Como tinha prometido no post anterior, dado tratar-se da
Curva da Bossa do Camelo, resta saber a história do bicho desde o seu
nascimento.
Esta curva foi, desde o seu início, objecto de todas as
críticas e de nenhum aplauso, à excepção dos donos da vinha que obrigaram a um
arco dos mais acentuados da Europa e a fazer inveja às curvas da pista de Indianápolis.
Em 2002, com as obras em decurso no local, aquilo parecia
uma barafunda. Não andavam nem deixavam andar. Tanto assim durou o impasse, que
em 26 de Fevereiro de 2006, o jornal Correio da Manhã apontava o entrave à
régua, esquadro e transferidor: uma vinha.
https://www.cmjornal.pt/exclusivos/detalhe/quinta-de-carrilho-salva
A razão desse imobilismo apareceu quando “a
solução inicialmente defendida por Fernando Ruas, presidente da Câmara de
Viseu, mereceu fortes críticas de proprietários de vinhas que iriam ser
destruídas. Entre estes proprietários está a família de Manuel Maria Carrilho,
ex-ministro e candidato socialista à Câmara de Lisboa nas últimas Autárquicas”.
Ainda segundo o mesmo diário “principalmente no Verão, o casal Manuel Maria Carrilho e Bárbara
Guimarães, mais o filho, “passam algum tempo” na quinta, “porque tem muita
sombra e é sossegada”.
Para que o casal não fosse “desassossegado” por esse traçado
e as uvas continuassem a fazer vinho do Dão na Quinta de São Domingos - nem que
seja para embriagar condutores para serem apanhados pelo “balão” - a coisa
levou aquela volta, muito diferente daquela que seria se fosse eu o dono das
vinhas de casta toriga e roriz.
O jornal, em artigo pertinente – lembro, escrito em 2006 –
continua o historial, dizendo que “avançou
um traçado provisório que é marcado por uma curva perigosa, em forma de
cotovelo. Se o projecto inicialmente previsto fosse avante, Manuel Maria
Carrilho e os seus irmãos, herdeiros do antigo presidente da Câmara de Viseu,
Manuel Engrácia Carrilho, veriam a quinta dividida pela auto-estrada”.
Havia outras alternativas que evitassem o estabelecimento no
local da actual tesouraria? Havia,
sim senhores. No início apresentaram-se duas hipóteses: a passagem da A25 a
norte de Viseu, aproveitando o traçado tipo “carreiro de cabras” do IP5, ou a sul,
que arrasaria muitas vinhas, que já não eram da dita família, e obrigaria ao
derrube de habitações. Como estas duas alternativas não foram aceites,
designadamente a do traçado do IP5, recusada pelo autarca de Viseu, Fernando
Ruas (jamais, “jamé”), ficava aquela em arco pronunciado, logo prometida como
“provisória” pelo ministro das Obras Públicas, Carmona Rodrigues: curva em
cotovelo, com tesouraria e “sniper”, ligando a A25 ao actual troço que liga
IP3/IP5. O ministro das Obras Públicas, Mário Lino, em Novembro de 2007 reconheceu
que a curva "Bossa do Camelo", em Viseu, é "um estrangulamento"
mas admitiu que “alterar a curva custa muito dinheiro", para concluir que
outras obras eram consideradas prioritárias à sua correcção, tal como o “jamé, jamé”
do aeroporto na margem sul do Tejo. Ora, pois, enquanto aquela curva rendesse o
que rendia, com ar de desenfado, deixá-la estar!
Tudo seria a contento de todos, menos da tesouraria, não
fosse neste país o significado de provisório e irrevogável serem, para a
política alternante, diferente daqueles que estão no dicionário. A “ferradura”
tipo autódromo ali ficou, concluída “provisoriamente” até que a construção do
troço a sul estivesse concluída, o que só aconteceria no ano de 2008; Isto é,
passados 11 anos do traçado provisório e 16 anos do traçado até agora definito!
Alguém viu o novo troço, que terá estado camuflado como o santuário da
caixa das receitas nos sentidos crescente e decrescente, onde se acende um “80”
como em barraca de tiro ao alvo na Feira Popular? Por ali perto existe aquilo
que, nos meus tempos de liceu de Viseu, já se chamava “O Caçador”. Não podia
supor que a onomástica não podia ser mais apropriada à zona, anos volvidos.
A anormalidade de curva, naquela bruta natureza de 240 graus
de raio (que a parta),foi contestada na altura pelos deputados
sociais-democratas, considerando-a de "elevado risco" por um estudo
técnico da secção autónoma de Engenharia Civil da Universidade de Aveiro,
revelado em Junho de 2005. Também a Associação de Cidadãos Automobilizados e um
grupo de habitantes de Barbeita entregaram uma providência cautelar no Tribunal
Administrativo e Fiscal de Viseu, para tentar impedir a conclusão da construção
da "bossa do camelo". A concessionária, que não queria mais chatices
e trabalhos a mais, garantiu que esta cumpria todos os requisitos técnicos,
opinião corroborada por um juiz do tribunal que decidiu que, do ponto de vista
técnico, este traçado não ofende qualquer norma legal. Ainda bem que este senhor
juiz não seguiu engenharia; talvez nem devesse ter seguido magistratura.
Logo na inauguração do troço, mais propriamente no primeiro
dia, “caíram” ali 600 condutores acima dos 80 Km/h0.
Os moradores da zona, muito propriamente, chamam com certa
prosápia à “pista” a curva da bossa do camelo e interrogam-se como foi possível
fazer-se, depois de Abril de 1974, uma curva tão pronunciada, que é mais um
ponto negro nas estradas. Eu diria que é mais um buraco negro, sorvedouro de
coimas e alcavalas que “branqueiam” as asneiras de quem não tem capacidade para
sequer, no tempo das antas, orcas e mamoas, fazer um carreiro de cabras.
Agora questiono eu: com tantas interrupções e limites (entre
Aveiro e Guarda há pelo menos 7), ainda têm a lata de portajar a A25? Não lhes
chega a tesouraria da Curva da Bossa do Camelo?
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