terça-feira, 27 de novembro de 2018

A Ilha dos Sentinelas e os Blogs como este



Como este blog, ao que parece, tem menos visitas que a ilha de Sentinela, onde o missionário americano encontrou a morte, é sobre o assunto que vou escrever.
Anda por aí uma celeuma danada com o caso, ora uns condenando o atrevimento e a má cabeça do missionário, também outros a vituperarem os indígenas por assassinarem um “visitante”.
Por certo, segundo o meu entendimento, não há razões de parte a parte e há-as dos dois lados.
Julguei que neste mundo não houvesse tribos de cafres, com as qualidades e os convenientes do homem cavernícola, provavelmente antropófago, se pensarmos que estão ainda num estado “puro”, sem assembleias políticas, dinheiro e outras tretas do género. Mas há. O isolamento é assumido, porventura como defesa (sem saber que doenças trazem os adventícios de fora), com algum receio por verem um bípede de cor branca ou rosada, vindo sabem lá eles de onde, a tentar entrar no seu território onde são, porque assim os chamam, sentinelas. São eles certamente humanos e, quanto a desconfiarem dos que ousam desvendar os seus segredos - nem sequer sabem que há uma Declaração Universal que também os protege, pelo menos no papel - porque se eles não são indianos, também não são "indiotas", lá têm as suas desconfianças. Decididamente, aquela ilha nunca será uma "off-shore"!
E o que faz uma sentinela? Atira primeiro e pergunta depois? Ou pergunta primeiro e atira a seguir? Ou apenas atira, como foi o caso? Ou não pergunta nem atira e, por tal, não está ali a fazer coisa alguma?
Estivesse junto aos armazéns de armamento de Tancos um ou dois daqueles trogloditas, as armas não saíam com tanta facilidade. E se, por acaso, algumas das ditas armas, fossem parar às mãos dos escassos defensores da ilha, decerto não estaria, nesta altura, o missionário morto – estariam eles.
Que eles não são bons anfitriões, definitivamente já deram a resposta. Resta saber, nesta aldeia global, até quando resistem tais almas e como, mesmo com o perímetro de proibição a rodear a ilha. Se os civilizarem, o que lhes dão em troca? Bons empregos, como caçador de borboletas e trepador de árvores? Ou exibem-nos como troféu para os gentílicos “civilizados”? Ou queiram os estudiosos e os entusiastas da etnografia linguística publicar um dicionário português-sentinela ou inglês-sentinela, a que seguirão outros, com tradução trapalhada no “Google”? Mesmo a tal distância – onde nem Vasco da Gama os viu quando foi à Índia e, se os viu naquela agressividade, fez vista grossa – se lhes entregam um portátil, ensinem-nos a comunicar com este blog, que mais parece a ilha deles.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

AQUILO QUE EU PENSO E FAÇO...

Numa entrevista que dei a um Amigo- e que este levou ao seu blog - uma das perguntas é aquela que reproduzo a negrito. A resposta foi a seguir. Nem sempre o que se cria é para servir de criado; nem sempre aquilo que se quer, sequer seja aquilo...

Há um estranho aspecto na tua carreira : às vezes, prometedoras apostas, ficam “abandonadas” ! São os casos, por exemplo, de “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias” e “A Rainha Africana”. Não vais mesmo terminar estes trabalhos ?
Tenho em mim um espírito troglodítico, ancestral. Se o terreno não é propício à minha caçada, não é por isso que me dedico à agricultura: vou caçar para outro lado. À margem da metáfora, afirmo que isto nem é por achar que determinado trabalho não tem saída, mas por fastio. O abandono é, assim, temporário. Quando a “saudade” ou a “fome do assunto” apertar, volto lá, mesmo que tenha de refazer tudo, de cabo a rabo.
“A Volta ao Mundo” ficou na viagem por um quarto do seu todo e aguarda o “click” para vir para cima da bancada; “A Rainha Africana” é uma obra que necessita de prateleiras por todo o país e não estou tentado a correr o risco de a receber de volta com os percalços ditos atrás ou a bater às aldrabas das portas com um chapéu emprestado.
Julguei que os blogs – pelo menos o meu – constituíssem uma espécie de barómetro para aquilatar das apetências sobre este ou aquele trabalho. Às vezes, pelo “silêncio”, dá-me a sensação que mais me valera pôr um surdo a ouvir uma partitura de Bach.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

ENCICLOPÉDIA ALEGRE DE BRUXAS (3)




AFOGAMENTO. O teste do afogamento era praticado por débeis mentais sobre aquelas ou aqueles que eram julgados com poderes de bruxaria ou feitiçaria. Deitavam a vítima num rio: se morresse afogada, não era bruxa, mas lá se foi para o outro mundo; se se salvasse, então era bruxa e passava também para o outro mundo, queimada viva.
Não lhes era permitido praticar a experiência no Mar Morto, sítio onde se pode ler um romance de José Rodrigues dos Santos como se estivesse no sofá da sala, sem ir ao fundo.
Melhor método, e menos poluente, seria lançar a bruxa sobre um insuflável e provar, com ou sem ressalto, o sim e o não da resposta. Ou, em alternativa, verificar se a dita tinha alguma verruga no nariz, daquelas semelhantes à da Sabrina Sato, na testa e à de Sarah Jessica Parker, no queixo.

