terça-feira, 29 de outubro de 2019

HOJE VOU FALAR DE LIVROS


Poderei dizer melhor: hoje vou falar de prémios literários.
Em tempos concorri a prémios literários, geralmente de pouca monta, muito embora um deles fosse atribuído pela RTP, através de um dos seus programas. Nem sempre consegui vencer, porque só concorri a cinco, mas três dos prémios vieram por obra deste obreiro da escrita.
Também não é do passado que pretendo falar, tanto mais que desde há muitos anos que não concorro a prémios literários ou artísticos. Quero manifestar uma estranheza, esta relativa à não atribuição, neste ano de 2019, do chorudo Prémio LeYa.
Concorreram 409 originais, não posso dizer de outros tantos autores, porque alguns podiam apresentar mais que um trabalho. Parece, porém, que a quantidade não correspondeu à qualidade. E o júri final, sob a batuta de Manuel Alegre, não terá lido aqueles calhamaços todos, porque um júri preliminar se ocupou dessa tarefa, o que ainda reduz mais a qualidade das quatro centenas. Ou, na mais grave das hipóteses, a deficiente qualidade do júri, naturalmente com carta branca, que assim decidiu por unanimidade.
As centenas de autores concorrentes ficam, deste modo, a chuchar no dedo e a olhar para a biqueira dos sapatos, mesmo sabendo que só um receberia os cem mil pacotes do prémio. Resta-lhes agarrar no respectivo original e de irem de chapéu na mão mendigar o favor de publicação a uma editora, talvez até à mesma que lhes negou o prémio; ou, em alternativa para se satisfazer o ego, de pagarem em regime de “vanity publishing” para ver a obra sair da tipografia. Melhor lhes diria, se acaso o júri não encontrou matéria para preencher os parâmetros da valia, que façam obra mais caprichada; ou que, para esquecerem o desgosto e marados da pinha, apanhem uma suave carraspana.
Por uma questão de cotejo, decidi perceber, em cada um dos últimos vencedores, a razão que o júri invocou para a atribuição do prémio, já que, nesta de 2019, foi apenas isto, sem especificar: “as obras concorrentes não correspondem aos parâmetros de qualidade literária exigidos”. Enfim, todas elas mancavam com a falta de qualidade, mas não se exigia de que tipo.
Em 2018, “Torto Arado” do escritor brasileiro Itamar Vieira Junior, foi distinguido pela "solidez da construção, o equilíbrio da narrativa e a forma como aborda o universo rural do Brasil".
Em 2017,  “Os loucos da rua Mazur”, de João Pinto Coelho, foi  galardoado e elogiado pelo júri pelas “qualidades de efabulação e verosimilhança em episódios de violência brutal com motivações ideológico-políticas e étnico-religiosas”.
Em 2016, tal como este ano, não foi atribuído, pois mesmo com um único finalista escolhido, o júri alegou estar perante originais que “se apresentavam prejudicados por limitações na composição narrativa e por fragilidades estilísticas”, precisamente a mesma couraça e lengalenga esfarrapada do ano de 2010 – foi só copiar e colar.
Em 2015, “O Coro dos Defuntos”, de António Tavares, venceu graças a “uma construção sólida, conduzindo o leitor através de uma escrita que inscreve em paralelo o percurso do país e o do mundo ficcional, sem que um se sobreponha ao outro” e ainda “reanima, com conhecimento empático e com ironia, uma ruralidade ancestral”.
Em 2014, “O Meu Irmão”, de Afonso Reis Cabral teve o primeiro e único lugar por tratar de um tema delicado, com “uma visão sentimental e vulgar: a relação entre dois irmãos, um deles com síndrome de Down”.
Em 2013, «Uma Outra Voz», de Gabriela Ruivo Trindade, obteve a escolha do júri, que destacou na obra “consistência do projecto narrativo que procura, através de várias gerações, e com o foco em personagens de grande força, sobretudo femininas, retratar a transformação da sociedade e dos modelos de vida numa cidade de província, no Alentejo”.
Em 2012, “Debaixo de Algum Céu”, de Nuno Camarneiro, escolhido entre sete finalistas porque o autor “faz de um prédio de apartamentos à beira-mar o tecido conjuntivo da vida quotidiana de várias personagens - saídas da gente comum da nossa actualidade, mas também por isso carregadas de potencial significativo".
Em 2011, "O teu rosto será o último", de João Ricardo Pedro, passou a perna a oito finalistas pela sua “composição delicada de histórias autónomas, que se traçam em fios secretos", e ainda "apoiado em imagens fortes, constrói um perturbador painel do presente português".
Em 2010, sem atribuição de prémio por o júri ter estado com 325 obras a concurso e considerar estar “perante originais que, apesar de algumas potencialidades, se apresentam prejudicados por limitações na composição narrativa e por fragilidades estilísticas”.
Em 2009, "O Olho de Hertzog", do moçambicano João Paulo Borges Coelho, foi o escolhido pelo “contexto histórico dos combates das tropas alemãs contra as tropas portuguesas e inglesas na I Guerra Mundial, na fronteira entre o ex-Tanganica e Moçambique, o confronto entre africânderes e ingleses, a emigração moçambicana para a África do Sul”.
Em 2008, "O Rastro do Jaguar", do brasileiro Murilo Carvalho, o primeiro a ser o primeiro e único, considerando para os decisores finais tratar-se de uma “obra de fôlego, que refigura uma vasta erudição, combina narrativa histórica e arte poética, elaboração wagneriana e aura profética”.
Não concorri ao Prémio LeYa. Que fique isto claro!
Sem querer descredibilizar o Prémio LeYa e o grupo editorial, que me merecem o maior respeito, nem sequer todas as nove obras premiadas desde 2008, acho estranho – muito estranho mesmo – que em tantos originais não haja um (apenas um) que tivesse o mínimo de aproveitamento editorial. Que há obras publicadas cuja leitura é mais monótona do que contemplar durante um dia os peixes num aquário, isso há. Na opinião do júri, se meter pela calha das justificações anteriores, desta vez foram recebidos originais de uma cambada de escrevinhadores com “fragilidades estilísticas”, que obrigaram à aplicação do artigo 9º do regulamento. A barulheira que isto poderia dar se houvesse quem se interessasse por apurar as razões, atordoaria os ouvidos de um surdo.
À falta de melhor, se não houver quem queira caprichar, lá concorrerão de futuro alguns teimosos, em número que se pode contar pelos dedos das duas mãos, sobrando alguns na aritmética. E não me admirava nada que alguns “deficientes estilísticos” voltassem a insistir, com menos assombro da minha parte se abichassem o primeiro lugar num dos próximos prémios; porque nisto de literatura e de prémios literários, às vezes parece que se confunde um elefante de tromba no ar com um embondeiro.

