, que constam do meu sketch book, são elaboradas com esferográfica preta e coloridas com lápis de cor. Estão assinaladas por concelhos, numeradas segundo a sequência naquele livro cartonado de apontamentos e fazem parte do meu acervo literário e plástico.
O blog, que vai apontado do lado direito (seguindo directamente para ele, se o desejarem, clicando no respectivo título),é um dos quatro que mantenho, nem sempre com regular assiduidade.
Para ilustrar, eis algumas imagens das 11 lendas recentemente "postadas".























quinta-feira, 8 de agosto de 2019

RESPONDA O QUE QUISER


A DGAEP é uma entidade governamental cujo logótipo parece um bailarino de azul e vermelho, mas isso pouco monta ao caso a seguir em apreço. Desculpem-me não colocar aqui o “boneco” ou logótipo, uma vez que sou cumpridor das leis e obrigações e está-me vedada essa reprodução, justa e legalmente com a condicionante de ser reproduzida mediante autorização expressa da Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público. Interessa saber que se trata de um serviço transversal da Administração Pública, tutelado pelo Ministério das Finanças, com a sua lei orgânica reproduzida no Decreto Regulamentar n.º 27/2012, de 29 de Fevereiro.
Decorridos 4 anos desde um anterior questionário sobre a satisfação ou o seu contrário dos serviços pelos servidores, lança-se a 2ª edição do mesmo, correcta e aumentada, como é dos cânones da continuidade.
Para além das questões corriqueiras e preliminares para se saber o organismo e ministério do respondente, sexo, idade, antiguidade, tipo de vínculo, talvez lá faltasse saber qual a cor preferida dos sapatos, o clube, a marca e o modelo de automóvel que gostasse de conduzir (já nem falo qual o partido político preferido, como é evidente), trago aqui o que, pelo vulgo, me deu “nas vistas”.
Coloco aqui este texto porque, entre 18 de Julho deste ano e finais de Setembro circula um questionário sobre os factores motivacionais dos trabalhadores da Administração Pública Central, querendo aferir o impacto da motivação/satisfação dos trabalhadores ao nível da produtividade e qualidade do trabalho realizado, do relacionamento interpessoal, ambientes de trabalho, da melhoria do desempenho dos serviços e o que soe de razão perguntar-se.
O questionário em questão encontra-se acessível através de um link que eu “bisbilhotei” para saber o que se pretende saber. Verifiquei que as respostas são de fácil desenvolvimento, clicando num dos itens – totalmente em desacordo; em desacordo; de acordo; totalmente de acordo.
Até aqui, tudo bem, a ideia até nem é má. O que tem suscitado alguma polémica – que eu peguei de cernelha, por a ter lido em muitos lados – é que a coisa surge no período vizinho de novas eleições legislativas e o questionário envereda por aquilo que se julga serem perguntas de natureza política e económica. E há outras que são tão risíveis como esta, logo para “mata-bicho”: “Tenho capacidade económica para comprar os bens necessários à alimentação diária”. Se o trabalho não garante a alimentação diária, um mísero frango de churrasco, muito menos do vestuário e do pagamento de consumos, o melhor é recorrer-se à Segurança Social.