ÁGUA. Não parece que as bruxas tenham medo da água, mas não será decerto a sua preferência quando se trate de higiene. Provavelmente elas terão completado aquele rifão popular que diz que a água não faz mal a ninguém, desde que não sirva para lavagem de bruxa, não se afoguem nela nem a bebam.
Diz-se que tanto o senhor Diabo como as senhoras bruxas não gostam da água a ferver; daí poderá dizer-se que bruxa escaldada da água fria tem medo.

ALFINETES. Tradicionalmente utilizados na Bruxaria para atar feitiços, colocar ou transferir um desejo em uma representação simbólica de alguém, de um lugar ou de uma situação, designadamente para “picar” alguém à distância, com objectos chamados de “vodu”.
Os mais usados são os alfinetes de cabeças coloridas, pois cada cor representa um pedido particular, como é disso exemplo a cor vermelha para a paixão ou a verde para a cura.
A experiência das ditas neste âmbito equivale a uma licenciatura em acupunctura, mesmo que não distingam os fluxos Qi e Xue.

ALHO. Para quem queira afugentar as bruxas, nada melhor do que trazer um rosário de cabeças de alho ao pescoço. O mesmo efeito se concretiza ao mastigar-se um dente de alho.
Ressalva-se, porém, o odor do dito, que terá o condão de não afastar apenas as bruxas.

ALIMENTOS. Embora este mesmo assunto seja abordado na entrada “Culinária”, para abrir o apetite não me privo de o cozinhar aqui.
Demonologistas, inquisidores e alguns enciclopedistas, queimaram as meninges para descobrirem o que comiam as bruxas fora da vista desarmada. Quando elas confessavam práticas e comeres aberrantes, isso era a maior parte das vezes devido à tortura dos inquisidores, ávidos para obter confissões terríveis e assim lhes facilitar a redacção das sentenças. Dizer que elas tinham por gastronomia qualquer mistela parecida com o menu de um cafre, é pura especulação.
Serpentes, sapos, gafanhotos e até morcegos, não são de todo ingredientes, que eu acredite; mais certo, bons nacos de presunto e toucinho, vaca e carneiro assados, tudo regado com vinho do melhor, mesmo que surripiado nas adegas da vizinhança.
Outros estudiosos, aventam que eram em tempos vegetarianas, alimentação com ausência de carne, como era hábito em alguns costumes pagãos.
Terão então as bruxas apetência vegan pela soja, tofu, algas, castanhas e folhas de alface?
Esta teoria não pega, pois há quem jure ter visto uma bruxa a passar ao estreito, num restaurante da especialidade, uma garoupa, duas cavalas, uma embalagem de delícias do mar ainda congeladas e um pires de “jaquinzinhos” sem arrotar.
Nas assembleias, o bode e as bruxas não se privam do estendal no final da sessão, onde não faltam os garrafões de vinho e presunto, nem tão pouco o sacramental cafezinho servido do termo e um cálice de aguardente, da rija, uma vez que não há brigadas de trânsito por onde circulam as vassouras.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

ENCICLOPÉDIA ALEGRE DE BRUXAS (2)


ACTORES. Os actores não gostam de interpretar a peça de Shakespeare, MacBeth, porque nela se canta uma “canção das Bruxas”, o que atrai o mal e o azar.
Já é longa a tradição em Montalegre, distrito de Vila Real, festejar o dia aziago das «Sextas-feiras 13». Para celebrar a tradição representa-se uma peça de teatro, em que os actores que encarnam bruxas, duendes e demónios, que vão assombrar a vila, são idosos e crianças do concelho, enquanto a assistência popular fica suspensa do acto como pernas de presunto na cura.
Em Lisboa, para a mesma representação, sempre se podia escolher entre políticos, parlamentares e homens da banca, todos eles a desunharem-se para ficarem com o papel de demónio.
As bruxas propriamente ditas não são muito boas para actrizes, com receio de pagamentos contra recibos verdes ou o pagamento de subsídio de férias e de Natal em duodécimos.

