segunda-feira, 24 de setembro de 2018

OS NUS E OS VESTIDOS



Ao contrário daquela história em que o rei vai nu, a mim parece-me que o povo vai nu e o rei é que vai vestido.
Veio-me esta coisa à cabeça a propósito de uma recente exoneração a pedido, em face da não concordância com o arrumar certas fotografias de arte mais explícitas no corpo humano em ambiente próprio, cujo ingresso (julgo eu) seria controlado pela faixa etária inscrita no cartão de cidadão.
Trata-se, como já devem ter lido, visto e ouvido, do caso da Fundação de Serralves. Perplexo fiquei, porque vejo novamente a neolítica brigada dos costumes em acção. Tem a “coisa” ou o “coiso” à mostra? Tapa-se. É imoral? Queima-se. É proibido? Condene-se.
E logo a Fundação de Serralves, que exibe todo o tipo de arte (a maior parte de que eu não gosto, mas pronto), a qual tem no seu primado – bem anunciado no seu site – que pretende “estimular o interesse e o conhecimento de públicos de diferentes origens e idades pela arte contemporânea, pela arquitetura, pela paisagem e por temas críticos para a sociedade e seu futuro, fazendo-o de forma integrada”? Está lá escarrapachado: “público de diferentes origens e idades”; “por temas críticos à sociedade e seu futuro”.
O director artístico do Museu de Arte Contemporânea, onde se passou “o atentado”, pediu a demissão. E fez bem. Eu faria o mesmo. Suponho, pelas notícias, que este pedido estará relacionado com decisões da administração da Fundação, que interditou a menores de 18 anos parte da exposição de fotografias do norte-americano Robert Mapplethorpe, por conter não vestidos, mal vestidos ou nus.
Não faltam por aí estátuas de todas as épocas com tudo à mostra, algumas com amputações do “coiso” (vá lá saber-se se culpa do tempo, das bicadas dos melros à sorrelfa ou martelada das brigadas às claras), em praças públicas, jardins e coisa e tal.
Isto é estapafúrdio! Digno de figurar num almanaque de anedotas! Nos tempos que correm, quem tenha menos de 18 anos tem pachorra para ir visitar exposições a Serralves? E ainda precisa de ir a Serralves para ver nus? Não tem um portátil, um tablet, um smartphone, uma parabólica, para ter à disposição oftálmica os nus em todos os movimentos e ambientes?
Este post nem sequer leva imagem. Receio que pudesse ser mal interpretada por alguma brigada dos costumes blogosférica munida com instruções do tempo dos plesiossauros. Imaginem que lá a coloquei e lá se encontra, bem a abrir esta peça. Vejam através da imaginação, trata-se de um “nu com as mãos nos bolsos das calças”. Imaginem, porque eu estou deslumbrado e já não tenho pachorra…

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