quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

O LAMBE-BOTISMO, ACTIVIDADE COM FINS LUCRATIVOS



Nem sei se alguém, algum dia, pensou em tributar esta actividade, que ora nem sequer consta do CAE – acrónimo de Código das Actividades Económicas – a qual, pelo que me parece, é deveras lucrativa, recebendo em dividendos e outras pagas. Seria então difícil o cálculo da tributação, porque de grande dificuldade no apuramento dos grandes resultados lucrativos, designadamente por quase ausência de custos, a não ser a “saliva” da lambidela de botas.
O lambe-botista almeja sempre mais em benefício próprio, quase sempre à custa do prejuízo de terceiros. A gama ou espectro da actividade é vastíssimo, exercendo-se em linha ascendente, por vezes com descaro e malvadez, se bem que dissimulado como convém ao lambe-botas. É exercido no âmago da situação do dito, de preferência com o fito de alcançar serviço nas “gáspeas” metafóricas do superior hierárquico – chefe, director, patrão, professor, empregador, oficial, autarca, político, enfim, uma colossal gama de patamares do calçado onde a língua pode prestar a si própria relevante serviço.
Devia ser, repito, uma actividade registada, com o devido enquadramento fiscal, mesmo que exercida em acto isolado ou em regime de actividade ilegal. Também poderá ter enquadramento fiscal, se bem que ninguém se proponha colectar como “outros prestadores de serviços”.
A actividade está reconhecida e nem sempre passa despercebida no meio onde se exerce. Também já tem iconografia, como o quadro que abre este arrazoado - “No país dos lambe-botas” – um óleo s/ tela, de 70x80, de Luiz Morgadinho.
Nunca me vi nessa actividade, talvez porque nem jeito nem feitio me predispõe para ela; pelo contrário, em vez de lamber as botas, presumo até que manchei algumas, mormente quando enfrentei, verbalmente e por escrito, superiores hierárquicos e outros santos em vários altares. Também não posso dizer que permiti o benefício de terceiros quando hierarquicamente estive em chefia e administração, embora tivesse alguns “profissionais” para fazer o serviço nas minhas “botas”, porque para mim o valor de cada um é o princípio da minha apreciação, e nada mais.
O lambe-botismo é, tal como a prostituição, tão antigo como o mundo. Pelo menos tão antigo quanto o é o reino dos símios, sendo que neste é princípio estabelecido. É, pois, uma ilicitude tolerada. A este exercício, que eu designo por lambe-botismo, o Miguel Esteves Cardoso chama engraxanço e culambismo, tendo os mesmos princípios e sobre a mesma actividade. E o Miguel vai mais longe, afirmando que a actividade evoluiu com os tempos e que se foi “subindo na escala de subserviência, dos sapatos até ao cu”. E assegura o Miguel: “O pior é que a nossa sociedade não só aceita o culambismo como forma prática de subir na vida, como começa a exigi-lo como habilitação profissional. O culambismo compensa”.
Logo, entre a minha designação e a do Miguel, só há a diferença semântica. A actividade está aí para durar, evoluir na forma, progredir e tentar passar despercebida na sociedade, bastando ser percebida – e bem entendida, para recepção das graças – pelo dono das botas.

6 comentários:

  1. Diz-se por aí que "não há personalidades incorruptíveis -há é bons e maus corruptores".Por analogia diria que não há personalidades incólumes- há é bons e maus culambistas ou lambe-botistas. Diria ainda: quem não gosta de umas cócegazinhas no ego?

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  2. Caro amigo Luís
    A questão não está nas botas ou no dono das ditas, mas na língua de quem lambe. Não sendo prejudicial para terceiros, até faz bem ao ego de quem calça e progresso a quem lustra.

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  3. Eu também a favor de criação de um CAE próprio para o lambe-botismo, o engraxanço e culambismo pois sempre pagariam de alguma forma o que advêm dos seus actos. E porque não também serem portadores de uma etiqueta na lapela para os demais pares assim ficarem a saber.
    Boas Festa caro amigo.

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    1. Caro Amigo João

      Certamente alguns nem precisam de distintivo na lapela, pois manifestam-se sem se manifestarem. Há-os em todos os lugares e em todos os níveis, nem sempre sob o lema da inocência, principalmente porque beneficiam da lambidela, ao passo que aqueles que não esfregam a língua até são prejudicados.

      Boa Festas

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  4. Quando o lambe-botismo se institucionaliza como desculpa para a incompetência está o caldo entornado... passamos todos a remediar em vez de prevenir! Mas eu assino Abaixo o lambe botismo. Boas festas caro amigo. Abraço caloroso.

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    1. Caríssimo Carlos

      Por vezes, o lambe-botismo nem chega a ser apenas uma forma de sobrevivência, segura-se como forma de subserviência. Devidamente controlado, tolera-se. O problema é quando a lambidela conspurca a situação de quem se nega a lamber.

      Um grande abraço

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