sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

CORRER A FOGUETES


“Correr a foguetes” é uma curiosa expressão popular que significa, entre outras coisas, cansar-se por coisas inúteis.
Vem isto a propósito das notícias falsas que circulam, à compita com os “memes”, por essas rodovias digitais com o mesmo à vontade dos drones sobre os campos de aviação e aeroportos.
Se se trata de brincadeira, é de mau gosto, porque alguém sai comprometido, e esse alguém não é o editor-sombra da coisa; engana os tolos e os sisudos, os prevenidos e os desprevenidos muito mais. Causa embaraços, dissabores, põe em causa a democracia e o bom nome dos visados.
Se se trata de coisa séria, só pode ser com intuito de ludibriar e confundir, na maioria das vezes com finalidades miserandamente obscuras.
Ainda estou para saber – e à espera que o Polígrafo o esclareça – sobre um tal médico que se dispôs a desempenhar o serviço de anestesista na Maternidade Alfredo da Costa (ainda por cima, onde eu nasci), pela soma de 500 euros à hora ou se, como a versão oposta afirma, ele terá dito que nem por 500 euros à hora! A ser verdade, isto não é propriamente correr a foguetes; antes, sendo uma variação imprevista do Juramento de Hipócrates, é correr ao mergulho do arco-íris, onde a tradição assegura haver por ali um pote de ouro. Se é notícia falsa, e vindo de onde veio, até me custa a crer que uma tutela possa lançar esta perplexidade, imitando decerto os tais noticiosos da sombra.
Quanto à falsidade das notícias, para mim, que assino e subscrevo tudo o que publico, a coisa não enquadra no meu carácter. E como estamos em maré de querer alterar os provérbios – pelo que já li qualquer coisa sobre esta alarvidade relativamente aos animais – vou mexer num e introduzir mais um elemento, o das “notícias falsas” ou "fake news" (com um pedido de desculpas ao feminismo, embora o rifão já assim o diga): “fake news”, ditos de criança e repentes de mulher, aproveite-os quem quiser.

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

UMA PRENDA ESPECIAL


Tendo certo fidalgo umas diferenças com um lavrador, quis tirar-lhe da mão um pau que trazia, para lhe dar com ele;
porém, o lavrador recusando-se, disse-lhe:
- Busque vossemecê outro, que este não lhe faltará que fazer.
Capacito-me que andam para aí uns fidalgos a pedirem o pau ao povo para lhe amolgarem as costas com ele. Quem diz o pau, diz impostos e alcavalas, derramas e outras mamas, se não outros ardis cobrados por terceiros para os cofres da coisa pública (de que nem o público goza), tudo para derrancar o pagante sem que este diga “chega”.
Não sei por que razão me deu para escrever isto em dia de Natal, mas tenho para mim que este aviso vai em forma de presente para alguém – algum fidalgo – o desembrulhar.