Há outras perguntas cuja resposta é levada ao egocentrismo de cada um, como estes três exemplos a seguir (corrigido por mim os vocábulos que ali seguem o acordo ortográfico): “Em comparação com outros trabalhadores com um trabalho similar ao meu, considero que o meu salário é razoável”; “Convicção de que o trabalho no serviço público é mais gratificante do que no sector privado”; “Os incentivos financeiros motivam-me mais do que os não financeiros”. Esta será a rábula da galinha da vizinha… Não será aquela melhor que a minha?
Há questões subjectivas, meramente circunstanciais e pouco relevantes para um inquérito deste tipo, como: “No meu organismo há uma cultura de confiança dos dirigentes em relação aos trabalhadores”. Para se responder a isto, não era necessário inquirir-se sobre a confiança dos dirigentes e trabalhadores, dos bispos e dos vigários da hierarquia? Como é que se mede a confiança, apenas pelos tratamentos por “tu”?
Está lá uma questão que me faz lembrar aquelas perguntas dos pais nos primeiros dias de escola dos filhos, que é “gostas muito da escola?”. Veja-se: “Sinto-me feliz no meu trabalho”. Respondendo a esta questão, estão dadas as respostas a todas as outras – remuneração, condições laborais, de higiene e de saúde, comparações salariais e demais, incentivos e o que se tiver por enquadrável no múnus.
Finalmente há questões com uma carga política sondável, pelo que as reproduzo separadamente. Assim:
- “O período da Troika influenciou negativamente a minha motivação no trabalho”. Eu não sei o que responderia, se fosse inquirido, caso pretendesse ser profissionalmente correcto e não politicamente correcto.
- “A reposição dos salários afectou positivamente a minha motivação no trabalho”. Imagino que a motivação é, desde sempre, o salário e não a folia, sendo a única excepção o voluntariado, onde a remuneração não existe.
- “O descongelamento progressivo das carreiras é motivador”. E é devido a quem, han? Digam lá, quem é que retirou do congelador a progressão das carreiras?
- “Sinto-me hoje mais motivado no trabalho do que há 5 anos atrás”. Há 5 anos atrás, do tempo de quem? De quem foi a culpa e quem são os bons que motivam o trabalho? Se perguntarem a um menino se gosta do enfermeiro que lhe deu a pica, ele vai dizer que sim? E entre a gula e a penitência, o que se prefere?
Enfim, há uma tirada de humor que pode consubstanciar estes últimos quatro items. Pergunta: Qual é o fim da picada? Resposta: Quando o mosquito vai embora. Ou ainda, no diálogo entre dois cromossomas, um deles diz para o outro: Oh! Cromossomos felizes!

