Poderei dizer melhor: hoje vou falar de prémios literários.
Em tempos concorri a prémios literários, geralmente de pouca
monta, muito embora um deles fosse atribuído pela RTP, através de um dos seus
programas. Nem sempre consegui vencer, porque só concorri a cinco, mas três dos
prémios vieram por obra deste obreiro da escrita.
Também não é do passado que pretendo falar, tanto mais que
desde há muitos anos que não concorro a prémios literários ou artísticos. Quero
manifestar uma estranheza, esta relativa à não atribuição, neste ano de 2019,
do chorudo Prémio LeYa.
Concorreram 409 originais, não posso dizer de outros tantos
autores, porque alguns podiam apresentar mais que um trabalho. Parece, porém,
que a quantidade não correspondeu à qualidade. E o júri final, sob a batuta de
Manuel Alegre, não terá lido aqueles calhamaços todos, porque um júri
preliminar se ocupou dessa tarefa, o que ainda reduz mais a qualidade das
quatro centenas. Ou, na mais grave das hipóteses, a deficiente qualidade do
júri, naturalmente com carta branca, que assim decidiu por unanimidade.
As centenas de autores concorrentes ficam, deste modo, a
chuchar no dedo e a olhar para a biqueira dos sapatos, mesmo sabendo que só um
receberia os cem mil pacotes do prémio. Resta-lhes agarrar no respectivo
original e de irem de chapéu na mão mendigar o favor de publicação a uma
editora, talvez até à mesma que lhes negou o prémio; ou, em alternativa para se
satisfazer o ego, de pagarem em regime de “vanity publishing” para ver a obra
sair da tipografia. Melhor lhes diria, se acaso o júri não encontrou matéria
para preencher os parâmetros da valia, que façam obra mais caprichada; ou que,
para esquecerem o desgosto e marados da pinha, apanhem uma suave carraspana.
Por uma questão de cotejo, decidi perceber, em cada um dos
últimos vencedores, a razão que o júri invocou para a atribuição do prémio, já
que, nesta de 2019, foi apenas isto, sem especificar: “as obras concorrentes
não correspondem aos parâmetros de qualidade literária exigidos”. Enfim, todas
elas mancavam com a falta de qualidade, mas não se exigia de que tipo.
Em 2018, “Torto Arado” do escritor brasileiro Itamar Vieira
Junior, foi distinguido pela "solidez da construção, o equilíbrio da
narrativa e a forma como aborda o universo rural do Brasil".
Em 2017, “Os loucos
da rua Mazur”, de João Pinto Coelho, foi
galardoado e elogiado pelo júri pelas “qualidades de efabulação e
verosimilhança em episódios de violência brutal com motivações
ideológico-políticas e étnico-religiosas”.
Em 2016, tal como este ano, não foi atribuído, pois mesmo
com um único finalista escolhido, o júri alegou estar perante originais que “se
apresentavam prejudicados por limitações na composição narrativa e por
fragilidades estilísticas”, precisamente a mesma couraça e lengalenga
esfarrapada do ano de 2010 – foi só copiar e colar.
Em 2015, “O Coro dos Defuntos”, de António Tavares, venceu
graças a “uma construção sólida, conduzindo o leitor através de uma escrita que
inscreve em paralelo o percurso do país e o do mundo ficcional, sem que um se
sobreponha ao outro” e ainda “reanima, com conhecimento empático e com ironia,
uma ruralidade ancestral”.
Em 2014, “O Meu Irmão”, de Afonso Reis Cabral teve o
primeiro e único lugar por tratar de um tema delicado, com “uma visão
sentimental e vulgar: a relação entre dois irmãos, um deles com síndrome de
Down”.
Em 2013, «Uma Outra Voz», de Gabriela Ruivo Trindade, obteve
a escolha do júri, que destacou na obra “consistência do projecto narrativo que
procura, através de várias gerações, e com o foco em personagens de grande
força, sobretudo femininas, retratar a transformação da sociedade e dos modelos
de vida numa cidade de província, no Alentejo”.
Em 2012, “Debaixo de Algum Céu”, de Nuno Camarneiro,
escolhido entre sete finalistas porque o autor “faz de um prédio de
apartamentos à beira-mar o tecido conjuntivo da vida quotidiana de várias
personagens - saídas da gente comum da nossa actualidade, mas também por isso
carregadas de potencial significativo".
Em 2011, "O teu rosto será o último", de João
Ricardo Pedro, passou a perna a oito finalistas pela sua “composição delicada
de histórias autónomas, que se traçam em fios secretos", e ainda "apoiado
em imagens fortes, constrói um perturbador painel do presente português".
Em 2010, sem atribuição de prémio por o júri ter estado com
325 obras a concurso e considerar estar “perante originais que, apesar de
algumas potencialidades, se apresentam prejudicados por limitações na
composição narrativa e por fragilidades estilísticas”.
Em 2009, "O Olho de Hertzog", do moçambicano João
Paulo Borges Coelho, foi o escolhido pelo “contexto histórico dos combates das
tropas alemãs contra as tropas portuguesas e inglesas na I Guerra Mundial, na
fronteira entre o ex-Tanganica e Moçambique, o confronto entre africânderes e
ingleses, a emigração moçambicana para a África do Sul”.
Em 2008, "O Rastro do Jaguar", do brasileiro
Murilo Carvalho, o primeiro a ser o primeiro e único, considerando para os
decisores finais tratar-se de uma “obra de fôlego, que refigura uma vasta
erudição, combina narrativa histórica e arte poética, elaboração wagneriana e
aura profética”.
Não concorri ao Prémio LeYa. Que fique isto claro!
