quarta-feira, 29 de abril de 2020

PARA NÃO FALAR DO COVID... FALO DE BD


Recorro, desta feita e com a devida vénia, à entrevista que dei há tempos para o meu amigo e co-autor do blog BDBD, Luiz Beira (o outro é o Carlos Rico), falando de uma das artes a que me dedico com mais ou menos empenho. Exponho hoje a primeira parte dessa entrevista, seguindo-se, em breve, a segunda e última.
Como ilustração deixo uma vinheta de A BATALHA DE TRANCOSO, ainda inédita.


Como surgiu a tua paixão pela Banda Desenhada ?
Não é paixão, é vício. Quase todas as paixões são falazes, assim como há vícios que se respeitam mais que as virtudes. Descobri muito cedo, mesmo antes de andar na vertical, que as canetas não serviam só para meter na boca e os livros, mesmo já impressos, nunca estavam acabados. Com três ou quatro anos, garatujava nas margens não impressas dos livros do meu pai.

Essa paixão era só pela leitura ou também a vontade de a criar ?
Talvez seja uma idolatria absurda, mas adoro ler nos dois sentidos: os textos escritos e os desenhos. Talvez por isso eu leia as páginas de BD com muita lentidão. Só no cinema as imagens correm depressa. Na resposta à pergunta eu diria que é por ambas – ler e criar.
Se insistes em chamar paixão, confirmo que a leitura e a vontade de criar são como Romeu e Julieta – vivem inseparáveis.

Tens uma invejável e imensa obra, a ponto de alguns álbuns serem “edições de autor”. É complicado um desenhista editar-se no nosso País ?
Complicado não é, basta haver vontade e bolsa, pelo que pesa mais a última na vontade de decidir. A auto-edição é uma liberdade impagável, porventura inelutável, mas com os seus riscos. Embora tenha a maioria dos trabalhos editados por outrem – editoras e municípios – sou muito independente e tímido q. b. para evitar bater à aldraba das portas de quem o possa fazer. Sou grosso de feitio e prefiro mourejar a andar de chapéu na mão – até porque não uso chapéu.
No entanto, no meu caso, parece-me que não é isto que me empana a fama.

Onde vês algumas soluções para aliviar este “entupimento”, não só para as tuas obras como também para as de diversos colegas teus ?
 Se eu vislumbrasse soluções, teria aplicado primeiro a receita antes de a divulgar; todavia, presumo que a solução começa nos primeiros anos da escola e nos sequentes onde, efectivamente, há horários para desenho e pouco entusiasmo sobre o mesmo. Há quem culpe as editoras, as distribuidoras e os livreiros da “amputação” das prateleiras da BD, substituindo-as por livros impressos com patacoadas e mexericos, mas julgo que essa culpa é assumida a jusante e nunca a montante. Encontras algum programa, a sério, sobre BD na televisão? Vês lá caras papudas, muitos “com que ursos”, lavagem de roupa suja, choradinhos e crimes de trazer os cabelos em pé, pontapés na bola e na gramática, horas de tédio que não desejo à terceira idade “obrigada” a gramar aquela sopa nas cadeiras dos lares. Se a televisão é imagem, a BD também o é. Uma devia respeitar a outra.
Vejamos: quem é o livreiro que vai empatar uma carga de euros em álbuns e livros que lhe são devolvidos tarde, a más horas e, por vezes, com resquícios de terem sido atropelados por um tractor agrícola? E quem é o distribuidor que calcorreia de Ceca a Meca com o leva e traz sem levantar um milímetro a ponta do gráfico das vendas? Quem é o livreiro que arrisca ocupar prateleiras com obras que não se enquadram nas patacoadas e mexericos (decerto não seriam mais rentáveis a venda de chouriços e presuntos nas arábias), obras cujos autores mais se assemelham a magarefes por se apresentarem com enredos de faca e alguidar.
Procurem solução nas escolas (digo, nas leis que as regem) e nos canais de televisão que não ligam patavina a um programa adequado à disseminação da BD e de outras artes afins (ao menos, um “reality show” onde os “nus” andassem a fingir ler um álbum de banda desenhada, maxime para taparem as “vergonhas”, mas nem isso).

