Por postura municipal de 1872, devidamente
registada em livro da câmara de Trancoso, foi exigido que todas as pessoas que
criassem porcos deviam proceder de harmonia com o edital camarário, o qual
expressava o seguinte:
“Foi acordado
unanimemente, que para evitar o prejuízo que os porcos tanto desta vila como
das povoações deste concelho causavam nos terrenos públicos e particulares, e
bem assim na plantação das árvores do campo, em razão de não trazerem arganel,
pelo que fossam com a tromba, por isso acorda a Câmara que doravante os donos e
senhores de porcos de qualquer qualidade, grandes ou pequenos, sejam obrigados
a pôr-lhe arganel na tromba, e sendo encontrados sem ele pagarão de multa seus
donos, pela primeira vez cem réis, e o duplo segundo a reincidência”.
O arganel não seria usado no cortelho do bicho, onde se comprazia em fossar na ciscalhada da vianda misturada com farelo. A proibição visava o espaço público e privado de outrem, fartos viveiros de nutrimento onde os bichos. julgando ser "tudo da joana", não reconheciam propriedade.
Não sei por que razão - talvez por ser hoje a última sessão parlamentar desta legislatura - esta medida podia ser
aplicada, mutatis mutandis, a muito boa gente que, se não “fossa com a tromba”
(que a não tem), o faz com a língua (que a tem comprida). Não se admirem que
nesta leitura me lembrasse, nas coisas da zoopolítica, da “porca da política”
retratada pela caneta de Raphael Bordalo Pinheiro no número de Janeiro de 1900
de “A Paródia”. Lá está a grande “porca”, bem anafada, rodeada dos degenerados
filhos da reca, todos sem arganel e sem aquela peça, geralmente de couro ou de
metal, que se põe aos canídeos para não morderem, dita açaime; é evidente, o
açaime é para os cães que por vezes ladram obscenidades caninas ao passar da
caravana. Há até os que não ladram, não necessitam açaime e só abanam a cauda.
E os escassos porcos de cortelho já nem usam arganel.
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