sábado, 3 de agosto de 2019

O MUNDO É DAS CRIANÇAS… E DOS DRONES


Com as duas notícias que me entraram em casa esta semana, lembrei-me de uma obra do escritor inglês Aldous Huxley, publicada em 1932, sob o título “Admirável Mundo Novo”. Que o mundo é novo a cada dia que passa, não é novidade para ninguém; e que é admirável, só um bacoco é que não se extasia com tal evolução.
Quando andava na escola, pelos meus oito anos de idade, havia lá um miúdo que recebia dinheiro de outros miúdos a vender desenhos que ele fazia a lápis, copiados sabe-se lá de onde, com situações escabrosas e de cariz ridículo-sexual. Pelo meu lado, sem concorrer com ele nos temas, fazia mapas de países, coloridos com lápis de cor, cujo pagamento me vinha precisamente em forma de lápis de cor, a sua maioria já usada. Eu não recebia um centavo, era tudo naquele género, quando era…
Imagine-se agora sabermos que a menina Boram, uma youtuber sul-coreana de seis anos, comprou no início deste ano uma casa no valor de 7,2 milhões de euros (9,5 milhões de won, moeda local) com as receitas dos seus canais em que faz críticas a brinquedos e vlogs (Vlog é a abreviação de videoblog, vídeo + blog, um tipo de blog em que os conteúdos predominantes são os vídeos). A pequena tem uma empresa com aquela coisa, gerida pelos pais, com contratos de publicidade. Nem é para menos, pois a youtuber tem qualquer coisa como 13,6 milhões de subscritores, em que experimenta e faz críticas a brinquedos, ainda críticas e sondagens aos vlogs, com uns 17,8 milhões de subscritores semanais.
Ou o mundo andou muito depressa ao ponto de se tornar irreconhecível, ou fui eu que perdi a possibilidade de o acompanhar. Estou inabilitado para ser um youtuber que se preze – nem mesmo um blogger que se ature – ainda que eu tenha dez vezes a idade da moça. Ainda sou do tempo em que, para se arranjar alguns trocos, era preciso moer o corpo e o juízo. Não me lembro de aos seis anos ter na minha posse uma nota das mais pequenas. Ver por ver, dizer que se arranjam sete milhões de euros a comentar e criticar brinquedos, será fabular com coisas sérias. Mas quem leva a sério quem tem apenas a idade para entrar na escola?!
Mais me espanta é ler sobre a pequena Boram, que já reproduziu conteúdos, ditos clips, que mostravam Boram a roubar dinheiro da carteira do pai e em que simulava conduzir carros na estrada. É certo que as autoridades reagiram a estas anomalias, uma vez que os conteúdos da pequena são vistos por outros pequenos do seu escalão etário. Mandaram apagar tais conteúdos quando o mal já estava feito e assegurado o rendimento da coisa. O certo é que 7 milhões de euros é muito dinheiro!
A Boram tem um concorrente na rede. Tem sete anos de idade, dá pelo nome de Ryan Kaji e é outro youtuber com um canal de críticas a brinquedos, o que já lhe rendeu 19,7 milhões de euros no último ano, graças às visualizações de mais de 20,8 milhões de subscritores do seu canal.
É evidente que isto é o “mundo novo”; não sei, porém, se será “admirável”. Talvez, decompondo os sinónimos do vocábulo, quererá dizer espantoso, mas não esplêndido.
Segue agora a crónica para o mundo dos adultos e das suas brincadeiras que são levadas muito a sério. A notícia dá conta que a Espanha vai ter drones a vigiar o que faz cada condutor enquanto conduz. Os aparelhos semelhantes a grandes moscardos vão estar essencialmente a trabalhar nas estradas e as infracções verificadas pelos “insectos” serão notificadas imediatamente por um agente da brigada de trânsito ou processadas posteriormente.
Não me consta que a Boram tenha alguma vez criticado estes brinquedos policiais. Se calha até falou deles, porque para se ganhar sete milhões não há brinquedos que cheguem.
A moda em Espanha, aqui tão cerca, depressa passará a fronteira até às costas do Atlântico. Se não bastam os armários do controlo de velocidade à beira da estrada, que voam mais baixinho, lá vêm os drones para ajudar à receita. Sob esta capa e conceito de progresso, nada escapa aos drones e aos armários e não haverá, por parte dos mordomos da lei, mãos a medir para passar as facturas inerentes às perplexidades ilustradas por aqueles aparelhos; naturalmente os ditos sempre prontos para as multas, sem nunca se alcançarem “fora de serviço”.
Sobre ambos os casos do progresso galopante, cada qual fique no que lhe parecer. Lá bem no fundo, a Ibéria merece o que os romanos disseram dela.
Lá volto eu à carga. É evidente que isto é o “mundo novo”; não sei, porém, se será “admirável”. Talvez, decompondo os sinónimos do vocábulo, quererá dizer assombroso, mas não será surpreendente.

