PASSEIO À PRAIA DE MIRA
A minha infância e primeira juventude passadas em
Trancoso, decorreram lentamente ao ritmo da vida, naquele tempo, numa vilória
de interior. Do colégio para o café dos meus pais e daí para a brincadeira, num
tempo em que se saía de casa no fim da escola e só se regressava ao anoitecer.
E eu não era dos piores…
Vivia, portanto, num ambiente de muitas interações com
adultos que me tratavam com muita amizade talvez até com algum mimo. Era, para
quase todos, o “Luisinho do Café”.
Uma
dessas figuras, adulto com casamento tardio, muito amigo de meus pais, era
quase sempre o motivo de brincadeiras do grupo que se juntava para o café de
depois de almoço ou para o copito ao fim de um dia de trabalho. Dele se contava
uma história picara passada numa excursão a Mira. A mãe do nosso amigo, que era
muito guloso, mandara na merenda vários recipientes de arroz doce (ainda não
havia Tupperwares). O dia passou-se animado e o nosso jovem decidiu-se a dar um
passeio de barco na Barrinha de Mira. Por falta de noção do tempo passado ou
por falta de domínio dos remos da pequena embarcação o fato é que chegou ao
autocarro com mais de meia hora de atraso, quando todos os companheiros já
protestavam, furibundos, dada a sua demora.
Quando
chegou foi o alvo dos protestos de quase todos: que ele “era um irresponsável”,
que “da próxima vez iam deixá-lo em terra”, que “na viagem seguinte não viria”,
que “não se envergonhava de deixar toda aquela gente à espera”.
Acabrunhado
lá se sentou no fundo do autocarro, como se sabe, nos lugares mais trepidantes.
Fosse
do balanço do autocarro, fosse das curvas da estrada, fosse do excesso de arroz
doce, os intestinos do nosso amigo dão de funcionar em ritmo acelerado e
sobrevêm-lhe umas cólicas tremendas que, depois de muito hesitar, o levaram a
pedir:
-
Oh Sr. Zeferino (era o nome do condutor). Pare lá que eu vou muito aflito!
Os
restantes viajantes levantaram um protesto geral:
-
“Não tiveste tempo enquanto andaste por lá?” “Não pare, Sr. Zeferino, ele que
se aguente” “Não tivesses comido tanto arroz doce, seu alarve!!”
Quando
o Sr. Zeferino (um homem bom, sempre dorido pelos outros) encontrou um pequeno
desvio onde parar já ele estava nas escadas traseiras do autocarro, só que tão
aflito que, apertando as pernas, não conseguia mexer-se sob pena de não
conseguir segurar a diarreia. Uns riam, outros protestavam…
-
Então agora não sais? Vinhas tão aflito e agora não te mexes? Estamos aqui
todos à espera!
E
ele continuava imóvel, junto da porta aberta, vermelho como um tomate, sem
poder dar um passo. Quando por fim se decidiu, deu um salto já com as calças
desapertadas e “desabafou” logo ali, na berma da estrada, virando-se de costas
para os companheiros de viagem.
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