ACTUAÇÃO. As bruxas costumam entrar pelos buracos das fechaduras das portas ou pelos buracos nos telhados. Quando entram nas adegas, aldrabando o sistema de segurança, utilizando o tal método da fechadura, bebem o vinho. Tocam pandeireta quando dançam, cantam desafinadas como um coro de ébrios, soltam sonoras gargalhadas e dançam à roda, de mãos dadas. Quando os cofres têm “guito” suficiente, juntam-se no Gambrinus ou noutros sítios de comes da alta e entram de roldão para encher o papinho. Em alternativa, irrompem pela Versailles onde se lambuzam de pastelinhos e chá dançante.
Quando pretendem embruxar alguém, apanham a terra da pegada do pé direito que essa pessoa deixou, atam-na a um pano e atiram-na à cova de um defunto. Assistir a tudo isto não é lá muito divertido e até pode causar stress pós-traumático.

ADIVINHAÇÃO. Segundo a conceituadíssima Wikipédia, o termo engloba tudo menos os números do euromilhões, o que significa “profecia, previsão, intuição, palpite, pressentimento”, pois é “o acto ou esforço de predizer coisas distantes no tempo e no espaço, especialmente o resultado incerto das actividades humanas”.
A adivinhação não deixa de ser uma arte, neste caso mágica, de descobrir o desconhecido através da interpretação de símbolos, como é a “leitura” de nuvens, cartas de tarô, chamas e fumo, ossos de animais, cartazes de autarcas municipais e o capítulo de despesa dos orçamentos de estado.
Quer isto dizer que as bruxas adivinham? É claro que adivinham, pois têm a equivalência aos cursos técnicos profissionais e profissionalizantes de astrologia, cartomancia, quiromancia, taromancia (nada de tauromancia), hepatoscopia, I Ching e numerologia, para só citar estes. Parece que elas possuem, em doses maciças, os poderes sibilinos de Nostradamus, de Bandarra, mesmo do Pretinho do Japão, e das previsões económicas do Banco de Portugal.
Numa sondagem que me deu na gana realizar entre os números de telefone da agenda, como é hábito nestas coisas através de entrevistas telefónicas em escolha aleatória, deu 10 por cento para os que acreditam no acertar dos resultados de adivinhação das bruxas e outros 10 por cento para quem crê no inverso e nas vacas voadoras do primeiro-ministro. É bom que se diga que a diferença estará para os que não sabem/nem respondem ao inquérito, que por meu lado adivinho com um erro máximo de amostra de 0,6 por cento para um grau de probabilidade de 99,9 por cento.

sábado, 10 de novembro de 2018

ENCICLOPÉDIA ALEGRE DE BRUXAS (1)


Só o vou dizer uma vez, e é desta. Os textos a seguir e que se seguirão, na linha enciclopédica de A a Z, saem do bestunto febril do proprietário ou inquilino da chafarica. Como o blog tem uma assiduidade de visitas comparada à dos esquimós num concerto de ópera, tanto serve para um ou dois amigos retirarem alguns sorrisos e confirmarem, segundo o rifão, o modo de se fazem colheres quando há vagar, como para se fazer sobressair o mau gosto de assunto exótico que se devia guardar como aqueles cromos em caixas por baixo da cama.
Não vá esquecido o aviso: não tentem estas habilidades ou experiências lá em casa. E, sobretudo, não levem a coisa muito a sério, porque lá diz o ditado que "há sempre feira quando o tolo desce à eira".
De qualquer forma, se não esmorecer o entusiasmo, mesmo não sendo lido o que se coloca nesta montra, servirá para arquivo. E mais não digo.

ABELHARUS. Feitiço inventado pela ficcionista de Harry Potter, faz com que de uma varinha mágica ou enfeitiçadora saia um enxame de abelhas, as quais podem até atacar o feiticeiro, pelo que na dita escola de Hogwarts é ensinado aos alunos do 4º ano o “modus operandi” da coisa. Tal feitiço deve ser feito, por estes ditos e à noite nas camaratas, vestidos apenas com trusses (ou sungas) azuis às riscas para taparem as vergonhas.
É claro que o poder se encontra na varinha de carvalho, capaz de fazer com que o dito enxame se transforme em creme, prontinho a ser vendido com a astúcia do vendedor da banha da cobra; ou, para ser mais preciso, transformá-las em mel, vendidas com o rótulo “abelharus”, o puro mel de carvalho. Sim, repito, das abelhas, porque nem se precisa recorrer à física quântica para se ficar a saber que as abelhas também produzem mel (tal como das uvas, o vinho).