Sem querer descredibilizar o Prémio LeYa e o grupo
editorial, que me merecem o maior respeito, nem sequer todas as nove obras
premiadas desde 2008, acho estranho – muito estranho mesmo – que em tantos
originais não haja um (apenas um) que tivesse o mínimo de aproveitamento
editorial. Que há obras publicadas cuja leitura é mais monótona do que
contemplar durante um dia os peixes num aquário, isso há. Na opinião do júri,
se meter pela calha das justificações anteriores, desta vez foram recebidos
originais de uma cambada de escrevinhadores com “fragilidades estilísticas”,
que obrigaram à aplicação do artigo 9º do regulamento. A barulheira que isto
poderia dar se houvesse quem se interessasse por apurar as razões, atordoaria
os ouvidos de um surdo.
À falta de melhor, se não houver quem queira caprichar, lá
concorrerão de futuro alguns teimosos, em número que se pode contar pelos dedos
das duas mãos, sobrando alguns na aritmética. E não me admirava nada que alguns
“deficientes estilísticos” voltassem a insistir, com menos assombro da minha
parte se abichassem o primeiro lugar num dos próximos prémios; porque nisto de literatura e de prémios literários, às vezes parece que se confunde um elefante de tromba no ar com um embondeiro.
Excelente análise!
ResponderEliminarLúcida e que no fundo é a que todos nós faríamos, os que para isso tivessem coragem ou quisessem dedicar-se a ela.
Não lerei melhor em nenhuma publicação ou jornal ou por "crítico" ou analista dos que pontificam nos sítios do costume, mas que também "comem da gamela", pois claro. Aguardo mesmo um rol de críticas aos putativos autores que não sabem esvrever e as desgraceiras do costume, sobre quem teme ou duvida do futuro.
Eu não! Acredito no homem e no futuro! Venha ele, que é já amanhã…
Agradeço o seu comentário, uma vez que reforça a opinião que terão muitos portugueses, os quais t~em legitimamente como leitores a seguinte questão: será que na língua Lusa, em quatro centenas de obras, não há uma que se aproveita?
EliminarNão será isto uma "fantochada"? Não há respeito pelos autores?
Eu acredito no futuro, mas sei que ele também se faz e prepara no presente. como autores - refiro-me principalmente aos concorrentes - poderão continuar a sua criatividade literária com tais "elogios"?
Bolas… não sou "unknown", conheço-me até muito bem!
ResponderEliminarAntónio Luiz Pacheco.
Concordo consigo! Não tenha dúvidas de que se tratou de um golpe de marketing. Para o ano haverá prémio, com certeza!
ResponderEliminarAcabei de colocar um comentário no blog da dra. Maria do Rosário Pedreira - horasextraordinárias.blogs.sapo.pt - uma senhora de grande mérito editorial, que eu amiro muito e respeito.
Eliminarpor ser o meu comentário, reproduzo-o aqui parcialmente e é assim, como aviso à cúpula da LeYa:
Isto tudo para dizer que alguém, na cúpula, devia estar de sobreaviso. A não atribuição do prémio descredibiliza o Grupo, pois não haverá um único português com raciocínio, que não veja uma estranha perplexidade de tornar pacotilha 409 originais, achando-os sem qualidade, tanto mais que são preparados pelos autores para competir. E podem até pensar que aqui há ludíbrio, ganhando publicidade e poupando aquela "pipa de massa".
Manuel Alegre para me deixar satisfeito (porque admiro A Trova do Vento que Passa), devia pensar que este é um inusitado resultado que se intitularia "A Trova do prémio Que Passa".
Se posso parafrasear a poesia, moldando-a à minha maneira, aqui vai dedicada ao Pacheco:
"Pergunto ao prémio que passa sobre os concorrentes do meu país
E o vento cala a desgraça, o vento nada me diz;
Pergunto aos editores que levam tanto sonho à flor das gráficas
E os editores não me sossegam, levam sonhos deixam desgraças".
Caro amigo. Subscrevo totalmente a sua exposição crítica. De facto cerga intelectualidade tantas vezes serôdia leva a decisões discutiveis e um tanto inusitadas como como se tratassem de certidões de "maus costumes" a quem cultiva e nobre arte de escrever.
EliminarCertamente que dos 409 originais que se apfedentaram a concurso haveria talentos e temas /obras que mereciam reconhecimento. Nao tenho dúvidas disso mas duvido que, como diz e muito ben, que Manuel Alegre tenha alegremente lido essas obras crivadas ja por um júri preliminar.
Faz-me lembrar certos concursos e. Outras áreas que secundarizam e por vezes ridicularjzam concorrentes que acabam por vir a ser grandes cantores, interpretes, actores etc
A Leya terá feito certo marketing nesta decisão ja que as justificações sao afinal cópias fiéis de edições anteriores.
Ja agora, pessoalmente, nao gosto de concursos literários por duvidar de critérios de apreciação, salvo algumas excepções
Caríssimo José Domingos
EliminarParticipei e fui um dos vencedores de um prémio literário sobre a vida e a obra do escritor Nuno de Montemor, da cidade da Guarda. O meu amigo fazia parte do júri, numa altura em que ainda não nos conhecíamos pessoalmente. Lembra-se?
Saiu uma publicação sobre os dois vencedores, eu e uma outra investigadora. Era um júri composto por pessoas de grande craveira, independentes da organização promotora.
Como os tempos passam e, com eles, a frontalidade e a isenção que é suposto deixar registados na mente de todos os concorrentes!
Tenho uma promessa ainda não cumprida, julgo eu. Numa próxima visita com um grupo de israelitas, terá à sua espera (finalmente) o prometido, que são as últimas edições periódicas da minha autoria.
Um grande abraço.