sábado, 22 de dezembro de 2018

OBEDIÊNCIA VERSUS DESOBEDIÊNCIA CIVIL

Prometi-me não tecer comentários políticos neste blog. Não sei até que ponto possa cumprir essa promessa, se bem que o tente, pois se censuro uma situação de poder, critico o partido que exerce o poder, e se critico a forma do exercício da oposição, censuro a oposição. Estou equidistante de todas essas forças, pretensamente cada vez mais distante.
Vem isto a propósito do arremedo dos coletes amarelos portugueses, numa imitação menos conflituosa e numerosa relativamente à mesma cor dos coletes franceses.
Só me pronuncio sobre a lusa gente contestatária, para dizer simplesmente que posso não concordar com a forma, mas certamente concordo com o conteúdo. Um povo, seja ele qual for, tem o direito de se manifestar ou, como os políticos apreciam dizer, de passarem à desobediência civil.
A obediência é sinal de estatuto democrático; o estatuto da desobediência é sinal de democracia. Não é a génese da própria a  palavra “poder do povo”? Ou o poder exercido pelo povo nas eleições significa entrega total a todos os disparates dos eleitos? No Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, não se exige, como direito, na suma concretização dos seus 30 artigos, “para que o homem não seja compelido, em supremo recurso (eu acrescentaria legítimo recurso), à revolta contra a tirania e a opressão”?
Não aprecio povos anestesiados ou arregimentados a ideologias cegas; nem me agrada de todo confiná-los a quatro paredes vãs de oratória ou a tentativas da morte da democracia, que é o seu sangue, como pretender roubar-lhe a vida nos extremismos da política, por alma de quem nem se permita rezar uma oração.
Beel-Zebud, que parece ter sido um deus filisteu (de que proveio o apelido Belzebu), teria o condão de afastar as moscas dos seus templos. Daí ser conhecido como o deus das moscas. Não me parece que se possa permitir a encarnação política de Beel-Zebud nos tempos que correm, nem o povo deve ser confundido com as moscas que atormentam o seu templo de poder.
Embora em Portugal, pelos tempos que correm, felizmente ainda não se chegasse a tanto, tenho para mim que a obediência civil não pode conduzir a subserviência civil, nem os poderes são eternos.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

BOAS FESTAS PARA TODOS


São estes os desejos do autor do blog para os não necessitados, os menos necessitados, os necessitados e todos aqueles que os podem ajudar.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

OS BOMBEIROS, UM MINISTRO E A PROTECÇÃO CIVIL


Muito antes de haver ministros já havia bombeiros; e muito antes de existir Protecção Civil já aqueles nos protegiam.
Não me quero meter na guerra, principalmente porque não conheço as razões de um lado e do outro. Sou, todavia, como cidadão, avesso a extremar de posições e de todo reconhecido a quem executa, no campo e na cidade, as tarefas de combate ao flagelo do fogo descontrolado.
Se há alguma razão ou desconsideração para com os bombeiros portugueses – pois eles se queixam – deve o Poder ouvi-los em vez de os enfrentar e confrontar. Ouvi o Sr. Ministro, ouvi o responsável da ANPC e não vislumbrei nas suas palavras qualquer nota de apaziguamento, como se o fogo se possa apagar com gasolina. Não basta dizer que os bombeiros são “a grande força da estrutura da protecção civil", se não forem reconhecidos como tal.
Por isso, espero que o Sr. Presidente da República coloque as suas capacidades ao serviço e a bem de quem merece a consideração dos portugueses.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

A Ilha dos Sentinelas e os Blogs como este



Como este blog, ao que parece, tem menos visitas que a ilha de Sentinela, onde o missionário americano encontrou a morte, é sobre o assunto que vou escrever.
Anda por aí uma celeuma danada com o caso, ora uns condenando o atrevimento e a má cabeça do missionário, também outros a vituperarem os indígenas por assassinarem um “visitante”.
Por certo, segundo o meu entendimento, não há razões de parte a parte e há-as dos dois lados.
Julguei que neste mundo não houvesse tribos de cafres, com as qualidades e os convenientes do homem cavernícola, provavelmente antropófago, se pensarmos que estão ainda num estado “puro”, sem assembleias políticas, dinheiro e outras tretas do género. Mas há. O isolamento é assumido, porventura como defesa (sem saber que doenças trazem os adventícios de fora), com algum receio por verem um bípede de cor branca ou rosada, vindo sabem lá eles de onde, a tentar entrar no seu território onde são, porque assim os chamam, sentinelas. São eles certamente humanos e, quanto a desconfiarem dos que ousam desvendar os seus segredos - nem sequer sabem que há uma Declaração Universal que também os protege, pelo menos no papel - porque se eles não são indianos, também não são "indiotas", lá têm as suas desconfianças. Decididamente, aquela ilha nunca será uma "off-shore"!
E o que faz uma sentinela? Atira primeiro e pergunta depois? Ou pergunta primeiro e atira a seguir? Ou apenas atira, como foi o caso? Ou não pergunta nem atira e, por tal, não está ali a fazer coisa alguma?
Estivesse junto aos armazéns de armamento de Tancos um ou dois daqueles trogloditas, as armas não saíam com tanta facilidade. E se, por acaso, algumas das ditas armas, fossem parar às mãos dos escassos defensores da ilha, decerto não estaria, nesta altura, o missionário morto – estariam eles.
Que eles não são bons anfitriões, definitivamente já deram a resposta. Resta saber, nesta aldeia global, até quando resistem tais almas e como, mesmo com o perímetro de proibição a rodear a ilha. Se os civilizarem, o que lhes dão em troca? Bons empregos, como caçador de borboletas e trepador de árvores? Ou exibem-nos como troféu para os gentílicos “civilizados”? Ou queiram os estudiosos e os entusiastas da etnografia linguística publicar um dicionário português-sentinela ou inglês-sentinela, a que seguirão outros, com tradução trapalhada no “Google”? Mesmo a tal distância – onde nem Vasco da Gama os viu quando foi à Índia e, se os viu naquela agressividade, fez vista grossa – se lhes entregam um portátil, ensinem-nos a comunicar com este blog, que mais parece a ilha deles.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

