Com as duas notícias que me entraram em casa esta
semana, lembrei-me de uma obra do escritor inglês Aldous Huxley, publicada em
1932, sob o título “Admirável Mundo Novo”. Que o mundo é novo a cada dia que
passa, não é novidade para ninguém; e que é admirável, só um bacoco é que não
se extasia com tal evolução.
Quando andava na escola, pelos meus oito anos de
idade, havia lá um miúdo que recebia dinheiro de outros miúdos a vender
desenhos que ele fazia a lápis, copiados sabe-se lá de onde, com situações
escabrosas e de cariz ridículo-sexual. Pelo meu lado, sem concorrer com ele nos
temas, fazia mapas de países, coloridos com lápis de cor, cujo pagamento me
vinha precisamente em forma de lápis de cor, a sua maioria já usada. Eu não
recebia um centavo, era tudo naquele género, quando era…
Imagine-se agora sabermos que a menina Boram, uma youtuber sul-coreana de seis anos,
comprou no início deste ano uma casa no valor de 7,2 milhões de euros (9,5
milhões de won, moeda local) com as
receitas dos seus canais em que faz críticas a brinquedos e vlogs (Vlog é a abreviação de videoblog,
vídeo + blog, um tipo de blog em que os conteúdos predominantes são os vídeos).
A pequena tem uma empresa com aquela coisa, gerida pelos pais, com contratos de
publicidade. Nem é para menos, pois a youtuber
tem qualquer coisa como 13,6 milhões de subscritores, em que experimenta e faz
críticas a brinquedos, ainda críticas e sondagens aos vlogs, com uns 17,8 milhões de subscritores semanais.
Ou o mundo andou muito depressa ao ponto de se
tornar irreconhecível, ou fui eu que perdi a possibilidade de o acompanhar.
Estou inabilitado para ser um youtuber
que se preze – nem mesmo um blogger
que se ature – ainda que eu tenha dez vezes a idade da moça. Ainda sou do tempo
em que, para se arranjar alguns trocos, era preciso moer o corpo e o juízo. Não
me lembro de aos seis anos ter na minha posse uma nota das mais pequenas. Ver
por ver, dizer que se arranjam sete milhões de euros a comentar e criticar
brinquedos, será fabular com coisas sérias. Mas quem leva a sério quem tem
apenas a idade para entrar na escola?!
Mais me espanta é ler sobre a pequena Boram, que
já reproduziu conteúdos, ditos clips,
que mostravam Boram a roubar dinheiro da carteira do pai e em que simulava conduzir
carros na estrada. É certo que as autoridades reagiram a estas anomalias, uma
vez que os conteúdos da pequena são vistos por outros pequenos do seu escalão
etário. Mandaram apagar tais conteúdos quando o mal já estava feito e
assegurado o rendimento da coisa. O certo é que 7 milhões de euros é muito
dinheiro!
A Boram tem um concorrente na rede. Tem sete anos
de idade, dá pelo nome de Ryan Kaji e é outro youtuber com um canal de críticas a brinquedos, o que já lhe rendeu
19,7 milhões de euros no último ano, graças às visualizações de mais de 20,8
milhões de subscritores do seu canal.
É evidente que isto é o “mundo novo”; não sei,
porém, se será “admirável”. Talvez, decompondo os sinónimos do vocábulo,
quererá dizer espantoso, mas não esplêndido.
Segue agora a crónica para o mundo dos adultos e
das suas brincadeiras que são levadas muito a sério. A notícia dá conta que a Espanha vai ter drones a vigiar o que
faz cada condutor enquanto conduz. Os aparelhos semelhantes a grandes moscardos
vão estar essencialmente a trabalhar nas estradas e as infracções verificadas
pelos “insectos” serão notificadas imediatamente por um agente da brigada de
trânsito ou processadas posteriormente.
Não me consta que a Boram tenha alguma vez
criticado estes brinquedos policiais. Se calha até falou deles, porque para se
ganhar sete milhões não há brinquedos que cheguem.
A moda em Espanha, aqui tão cerca, depressa passará
a fronteira até às costas do Atlântico. Se não bastam os armários do controlo
de velocidade à beira da estrada, que voam mais baixinho, lá vêm os drones para ajudar à receita. Sob esta
capa e conceito de progresso, nada escapa aos drones e aos armários e não haverá, por parte dos mordomos da lei,
mãos a medir para passar as facturas inerentes às perplexidades ilustradas por
aqueles aparelhos; naturalmente os ditos sempre prontos para as multas, sem
nunca se alcançarem “fora de serviço”.
Sobre ambos os casos do progresso galopante, cada
qual fique no que lhe parecer. Lá bem no fundo, a Ibéria merece o que os
romanos disseram dela.
Lá volto eu à carga. É evidente que isto é o “mundo
novo”; não sei, porém, se será “admirável”. Talvez, decompondo os sinónimos do
vocábulo, quererá dizer assombroso, mas não será surpreendente.
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