sábado, 27 de julho de 2019

CONTRA-FOGO


Há incêndios que não se apagam com água. Esses são incêndios de língua, presumivelmente sempre molhada, resultantes, isso sim, de cérebros sempre a escaldar. É o que documentam as ocorrências neste verão, quando as barbas estão a arder (salvas sejam) no teatro de operações de combate a incêndios e de combate ao combate a incêndios.
Há de tudo um pouco: ordens de prisão de comandantes a outros comandantes, como se em dia de folga nas trincheiras; ministro a protagonizar declarações afrontosas contra autarcas, sem matutar no conteúdo das palavras; bombeiros que recebem uma sandocha, uma peça de fruta e uma garrafita de água como refeição, esta a “ração de combate” para 24 horas de luta contra as chamas, que nem ração se lhe pode chamar; umas golas anti-fumo distribuídas em kits de socorros a parte da população, feitas de poliéster inflamável, com a agravante de supostamente serem adquiridas a um preço quase a duplicar do valor do mercado. E o que mais se verá adiante, na faina!...
Passou para o conhecimento público a fotografia da “refeição” distribuída a um bombeiro, em plena zona de acção de combate em Vila de Rei. O bombeiro usou as redes sociais, reclamando pelo facto de estar no terreno desde o dia de anterior, às 19 horas, até dia seguinte, às 12 horas, e receber uma sandes, um fruto e uma garrafa de água para fazer uma refeição. Desabafou com as suas razões, comuns aos seus companheiros: “deixo a família, deixo o conforto da minha casa, venho arriscar a vida a defender aquilo que não me pertence…Saio de casa a correr sem jantar sequer, passo a noite inteira a combater as chamas e a esta hora, o que me dão para comer é somente isto!!!!?
Uma cena digna dos “Monty Python” passou-se, segundo o que li e ouvi, no cenário a arder de Sobral do Campo (Castelo Branco), quando um militar da GNR, ao comando da Unidade de Emergência de Protecção e Socorro da GNR deu ordens de prisão (não ao fogo, que não lha aceitava) a um comandante do grupo da Força Especial de Bombeiros. Vamos lá a saber se a ordem veio, como diz o lema de D. João II, pela grei, ou se proveio, como diz o mesmo, pela lei. Alega a notícia – desmentida por um e por outro no que lhes concerne – que a ordem não resultou de uma ocorrência de mau estacionamento ou de excesso de velocidade (o mais comum e o mais grato por parte de quem a exerce), mas pelo caso de o contraventor, então presuntivo aprisionado à voz, estar a tirar fotografias ao fogo. Uma e outra situação, conjecturalmente de comandos, suscitam perplexidades: prendem-se combatentes das mesmas fileiras; tiram-se fotos ao fogo, presumivelmente para álbuns da corporação ou para exposições atinentes. Enfim, despautério, mascarada veneziana e desfaçatez que chegue!
O ministro, que pode ser ministro de tudo, menos de relações públicas, comentou as declarações de um presidente de câmara, cujo concelho foi dos mais atingidos, declarando que ele se armava em comentador televisivo, quando o homem apenas declarou o que os seus munícipes já tinham dito: a ausência de socorros a tempo.
O mesmo ministro, que pode ser ministro de tudo menos de protecção civil, afirmou que as golas não são de combate a incêndios, o que significa que podem servir para tudo, mesmo para desfiles de carnaval ou assaltos a caixas de banco, menos para zonas onde o fogo ataca. Se onde há fumo também há fogo, segundo o diz a sabedoria de três doutores, compreende-se que uma gola de protecção não esteja envolvida no cenário da tragédia?
Por estas alturas de tais calamidades, move-se uma panóplia de ferramentas, equipamentos, comunicações, infra-estruturas de apoio, corporações, organizações militares, civis e quartéis, tudo supostamente unido pela rede informática, pela rede de comunicações, rede eléctrica, e quiçá pela rede de pesca. Onde há uma enorme e colossal interdependência entre as várias partes do sistema organizativo, todos a quererem mandar e poucos a quererem obedecer, é uma barafunda e grandíssimo canudo. Diabos levem o fogo para o inferno, onde ele é mais preciso!
Estamos em finais de Julho deste ano de 2019, escrevo isto a 27. Ainda como trágico, envolvido numa nuvem de fumo espesso e escuro, o senhor Presidente da República parece que ainda não saiba de nada. E eu, que vim a saber disto pela comunicação social, fico também a nada saber.

domingo, 21 de julho de 2019

ENCICLOPÉDIA ALEGRE DE BRUXAS (5)