AQUILO QUE EU PENSO E FAÇO...

Numa entrevista que dei a um Amigo- e que este levou ao seu blog - uma das perguntas é aquela que reproduzo a negrito. A resposta foi a seguir. Nem sempre o que se cria é para servir de criado; nem sempre aquilo que se quer, sequer seja aquilo...

Há um estranho aspecto na tua carreira : às vezes, prometedoras apostas, ficam “abandonadas” ! São os casos, por exemplo, de “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias” e “A Rainha Africana”. Não vais mesmo terminar estes trabalhos ?
Tenho em mim um espírito troglodítico, ancestral. Se o terreno não é propício à minha caçada, não é por isso que me dedico à agricultura: vou caçar para outro lado. À margem da metáfora, afirmo que isto nem é por achar que determinado trabalho não tem saída, mas por fastio. O abandono é, assim, temporário. Quando a “saudade” ou a “fome do assunto” apertar, volto lá, mesmo que tenha de refazer tudo, de cabo a rabo.
“A Volta ao Mundo” ficou na viagem por um quarto do seu todo e aguarda o “click” para vir para cima da bancada; “A Rainha Africana” é uma obra que necessita de prateleiras por todo o país e não estou tentado a correr o risco de a receber de volta com os percalços ditos atrás ou a bater às aldrabas das portas com um chapéu emprestado.
Julguei que os blogs – pelo menos o meu – constituíssem uma espécie de barómetro para aquilatar das apetências sobre este ou aquele trabalho. Às vezes, pelo “silêncio”, dá-me a sensação que mais me valera pôr um surdo a ouvir uma partitura de Bach.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

ENCICLOPÉDIA ALEGRE DE BRUXAS (3)




AFOGAMENTO. O teste do afogamento era praticado por débeis mentais sobre aquelas ou aqueles que eram julgados com poderes de bruxaria ou feitiçaria. Deitavam a vítima num rio: se morresse afogada, não era bruxa, mas lá se foi para o outro mundo; se se salvasse, então era bruxa e passava também para o outro mundo, queimada viva.
Não lhes era permitido praticar a experiência no Mar Morto, sítio onde se pode ler um romance de José Rodrigues dos Santos como se estivesse no sofá da sala, sem ir ao fundo.
Melhor método, e menos poluente, seria lançar a bruxa sobre um insuflável e provar, com ou sem ressalto, o sim e o não da resposta. Ou, em alternativa, verificar se a dita tinha alguma verruga no nariz, daquelas semelhantes à da Sabrina Sato, na testa e à de Sarah Jessica Parker, no queixo.

ÁGUA. Não parece que as bruxas tenham medo da água, mas não será decerto a sua preferência quando se trate de higiene. Provavelmente elas terão completado aquele rifão popular que diz que a água não faz mal a ninguém, desde que não sirva para lavagem de bruxa, não se afoguem nela nem a bebam.
Diz-se que tanto o senhor Diabo como as senhoras bruxas não gostam da água a ferver; daí poderá dizer-se que bruxa escaldada da água fria tem medo.