7 comentários:

  1. Excelente análise!
    Lúcida e que no fundo é a que todos nós faríamos, os que para isso tivessem coragem ou quisessem dedicar-se a ela.
    Não lerei melhor em nenhuma publicação ou jornal ou por "crítico" ou analista dos que pontificam nos sítios do costume, mas que também "comem da gamela", pois claro. Aguardo mesmo um rol de críticas aos putativos autores que não sabem esvrever e as desgraceiras do costume, sobre quem teme ou duvida do futuro.
    Eu não! Acredito no homem e no futuro! Venha ele, que é já amanhã…

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    1. Agradeço o seu comentário, uma vez que reforça a opinião que terão muitos portugueses, os quais t~em legitimamente como leitores a seguinte questão: será que na língua Lusa, em quatro centenas de obras, não há uma que se aproveita?
      Não será isto uma "fantochada"? Não há respeito pelos autores?
      Eu acredito no futuro, mas sei que ele também se faz e prepara no presente. como autores - refiro-me principalmente aos concorrentes - poderão continuar a sua criatividade literária com tais "elogios"?

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  2. Bolas… não sou "unknown", conheço-me até muito bem!
    António Luiz Pacheco.

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  3. Concordo consigo! Não tenha dúvidas de que se tratou de um golpe de marketing. Para o ano haverá prémio, com certeza!

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    1. Acabei de colocar um comentário no blog da dra. Maria do Rosário Pedreira - horasextraordinárias.blogs.sapo.pt - uma senhora de grande mérito editorial, que eu amiro muito e respeito.
      por ser o meu comentário, reproduzo-o aqui parcialmente e é assim, como aviso à cúpula da LeYa:
      Isto tudo para dizer que alguém, na cúpula, devia estar de sobreaviso. A não atribuição do prémio descredibiliza o Grupo, pois não haverá um único português com raciocínio, que não veja uma estranha perplexidade de tornar pacotilha 409 originais, achando-os sem qualidade, tanto mais que são preparados pelos autores para competir. E podem até pensar que aqui há ludíbrio, ganhando publicidade e poupando aquela "pipa de massa".
      Manuel Alegre para me deixar satisfeito (porque admiro A Trova do Vento que Passa), devia pensar que este é um inusitado resultado que se intitularia "A Trova do prémio Que Passa".
      Se posso parafrasear a poesia, moldando-a à minha maneira, aqui vai dedicada ao Pacheco:
      "Pergunto ao prémio que passa sobre os concorrentes do meu país
      E o vento cala a desgraça, o vento nada me diz;
      Pergunto aos editores que levam tanto sonho à flor das gráficas
      E os editores não me sossegam, levam sonhos deixam desgraças".

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    2. Caro amigo. Subscrevo totalmente a sua exposição crítica. De facto cerga intelectualidade tantas vezes serôdia leva a decisões discutiveis e um tanto inusitadas como como se tratassem de certidões de "maus costumes" a quem cultiva e nobre arte de escrever.
      Certamente que dos 409 originais que se apfedentaram a concurso haveria talentos e temas /obras que mereciam reconhecimento. Nao tenho dúvidas disso mas duvido que, como diz e muito ben, que Manuel Alegre tenha alegremente lido essas obras crivadas ja por um júri preliminar.
      Faz-me lembrar certos concursos e. Outras áreas que secundarizam e por vezes ridicularjzam concorrentes que acabam por vir a ser grandes cantores, interpretes, actores etc
      A Leya terá feito certo marketing nesta decisão ja que as justificações sao afinal cópias fiéis de edições anteriores.
      Ja agora, pessoalmente, nao gosto de concursos literários por duvidar de critérios de apreciação, salvo algumas excepções

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    3. Caríssimo José Domingos

      Participei e fui um dos vencedores de um prémio literário sobre a vida e a obra do escritor Nuno de Montemor, da cidade da Guarda. O meu amigo fazia parte do júri, numa altura em que ainda não nos conhecíamos pessoalmente. Lembra-se?
      Saiu uma publicação sobre os dois vencedores, eu e uma outra investigadora. Era um júri composto por pessoas de grande craveira, independentes da organização promotora.
      Como os tempos passam e, com eles, a frontalidade e a isenção que é suposto deixar registados na mente de todos os concorrentes!
      Tenho uma promessa ainda não cumprida, julgo eu. Numa próxima visita com um grupo de israelitas, terá à sua espera (finalmente) o prometido, que são as últimas edições periódicas da minha autoria.
      Um grande abraço.

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