BABOSA. É a planta que nos chega com o rótulo de aloé vera. Dizem os entendidos no assunto que dá sorte, amor e protecção, afinal os três ingredientes que toda a gente deseja, se olvidar o da pedra filosofal e o acertar todos os números do euromilhões. Possui efeito sobre energias negativas, principalmente inveja e mau olhado. Não livra, porém, de notificações fiscais, multas de trânsito e da distribuição de propaganda eleitoral em doses maciças.
Uma outra característica menos metafísica é a de ser eficaz contra acidentes domésticos, especialmente na cozinha, protegendo das queimaduras, cortes ou tombos. Para além disso, segundo a química, fortalece o couro cabeludo – não sei até se restitui o cabelo perdido, mas a caspa foge dela como o diabo da Cruz - e em creme vende-se para prevenir rugas e combater as peles flácidas e secas.
Como ainda dizem os entendidos que faz crescer o cabelo com muita rapidez, é muito recomendada pelos barbeiros e cabeleireiros, que vêem na planta um poderoso aliado.
Não confundir com o vocábulo de género contrário, o baboso, de que os espanhóis têm um significado assim explicado: “ hombre que resulta molesto e impertinente cuando intenta agradar a una mujer”.

BARULHO. É dos registos que as bruxas tocam pandeireta nos dias de festa com o patrono, de preferência em encruzilhadas onde não haja sinais de "stop", "proibição de passagem" ou "proibição de virar à esquerda".
Para os inebriados com as comemorações, tal como acontece com as bruxas, fazer chinfrineira com tachos e panelas, tem servido para espantar os malefícios do ano que finda e impedindo que entrem no novo. À falta destes apetrechos (principalmente dos tachos, que estão todos tomados), serve uma discoteca de quizomba ou uma sessão de bateria e guitarra-baixo de uma banda liceal.

BELEZA. Salvo raras excepções, nunca vi a reprodução plástica de uma bruxa com base no modelo de rosto de uma Amanda Seyfried, Nicole Kidman, Angelina Jolie, Avril Lavigne ou Beyoncé, para só citar algumas das que são consideradas, na altura em que faço esta enciclopédia, das vinte mais belas do mundo. Até o circunspecto Goya deu em pintar umas megeras narigudas, pelos no queixo e algumas verrugas pouco cuidadas (a simetria destas, agora em moda, paga-se a peso de ouro nos esteticistas).
Pintar o belo é difícil, mas o feio e deformado está ao alcance de qualquer um. O certo é que todos nós, pelo menos uma vez na vida, teremos dito de alguém esta depreciação de mau gosto: “parece uma bruxa” ou “é feia como uma bruxa”.

BENZEDEIRA. Torna-se o assunto de conversas de serões e soalheiro – pelo menos, no tempo em que não havia novelas televisivas, reality shows nas televisões e programas de cozinha a todas as horas do dia – saber quem é quem no mundo do bruxedo. As benzedeiras toda a gente as conhece, assim como algumas bruxas que têm blogs, sites, twitter, linkedin e facebook.
As benzedeiras encarregam-se dos tratamentos do mau-olhado que atacam os garotos, talham os “ares”, endireitam espinhelas caídas, cortam sarampos e zagres, varrem malefícios e invejas. Estas mulheres, que também são chamadas “corpo aberto” e “santinhas”, têm como utensílios rudimentares e pataqueiros, facas e tesouras (para talharem os ditos “ares”), águas bentas, ramos de alecrim e azeite puro de oliva (o que vem sendo raro como ingrediente porque a pureza é escassa), beladona, meimendro e mandrágora.
Infelizmente, para comporem os magros réditos da profissão, não se incumbem do preenchimento de declarações de IRS (“benzidas” por outras artes), bem como qualquer outro biscate de solicitadoria, o que lhes garantiria clientela extra.
Enfim, as benzedeiras não passam de mulheres simples.

BOLSA. Quando o negócio era rentável, havia sempre uma bolsa onde se guardavam os cobres. Hoje já não é bem assim. Segundo os cânones do dinheiro e da finança, a bolsa passou a ser de valores (ou seja, quanto menos valores morais, mais valem), constituindo um mercado que gere acções e outros valores mobiliários.
Visto isto, não faltam às bruxas acções (a maior parte, más, mas também grande parte, boas), pelo que, reunidas em sociedade anónima desde os tempos da Inquisição, constituíram uma bolsa, a BVB (Bolsa de Valores Bruxúlicos) que, por decoro, não emparceira com o NASDAQ, o CAC, o MICEX, o NYSE ou o PSI20.
Perguntarão muito justamente por que razão não consta a “irmandade” financeira nas 30 maiores cotações do índice Dow Jones Industrial Average ou das famigeradas avaliações do Standard & Poor’s. Há uma razão muito simples: não sendo a actividade devidamente reconhecida pela fiscalidade internacional – constituindo os seus lucros uma espécie de fruto de qualquer paraíso fiscal – os editores do jornal financeiro norte-americano The Wall Street Journal, passam pelas acções da BVB e particularmente sobre este segmento de mercado, como cães por vinha vindimada.

