domingo, 21 de julho de 2019

ENCICLOPÉDIA ALEGRE DE BRUXAS (5)


BABOSA. É a planta que nos chega com o rótulo de aloé vera. Dizem os entendidos no assunto que dá sorte, amor e protecção, afinal os três ingredientes que toda a gente deseja, se olvidar o da pedra filosofal e o acertar todos os números do euromilhões. Possui efeito sobre energias negativas, principalmente inveja e mau olhado. Não livra, porém, de notificações fiscais, multas de trânsito e da distribuição de propaganda eleitoral em doses maciças.
Uma outra característica menos metafísica é a de ser eficaz contra acidentes domésticos, especialmente na cozinha, protegendo das queimaduras, cortes ou tombos. Para além disso, segundo a química, fortalece o couro cabeludo – não sei até se restitui o cabelo perdido, mas a caspa foge dela como o diabo da Cruz - e em creme vende-se para prevenir rugas e combater as peles flácidas e secas.
Como ainda dizem os entendidos que faz crescer o cabelo com muita rapidez, é muito recomendada pelos barbeiros e cabeleireiros, que vêem na planta um poderoso aliado.
Não confundir com o vocábulo de género contrário, o baboso, de que os espanhóis têm um significado assim explicado: “ hombre que resulta molesto e impertinente cuando intenta agradar a una mujer”.

BARULHO. É dos registos que as bruxas tocam pandeireta nos dias de festa com o patrono, de preferência em encruzilhadas onde não haja sinais de "stop", "proibição de passagem" ou "proibição de virar à esquerda".
Para os inebriados com as comemorações, tal como acontece com as bruxas, fazer chinfrineira com tachos e panelas, tem servido para espantar os malefícios do ano que finda e impedindo que entrem no novo. À falta destes apetrechos (principalmente dos tachos, que estão todos tomados), serve uma discoteca de quizomba ou uma sessão de bateria e guitarra-baixo de uma banda liceal.

BELEZA. Salvo raras excepções, nunca vi a reprodução plástica de uma bruxa com base no modelo de rosto de uma Amanda Seyfried, Nicole Kidman, Angelina Jolie, Avril Lavigne ou Beyoncé, para só citar algumas das que são consideradas, na altura em que faço esta enciclopédia, das vinte mais belas do mundo. Até o circunspecto Goya deu em pintar umas megeras narigudas, pelos no queixo e algumas verrugas pouco cuidadas (a simetria destas, agora em moda, paga-se a peso de ouro nos esteticistas).
Pintar o belo é difícil, mas o feio e deformado está ao alcance de qualquer um. O certo é que todos nós, pelo menos uma vez na vida, teremos dito de alguém esta depreciação de mau gosto: “parece uma bruxa” ou “é feia como uma bruxa”.

BENZEDEIRA. Torna-se o assunto de conversas de serões e soalheiro – pelo menos, no tempo em que não havia novelas televisivas, reality shows nas televisões e programas de cozinha a todas as horas do dia – saber quem é quem no mundo do bruxedo. As benzedeiras toda a gente as conhece, assim como algumas bruxas que têm blogs, sites, twitter, linkedin e facebook.
As benzedeiras encarregam-se dos tratamentos do mau-olhado que atacam os garotos, talham os “ares”, endireitam espinhelas caídas, cortam sarampos e zagres, varrem malefícios e invejas. Estas mulheres, que também são chamadas “corpo aberto” e “santinhas”, têm como utensílios rudimentares e pataqueiros, facas e tesouras (para talharem os ditos “ares”), águas bentas, ramos de alecrim e azeite puro de oliva (o que vem sendo raro como ingrediente porque a pureza é escassa), beladona, meimendro e mandrágora.
Infelizmente, para comporem os magros réditos da profissão, não se incumbem do preenchimento de declarações de IRS (“benzidas” por outras artes), bem como qualquer outro biscate de solicitadoria, o que lhes garantiria clientela extra.
Enfim, as benzedeiras não passam de mulheres simples.

