Há incêndios que não se apagam com água. Esses são
incêndios de língua, presumivelmente sempre molhada, resultantes, isso sim, de
cérebros sempre a escaldar. É o que documentam as ocorrências neste verão,
quando as barbas estão a arder (salvas sejam) no teatro de operações de combate
a incêndios e de combate ao combate a incêndios.
Há de tudo um pouco: ordens de prisão de
comandantes a outros comandantes, como se em dia de folga nas trincheiras;
ministro a protagonizar declarações afrontosas contra autarcas, sem matutar no
conteúdo das palavras; bombeiros que recebem uma sandocha, uma peça de fruta e uma garrafita de
água como refeição, esta a “ração de combate” para 24 horas de luta contra as
chamas, que nem ração se lhe pode chamar; umas golas anti-fumo distribuídas em
kits de socorros a parte da população, feitas de poliéster inflamável, com a
agravante de supostamente serem adquiridas a um preço quase a duplicar do
valor do mercado. E o que mais se verá adiante, na faina!...
Passou para o conhecimento público a fotografia da “refeição”
distribuída a um bombeiro, em plena zona de acção de combate em Vila de Rei. O
bombeiro usou as redes sociais, reclamando pelo facto de estar no terreno desde
o dia de anterior, às 19 horas, até dia seguinte, às 12 horas, e receber uma
sandes, um fruto e uma garrafa de água para fazer uma refeição. Desabafou com
as suas razões, comuns aos seus companheiros: “deixo a família, deixo o conforto
da minha casa, venho arriscar a vida a defender aquilo que não me pertence…Saio
de casa a correr sem jantar sequer, passo a noite inteira a combater as chamas
e a esta hora, o que me dão para comer é somente isto!!!!?”
Uma cena digna dos “Monty Python” passou-se,
segundo o que li e ouvi, no cenário a arder de Sobral do Campo (Castelo Branco),
quando um militar da GNR, ao comando da Unidade de Emergência de Protecção e
Socorro da GNR deu ordens de prisão (não ao fogo, que não lha aceitava) a um comandante
do grupo da Força Especial de Bombeiros. Vamos lá a saber se a ordem veio, como
diz o lema de D. João II, pela grei, ou se proveio, como diz o mesmo, pela lei.
Alega a notícia – desmentida por um e por outro no que lhes concerne – que a
ordem não resultou de uma ocorrência de mau estacionamento ou de excesso de
velocidade (o mais comum e o mais grato por parte de quem a exerce), mas pelo
caso de o contraventor, então presuntivo aprisionado à voz, estar a tirar fotografias
ao fogo. Uma e outra situação, conjecturalmente de comandos, suscitam
perplexidades: prendem-se combatentes das mesmas fileiras; tiram-se fotos ao
fogo, presumivelmente para álbuns da corporação ou para exposições atinentes. Enfim,
despautério, mascarada veneziana e desfaçatez que chegue!
O ministro, que pode ser ministro de tudo, menos de
relações públicas, comentou as declarações de um presidente de câmara, cujo
concelho foi dos mais atingidos, declarando que ele se armava em comentador
televisivo, quando o homem apenas declarou o que os seus munícipes já tinham
dito: a ausência de socorros a tempo.
O mesmo ministro, que pode ser ministro de tudo
menos de protecção civil, afirmou que as golas não são de combate a incêndios,
o que significa que podem servir para tudo, mesmo para desfiles de carnaval ou
assaltos a caixas de banco, menos para zonas onde o fogo ataca. Se onde há fumo
também há fogo, segundo o diz a sabedoria de três doutores, compreende-se que
uma gola de protecção não esteja envolvida no cenário da tragédia?
Por estas alturas de tais calamidades, move-se uma
panóplia de ferramentas, equipamentos, comunicações, infra-estruturas de apoio,
corporações, organizações militares, civis e quartéis, tudo supostamente unido
pela rede informática, pela rede de comunicações, rede eléctrica, e quiçá pela rede de pesca. Onde
há uma enorme e colossal interdependência entre as várias partes do sistema organizativo,
todos a quererem mandar e poucos a quererem obedecer, é uma barafunda e grandíssimo
canudo. Diabos levem o fogo para o inferno, onde ele é mais preciso!
Estamos em finais de Julho deste ano de 2019,
escrevo isto a 27. Ainda como trágico, envolvido numa nuvem de fumo espesso e
escuro, o senhor Presidente da República parece que ainda não saiba de nada. E
eu, que vim a saber disto pela comunicação social, fico também a nada saber.
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