BOLSOS. Em vulgar consulta, antes de ir aos bolsos do consulente, a digna bruxa tem algumas recomendações a fazer.  Uma delas é esta, embora não a mais importante: não se deve fazer a passagem de ano com bolsos vazios, mesmo que tenha sido esbulhado pelos mesmos sugadores ao longo do ano e independentemente dos cortes no subsídio de Natal. Lembrem-se que até a mendicidade, neste País, paga imposto e que o mínimo tilintar nos bolsos desperta a curiosidade da Autoridade Tributária e Aduaneira.

BRUXA DA ARRUDA. Chamava-se Ana Loira, era conhecida por Lérias, e foi a mais célebre bruxa de Portugal, que viveu no séc. XIX na freguesia de S. João dos Montes, uma freguesia de Vila Franca de Xira. Ficou conhecida pelo topónimo da freguesia que ficava mais perto do seu “consultório”, situado no Casal das Neves. Dizem que era saloia de grossas formas e mãe de qualquer coisa como 19 filhos. Não é de admirar que 5 filhas exercessem a mesma profissão. Recebia como paga o que lhe davam, acrescentando que não abdicava de 500 réis para pagar à “escreventa”. Com o que lhe davam, contabilizou o Diário de Notícias, em 1906, uma fortuna de 20 contos em depósito. Pelos vistos, já na altura, sem tabela de honorários, era costume primar pelos honorários e juntar-se a fome à vontade de comer. Dinheiro, carinho e reza, nunca se despreza, lá diriam as bruxas mais antigas.
O jornalista, levando à risca a sua reportagem, quis ser consultado e, a par disso, obteve alguns ingredientes “medicinais” para certas curas, devidamente registados com o pormenor fonético da oratória, como se lê: “para a “aformentação” das costas, ópio e deldôque; para o “estâmago” e barriga uma “aformentação” d’arruda, marcella e alfazema frita e manteiga de vacca, e posto no “estâmago” um “emprasto” de pão de trigo, banha de porco e um ovo, isto feito em agua de girvão e “tádegas”, para se cozerem e a agua fazer o “emprasto”. Para beber à noite erva de sete sangrias; estando agoniado, chá de erva cidreira, e se tiver enjoo de ‘estâmago’ chá de marmello. Isto é feito de vinte em vinte quatro horas, durante nove dias a fio (…)»

BURROS. Para além das vassouras, as bruxas usam os burros como meio de transporte, só que preferem montar ao contrário, com as costas viradas para a cabeça do animal, sem liteiras e cadeirinhas e, tal como alguns estabelecimentos de ensino, à rédea solta. Deverão ter a mesma sensação que se desfruta quando se viaja de comboio na última composição e se vê a paisagem a afastar-se. Nessas andanças não precisam de táxis, transportes públicos ou de veículos motorizados, principalmente estes, os quais estão sujeitos à gula da tributação desde o dístico de circulação até ao combustível, a que se juntam as manhas e artimanhas dos códigos de trânsito, bem como dos mais que nem é bom falar. Também não consta que sejam pagas, através do erário público, ao quilómetro, como bem acontece a quem sai do palácio de S. Bento para a santa terrinha.
Podiam andar de cavalo, pois podiam, mas lá têm o ditado que recomenda - burrinho que me leve e não cavalo que arrasta.
Quando alguém passa descalço por um sítio onde um burro se tenha espojado, deve cuspir para que as bruxas não o incomodem.