A senhora Autoridade de Segurança Rodoviária, depois de
plantar no jardim mais umas miras de captação de multas, adoptou agora nova
especialidade, forjada por algum mestrado em cátedra de esperteza saloia: a de
ocultação de estatísticas de acidentes rodoviários. É evidente que é mais uma
cativação, tal a do ministro das Finanças relativa às cativações orçamentais.
Esta esperteza faz com que tenhamos algum receio do próprio
termo de origem latina. O dito tem vários significados, sendo dois suaves, o de
seduzir e encantar, e os outros mais repelentes, como reduzir a cativeiro,
subjugar, hipotecar e reter (as tais cativações orçamentais).
Camões optou pela mais suave, as endechas à escrava Bárbara:
Aquela cativa
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Parece que foi o semanário “Expresso” que descobriu a
careca a esta cativação estatística da senhora ANSR, que até aqui conhecíamos
como perita em cativação de cartas de condução, dizendo mesmo que "depois
das cativações orçamentais de Mário Centeno, surgem as cativações das
estatísticas de acidentes, mortos e feridos nas vias rodoviárias”. Eu diria
como o ferreiro – e o que diz ele? - é como uma no cravo e duas ao lado.
A coisa foi ao ponto de o “Polígrafo” passar a coisa a pente
fino e dar razão ao “Expresso”.
Este apagão vem de encontro a um paradoxo inexplicável: à
medida que se cobram, com mais acuidade e persistência, as multas rodoviárias,
mormente através dos aparelhómetros de emboscada ao longo das vias, onde só
faltam por vezes as urzes e as carquejas, parece que a sinistralidade aumenta, o
que me leva a enfatizar o sermão do padre António Vieira: “ou o sal não salga,
ou o mar não se deixa salgar”.
Vistos e corridos os autos, desde 2016 que a sinistralidade
rodoviária em Portugal está a agravar-se, com mais mortos e feridos graves. Só
não vêem isto os pusilânimes, os que não vêem um comboio numa recta e os que
preferem olhar para o lado. E importa aqui salientar que o número de mortos e
feridos graves pecam por defeito, na medida em que estas estatísticas, feitas pelo
método do chico-espertismo e de quem percebe desta poda, apenas contabilizam
como "morto" a "vítima cujo óbito ocorre no local do acidente ou
durante o respectivo transporte até à unidade de saúde" e como
"ferido grave" a "vítima de acidente cujos danos corporais
obriguem a um período de hospitalização superior a 24 horas".
No mesmo relatório destaca-se uma tabela com os totais
acumulados nos períodos entre 16 de Junho de 2017 e 15 de Junho de 2018, por um
lado, e entre 16 de Junho de 2018 e 15 de Junho de 2019, por outro lado. E mais
uma vez confirma-se que a sinistralidade rodoviária está a agravar-se: o número
de mortos aumentou de 495 para 524 e o número de feridos graves também aumentou
de 2.068 para 2.248. Pelo que não restam dúvidas quanto ao agravamento do
fenómeno.
A cativação (ou congelamento) de verbas significa a retenção
de verbas do orçamento de despesa determinado na Lei do Orçamento do Estado, no
decreto-lei de execução orçamental anual ou outro acto legal específico.
Sumariamente, no que tange ao orçamento, por vezes justificada em estrofes de pé quebrado, traduz-se numa redução da dotação utilizável pelos serviços e
organismos. Na disciplina rodoviária, a coisa ainda é mais refinada: estes números foram ocultados para não prejudicarem as estatísticas
que pretendiam demonstrar que a “repressão” através das multas e dos ainda mais
gravosos efeitos colaterais dos “pontos” na carta de condução, resultam como um
shampô três em um. O insano engodo, que visa a demonstração da causa e efeito da multa-repressão-sinistralidade, se não tiver maior objectivo que o da arrecadação penal fiscal, tem o resultado equivalente à oferta de um bloco de gelo a um esquimó.
Se querem mais evidências daquilo que aqui digo, consultem
neste mesmo blog:
http://altas-cavalarias.blogspot.com/2019/01/a-curva-da-bossa-do-camelo.html
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