ABONO DE FAMÍLIA. Forma de assistência que é enquadrada no esquema de segurança social, a que as bruxas não têm acesso (pelo menos, com o cartão profissional que seria suposto terem, para além do número de contribuinte, a que ninguém escapa). Também não precisam, porque o Diabo é a sua Segurança Social. Enfim, tal como ao comum dos portugueses, às vezes até parece que a Segurança Social é o diabo. Ou vice-versa, ponto final parágrafo.

ABRACADABRA. É uma palavra de origem cabalística formada por letras dispostas em pirâmide de seis linhas.
Com este título há uma comédia que passou ao cinema dirigida por Kenny Ortega. Narra a história de 3 bruxas que têm a (in)felicidade de serem transportadas até ao séc. XX, tendo de enfrentar três crianças e um gato palrador, que são o cabo do trabalhos.
O cinema aproveitou este vocábulo da cabala para apresentar três bruxinhas num filme de 1993, ele próprio intitulado "Abracadabra". As ditas bruxinhas Winnie, Sarah e Mary era interpretadas por Bette Midler, Kathy Najimy e Sarah Jessica, que nem sequer metiam susto a uma criança de mama e que parece terem sido adquiridas num leilão do OLX; melhor papel fez a "Malévola" de Walt Disney.
Abracadabra também deve ser utilizado por alguns treinadores para efectuarem a chamada limpeza de balneário, enquanto os dirigentes dos clubes, depois de utilizarem um ábaco para fazerem contas, também “limpam” os treinadores da folha de ordenados e salários, depois de tudo se saber pelas capas dos jornais do costume.

(Com o patrocínio do autor do blog Bandarra-Bandurra – que é o mesmo – o qual começou com estas idiotices)

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

PASSEIO À PRAIA DE MIRA



PASSEIO À PRAIA DE MIRA
 texto de LUÍS VIEIRA RENTE

            A minha infância e primeira juventude passadas em Trancoso, decorreram lentamente ao ritmo da vida, naquele tempo, numa vilória de interior. Do colégio para o café dos meus pais e daí para a brincadeira, num tempo em que se saía de casa no fim da escola e só se regressava ao anoitecer. E eu não era dos piores…
            Vivia, portanto, num ambiente de muitas interações com adultos que me tratavam com muita amizade talvez até com algum mimo. Era, para quase todos, o “Luisinho do Café”.
Uma dessas figuras, adulto com casamento tardio, muito amigo de meus pais, era quase sempre o motivo de brincadeiras do grupo que se juntava para o café de depois de almoço ou para o copito ao fim de um dia de trabalho. Dele se contava uma história picara passada numa excursão a Mira. A mãe do nosso amigo, que era muito guloso, mandara na merenda vários recipientes de arroz doce (ainda não havia Tupperwares). O dia passou-se animado e o nosso jovem decidiu-se a dar um passeio de barco na Barrinha de Mira. Por falta de noção do tempo passado ou por falta de domínio dos remos da pequena embarcação o fato é que chegou ao autocarro com mais de meia hora de atraso, quando todos os companheiros já protestavam, furibundos, dada a sua demora.
Quando chegou foi o alvo dos protestos de quase todos: que ele “era um irresponsável”, que “da próxima vez iam deixá-lo em terra”, que “na viagem seguinte não viria”, que “não se envergonhava de deixar toda aquela gente à espera”.
Acabrunhado lá se sentou no fundo do autocarro, como se sabe, nos lugares mais trepidantes.
Fosse do balanço do autocarro, fosse das curvas da estrada, fosse do excesso de arroz doce, os intestinos do nosso amigo dão de funcionar em ritmo acelerado e sobrevêm-lhe umas cólicas tremendas que, depois de muito hesitar, o levaram a pedir:
- Oh Sr. Zeferino (era o nome do condutor). Pare lá que eu vou muito aflito!
Os restantes viajantes levantaram um protesto geral:
- “Não tiveste tempo enquanto andaste por lá?” “Não pare, Sr. Zeferino, ele que se aguente” “Não tivesses comido tanto arroz doce, seu alarve!!”
Quando o Sr. Zeferino (um homem bom, sempre dorido pelos outros) encontrou um pequeno desvio onde parar já ele estava nas escadas traseiras do autocarro, só que tão aflito que, apertando as pernas, não conseguia mexer-se sob pena de não conseguir segurar a diarreia. Uns riam, outros protestavam…
- Então agora não sais? Vinhas tão aflito e agora não te mexes? Estamos aqui todos à espera!
E ele continuava imóvel, junto da porta aberta, vermelho como um tomate, sem poder dar um passo. Quando por fim se decidiu, deu um salto já com as calças desapertadas e “desabafou” logo ali, na berma da estrada, virando-se de costas para os companheiros de viagem.