sexta-feira, 21 de setembro de 2018

SARDÕES E DRAGÕES


Peço desculpa a todos os que entraram neste sítio com a expectativa de lerem qualquer coisa sobre futebol e actualidade atinente. Não se trata de futebol, nem se engana ninguém, porquanto o título, na ocorrência dos dias de hoje e nas metáforas da fauna, podia estender-se a águias e toupeiras.

Vamos ao que interessa.
Há por este interior portucalense algumas lendas que trazem como protagonista um sardão de proporções gigantescas ou a caminho disso. Há dois casos que rememoro, para não me alongar noutros, quais sejam o Sardão da Lapa (Sernancelhe) e o sardão de Vila Ruiva (Fornos de Algodres). Se não são o mesmo, pelo menos são parentes desde os tempos em que os animais ainda falavam a língua de gente. Os coitados, apesar de grandes, tinham mais olhos que barriga. Qualquer novelo lançado em defesa pelas mulheres que acometiam – e só enfrentavam mulheres, os tarados – era logo tragado com sofreguidão tal, que os deixava com os fios emaranhados nos gorgomilos e dali se afogavam sem poderem respirar.
Depois de deixar expressa esta ficha antropológica, resta-me dizer por que carga de água venho com ela. Seria mais lógico, em vez de recuar e trazer a literatura popular infantil passada e repassada, comparar o que vem a seguir com a bonecada dos canais Panda e Cartoon Network, actualíssimos na era dos tablets.
A razão prende-se com outra figura da mitologia infantil, que é o dragão, daqueles que deitam fogo pelas ventas e pelo traseiro, saído para os escaparates como personagem de uma obra que completa hoje 81 anos de publicação.
Já devem ter percebido que se trata de “O Hobbit”, trabalho de ficção da autoria de J.R.R. Tolkien (decompondo as iniciais como John Ronald Reuel) cuja acção decorre “entre o alvorecer das Fadas e o domínio dos Homens” (na minha teoria, um pouco depois dos tempos em que os animais falavam a língua de gente).
Bilbo é o anão protagonista e o dragão (que dá pelo nome de Smaug), tal como o sardão (que não dá por nome algum), é o antagonista. O dragão de Tolkien é avaro, possui tesouros e circula ataviado de jóias e ouros como se pretendesse fazer parte das mordomas da Senhora da Agonia de Viana; o “nosso” sardão é despojado de tudo, “teso” como um carapau, lacrimoso e desamparado.
Pensei com os meus botões: este sardão português é despojado de ganância e não me parece que a sua fome chegasse ao ponto de comer as mulheres que encontra a dobar lã. Mais me parece possuir, coitado, o estilo tarado de as ver subir para os bancos e para as mesas, mirando salivoso aquele gesto peculiar de ver as criaturas a subir as saias e mostrarem as pernas roliças e gordas.
Ninguém quer começar a escrever, a partir desta efeméride, uma obra telúrica congénere à de Tolkien, tendo o sardão como antagonista? A sugestão, da minha parte, ainda segue com o eventual título de “O Óbito”, porquanto se enquadra na plataforma destas histórias que morreram na História.

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