segunda-feira, 5 de novembro de 2018

PASSEIO À PRAIA DE MIRA



PASSEIO À PRAIA DE MIRA
 texto de LUÍS VIEIRA RENTE

            A minha infância e primeira juventude passadas em Trancoso, decorreram lentamente ao ritmo da vida, naquele tempo, numa vilória de interior. Do colégio para o café dos meus pais e daí para a brincadeira, num tempo em que se saía de casa no fim da escola e só se regressava ao anoitecer. E eu não era dos piores…
            Vivia, portanto, num ambiente de muitas interações com adultos que me tratavam com muita amizade talvez até com algum mimo. Era, para quase todos, o “Luisinho do Café”.
Uma dessas figuras, adulto com casamento tardio, muito amigo de meus pais, era quase sempre o motivo de brincadeiras do grupo que se juntava para o café de depois de almoço ou para o copito ao fim de um dia de trabalho. Dele se contava uma história picara passada numa excursão a Mira. A mãe do nosso amigo, que era muito guloso, mandara na merenda vários recipientes de arroz doce (ainda não havia Tupperwares). O dia passou-se animado e o nosso jovem decidiu-se a dar um passeio de barco na Barrinha de Mira. Por falta de noção do tempo passado ou por falta de domínio dos remos da pequena embarcação o fato é que chegou ao autocarro com mais de meia hora de atraso, quando todos os companheiros já protestavam, furibundos, dada a sua demora.
Quando chegou foi o alvo dos protestos de quase todos: que ele “era um irresponsável”, que “da próxima vez iam deixá-lo em terra”, que “na viagem seguinte não viria”, que “não se envergonhava de deixar toda aquela gente à espera”.
Acabrunhado lá se sentou no fundo do autocarro, como se sabe, nos lugares mais trepidantes.
Fosse do balanço do autocarro, fosse das curvas da estrada, fosse do excesso de arroz doce, os intestinos do nosso amigo dão de funcionar em ritmo acelerado e sobrevêm-lhe umas cólicas tremendas que, depois de muito hesitar, o levaram a pedir:
- Oh Sr. Zeferino (era o nome do condutor). Pare lá que eu vou muito aflito!
Os restantes viajantes levantaram um protesto geral:
- “Não tiveste tempo enquanto andaste por lá?” “Não pare, Sr. Zeferino, ele que se aguente” “Não tivesses comido tanto arroz doce, seu alarve!!”
Quando o Sr. Zeferino (um homem bom, sempre dorido pelos outros) encontrou um pequeno desvio onde parar já ele estava nas escadas traseiras do autocarro, só que tão aflito que, apertando as pernas, não conseguia mexer-se sob pena de não conseguir segurar a diarreia. Uns riam, outros protestavam…
- Então agora não sais? Vinhas tão aflito e agora não te mexes? Estamos aqui todos à espera!
E ele continuava imóvel, junto da porta aberta, vermelho como um tomate, sem poder dar um passo. Quando por fim se decidiu, deu um salto já com as calças desapertadas e “desabafou” logo ali, na berma da estrada, virando-se de costas para os companheiros de viagem.

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