BOLSA. Quando o negócio era rentável, havia sempre uma bolsa onde se guardavam os cobres. Hoje já não é bem assim. Segundo os cânones do dinheiro e da finança, a bolsa passou a ser de valores (ou seja, quanto menos valores morais, mais valem), constituindo um mercado que gere acções e outros valores mobiliários.
Visto isto, não faltam às bruxas acções (a maior parte, más, mas também grande parte, boas), pelo que, reunidas em sociedade anónima desde os tempos da Inquisição, constituíram uma bolsa, a BVB (Bolsa de Valores Bruxúlicos) que, por decoro, não emparceira com o NASDAQ, o CAC, o MICEX, o NYSE ou o PSI20.
Perguntarão muito justamente por que razão não consta a “irmandade” financeira nas 30 maiores cotações do índice Dow Jones Industrial Average ou das famigeradas avaliações do Standard & Poor’s. Há uma razão muito simples: não sendo a actividade devidamente reconhecida pela fiscalidade internacional – constituindo os seus lucros uma espécie de fruto de qualquer paraíso fiscal – os editores do jornal financeiro norte-americano The Wall Street Journal, passam pelas acções da BVB e particularmente sobre este segmento de mercado, como cães por vinha vindimada.

BOLSOS. Em vulgar consulta, antes de ir aos bolsos do consulente, a digna bruxa tem algumas recomendações a fazer.  Uma delas é esta, embora não a mais importante: não se deve fazer a passagem de ano com bolsos vazios, mesmo que tenha sido esbulhado pelos mesmos sugadores ao longo do ano e independentemente dos cortes no subsídio de Natal. Lembrem-se que até a mendicidade, neste País, paga imposto e que o mínimo tilintar nos bolsos desperta a curiosidade da Autoridade Tributária e Aduaneira.

BRUXA DA ARRUDA. Chamava-se Ana Loira, era conhecida por Lérias, e foi a mais célebre bruxa de Portugal, que viveu no séc. XIX na freguesia de S. João dos Montes, uma freguesia de Vila Franca de Xira. Ficou conhecida pelo topónimo da freguesia que ficava mais perto do seu “consultório”, situado no Casal das Neves. Dizem que era saloia de grossas formas e mãe de qualquer coisa como 19 filhos. Não é de admirar que 5 filhas exercessem a mesma profissão. Recebia como paga o que lhe davam, acrescentando que não abdicava de 500 réis para pagar à “escreventa”. Com o que lhe davam, contabilizou o Diário de Notícias, em 1906, uma fortuna de 20 contos em depósito. Pelos vistos, já na altura, sem tabela de honorários, era costume primar pelos honorários e juntar-se a fome à vontade de comer. Dinheiro, carinho e reza, nunca se despreza, lá diriam as bruxas mais antigas.
O jornalista, levando à risca a sua reportagem, quis ser consultado e, a par disso, obteve alguns ingredientes “medicinais” para certas curas, devidamente registados com o pormenor fonético da oratória, como se lê: “para a “aformentação” das costas, ópio e deldôque; para o “estâmago” e barriga uma “aformentação” d’arruda, marcella e alfazema frita e manteiga de vacca, e posto no “estâmago” um “emprasto” de pão de trigo, banha de porco e um ovo, isto feito em agua de girvão e “tádegas”, para se cozerem e a agua fazer o “emprasto”. Para beber à noite erva de sete sangrias; estando agoniado, chá de erva cidreira, e se tiver enjoo de ‘estâmago’ chá de marmello. Isto é feito de vinte em vinte quatro horas, durante nove dias a fio (…)»

BURROS. Para além das vassouras, as bruxas usam os burros como meio de transporte, só que preferem montar ao contrário, com as costas viradas para a cabeça do animal, sem liteiras e cadeirinhas e, tal como alguns estabelecimentos de ensino, à rédea solta. Deverão ter a mesma sensação que se desfruta quando se viaja de comboio na última composição e se vê a paisagem a afastar-se. Nessas andanças não precisam de táxis, transportes públicos ou de veículos motorizados, principalmente estes, os quais estão sujeitos à gula da tributação desde o dístico de circulação até ao combustível, a que se juntam as manhas e artimanhas dos códigos de trânsito, bem como dos mais que nem é bom falar. Também não consta que sejam pagas, através do erário público, ao quilómetro, como bem acontece a quem sai do palácio de S. Bento para a santa terrinha.
Podiam andar de cavalo, pois podiam, mas lá têm o ditado que recomenda - burrinho que me leve e não cavalo que arrasta.
Quando alguém passa descalço por um sítio onde um burro se tenha espojado, deve cuspir para que as bruxas não o incomodem.





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