Um álbum teu, “As Bodas de D. Diniz e Isabel de Aragão em Trancoso”, tem também edições em castelhano e em inglês. Como foi esta aposta ?
Foi graças à visão da Câmara Municipal e da alargada visão cultural de quem a gere na oportunidade. Se um município pretende divulgar o concelho e os seus valores, não deve pensar só nos autóctones. Quem aposta no turismo tem de perceber isso… ou não percebe nada disso.
Os ingleses e os espanhóis são os que mais visitam o burgo. Se a eles acrescessem os japoneses, seria de arregaçar as mangas, virar da direita para a esquerda e colocar a linguagem indígena nipónica nos balões. A isto se chama realmente aposta. E ganha-se.

(Continua...)

7 comentários:

  1. Agora fiquei interessada nesse seu álbum sobre as bodas de D. Dinis e D. Isabel. Além de um romance sobre D. Dinis, escrevi, recentemente, uma peça de teatro, baseada nesse mesmo romance. Claro que não faço ideia se alguém, algum dia, se interessará por ela.

    Tem algum álbum sobre D. Afonso Henriques?

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  2. Cristina
    Peço desculpa de ter lido este seu comentário só nesta oportunidade. infelizmente, nas aplicações do blogger, não fiz a convergência e aviso dos comentários deste blog com a minha caixa do correio.
    O álbum sobre as bodas de D. Dinis e Isabel de Aragão fi-lo, como disse, em três edições, cada um em sua língua (castelhano/espanhol, inglês e português), com uma tiragem de 3.000 exemplares para cada. Foi a pedido do município de Trancoso, onde se realizaram as bodas.
    Estive no Palácio de Aljaferia, em Saragoça, onde nasceu Isabel de Aragão e serviu-me também de guião a bibliografia de duas autoras espanholas, que escreveram um excelente trabalho sobre a que foi rainha de Portugal.
    Sobre D. Afonso Henriques fiz um trabalho, encomendado por uma editora, para a Câmara Municipal de Lamego, em 2003, com uma generosa tiragem de 7.000 exemplares (pelo menos a primeira).
    Sobre a sua peça de teatro, acho que deverá existir interesse em levá-la à cena, para o que bastará publicá-la ou propô-la a um grupo de teatro. Se tivesse sabido desta sua peça, entre 2007 e 2009 - período em que fui presidente do conselho de administração da empresa municipal de Trancoso - certamente a incluiria, através de um grupo cénico, na programação dos eventos a que se dedicava aquela empresa.

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  3. Bem, eu é que peço desculpa. Afinal, já me tinha dito que tinha feito esse trabalho sobre D. Afonso Henriques, daí a inutilidade da minha pergunta.

    Ainda se podem adquirir esses álbuns, ou um deles?

    Quanto à peça: escrevi-a há pouco tempo e agora, com esta crise, não há representações teatrais. E quem sabe quanto tempo durará esta quarentena a todos os níveis...

    Enfim, tenhamos esperança!

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  4. Não sei se o município de Lamego ainda possui exemplares do álbum Egas Moniz, o Aio. Quanto ao das bodas reais, irei contactar o município de Trancoso para saber se há exemplares disponíveis; neste último caso, caso obtenha algum, pedir-lhe-ei o contacto para lho enviar, o que farei adicionando uma monografia desta terra e as Trovas do Bandarra, o sapateiro-profeta, muito comentado pelo padre António Vieira e por Fernando Pessoa.

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  5. Muito obrigada pela sua atenção. Caso se concretize, teria o maior prazer em enviar-lhe um exemplar do meu D. Dinis. Seria assim uma espécie de permuta.

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    1. Não se preocupe em retribuir. O seu livro D. Dinis, editado pela Ésquilo, já o tenho.
      Se me indicar o endereço postal, através desta caixa ou do meu e-mail - se_costa@sapo.pt - logo que tenha algum exemplar, lho enviarei com os que também já lhe indiquei.

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  6. Agradeço-lhe muito. E fico feliz em saber que tem o meu livro. Estou a planear reeditar o D. Afonso Henriques no próximo ano, depois de o reescrever, pois gostaria de corrigir certos pormenores. Também tenho um romance sobre D. Teresa, editado em 2018. Gostaria mesmo de contribuir com alguma coisa. Façamos o seguinte: quando pretender enviar, mande-me um email para andancas@t-online.de. Vivo na Alemanha e não me parece que este ano consiga ir a Portugal, estando as fronteiras fechadas. Nesse caso, dar-lhe-ia o endereço dos meus pais, pois os portes para a Alemanha são bastante mais caros. Avise-me, pois, por email, e,conforme a situação, se decide.

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