No Domingo, dia 24, o que significa que foi ontem, correspondi ao convite de um amigo para fazer parte, na representação da minha Confraria, num Capítulo e Entronização da Confraria dos Enófilos e Gastrónomos da Beira Serra. O cientista, físico e professor Fernando Carvalho Rodrigues, ia ser entronizado nessa Confraria e dei por boa decisão ter comparecido a essa cerimónia, para ouvir o que ele disse.
Só mesmo o meu amigo Augusto Isidoro, ex-Procurador Distrital da Guarda (Ministério Público), membro da direcção e organizador, me faria comparecer num dia nublado e de chuva, numa cidade a mais de mil metros de altitude e, ainda por cima, a deitar “faladura”. Mais convencido fiquei pelo incitamento do meu colega e amigo Florêncio Nunes, que me julga ser capaz de despachar com palavreado, em mercado de gado, um asno com pulmoeira. E é esse instantâneo do discurso que reproduzo a abrir o texto, enquanto o auditório, que rondaria as sete dezenas de pessoas, se espalhava pelo escadório.
Lá vesti o traje castanho de romeira amarela, com a respectiva insígnia ao peito, e falei no alto da escadaria da Sé da Guarda.
Até aí tudo bem. No entanto, para causar perplexidade nos confrades presentes, afirmei que a Sé que estava ali ao nosso lado não tinha sido mandada construir por D. Sancho I (primeira perplexidade) e que era a terceira da sua série desde que aquele rei resolvera tirar o episcopado da Egitânia para a Guarda.
Para causar mais confusão, adiantei que a cidade, que é conhecida pelos 5 Efes (Farta, Fria, Feia, Falsa e Forte) devia ser no meu entender conhecida pelos 5 Esses (os dos dois Sanchos, primeiro e segundo, e os “esses” das três sedes do bispado).
A coisa conta-se em duas penadas. Talvez para namorar a Ribeirinha da “cantiga de amigo” que temia o tardar do seu amor na Guarda, o nosso D. Sancho meteu uma cunha ao papa Inocêncio III e a Idanha viu fugir a sede do bispado para a cidade mais alta. Assim foi construída uma primeira sé, em estilo românico, de que não restam vestígios. D. Sancho II mandou então construir uma nova catedral no local onde se situa a actual Igreja da Misericórdia, que foi concluída no século XIV. Porém, D. Fernando, ao reformar as muralhas da cidade, deu conta que a Sé ficava fora delas, temendo que os castelhanos aproveitassem subir pela sua torre para entrar nas muralhas, mandou-a derrubar, com a promessa de fazer outra dentro das muralhas. Mas não fez, pelo que D. João I ordenou a construção de nova sé, no local onde hoje se encontra. Mas as obras demoraram muito tempo, talvez porque o seu ministro do tesouro real já lhe enchesse os ouvidos com as cativações, pelo que a Sé da Guarda, conforme a conhecemos hoje, só foi concluída no tempo do rei D. João III, já no séc. XVI, com introdução dos estilos gótico e manuelino. Isto significa que o D. Sancho I, quando foi lançada a primeira pedra – e naturalmente a última – já estava há muito na terra da verdade.
Se a catedral estivesse aberta, teria eu oportunidade de falar dos seus absidíolos e arcobotantes, se tanto fosse a minha memória cabonde para me ajudar. Ou ainda de dar a volta à Sé até descobrir aquela gárgula que tem as nádegas e o cu aberto (um senhor ânus, só lhe falta a vergazinha ao léu) na direcção de Espanha, como a exorcizar velhas disputas.
Talvez os meus amigos se tenham arrependido por pagaram caro o convite. E foi-lhes bem feito, porque não me benzo duas vezes para dar ao Demo as rédeas desta oratória. Embora estribado em factos históricos, fui por esta via da perplexidade, tanto que às vezes, como diz o rifão, ando à procura de “achar sete pés ao carneiro ou asas ao burro”. E eu, que sou um espírito de contradição, podia ter falado em coisas mais elevadas, como aquela com que terminei a oratória, do tipo pilhéria, dizendo que uma das maiores confrarias em Portugal seria aquela que simbolizaria os confrades fugidos aos impostos – "Confraria da Fuga ao Fisco". Apesar de muitos, presumo que, quanto a confrades, não se entronizaria um só. Olha quem!...