ALFINETES. Tradicionalmente utilizados na Bruxaria para atar feitiços, colocar ou transferir um desejo em uma representação simbólica de alguém, de um lugar ou de uma situação, designadamente para “picar” alguém à distância, com objectos chamados de “vodu”.
Os mais usados são os alfinetes de cabeças coloridas, pois cada cor representa um pedido particular, como é disso exemplo a cor vermelha para a paixão ou a verde para a cura.
A experiência das ditas neste âmbito equivale a uma licenciatura em acupunctura, mesmo que não distingam os fluxos Qi e Xue.

ALHO. Para quem queira afugentar as bruxas, nada melhor do que trazer um rosário de cabeças de alho ao pescoço. O mesmo efeito se concretiza ao mastigar-se um dente de alho.
Ressalva-se, porém, o odor do dito, que terá o condão de não afastar apenas as bruxas.

ALIMENTOS. Embora este mesmo assunto seja abordado na entrada “Culinária”, para abrir o apetite não me privo de o cozinhar aqui.
Demonologistas, inquisidores e alguns enciclopedistas, queimaram as meninges para descobrirem o que comiam as bruxas fora da vista desarmada. Quando elas confessavam práticas e comeres aberrantes, isso era a maior parte das vezes devido à tortura dos inquisidores, ávidos para obter confissões terríveis e assim lhes facilitar a redacção das sentenças. Dizer que elas tinham por gastronomia qualquer mistela parecida com o menu de um cafre, é pura especulação.
Serpentes, sapos, gafanhotos e até morcegos, não são de todo ingredientes, que eu acredite; mais certo, bons nacos de presunto e toucinho, vaca e carneiro assados, tudo regado com vinho do melhor, mesmo que surripiado nas adegas da vizinhança.
Outros estudiosos, aventam que eram em tempos vegetarianas, alimentação com ausência de carne, como era hábito em alguns costumes pagãos.
Terão então as bruxas apetência vegan pela soja, tofu, algas, castanhas e folhas de alface?
Esta teoria não pega, pois há quem jure ter visto uma bruxa a passar ao estreito, num restaurante da especialidade, uma garoupa, duas cavalas, uma embalagem de delícias do mar ainda congeladas e um pires de “jaquinzinhos” sem arrotar.
Nas assembleias, o bode e as bruxas não se privam do estendal no final da sessão, onde não faltam os garrafões de vinho e presunto, nem tão pouco o sacramental cafezinho servido do termo e um cálice de aguardente, da rija, uma vez que não há brigadas de trânsito por onde circulam as vassouras.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

ENCICLOPÉDIA ALEGRE DE BRUXAS (2)


ACTORES. Os actores não gostam de interpretar a peça de Shakespeare, MacBeth, porque nela se canta uma “canção das Bruxas”, o que atrai o mal e o azar.
Já é longa a tradição em Montalegre, distrito de Vila Real, festejar o dia aziago das «Sextas-feiras 13». Para celebrar a tradição representa-se uma peça de teatro, em que os actores que encarnam bruxas, duendes e demónios, que vão assombrar a vila, são idosos e crianças do concelho, enquanto a assistência popular fica suspensa do acto como pernas de presunto na cura.
Em Lisboa, para a mesma representação, sempre se podia escolher entre políticos, parlamentares e homens da banca, todos eles a desunharem-se para ficarem com o papel de demónio.
As bruxas propriamente ditas não são muito boas para actrizes, com receio de pagamentos contra recibos verdes ou o pagamento de subsídio de férias e de Natal em duodécimos.

ACTUAÇÃO. As bruxas costumam entrar pelos buracos das fechaduras das portas ou pelos buracos nos telhados. Quando entram nas adegas, aldrabando o sistema de segurança, utilizando o tal método da fechadura, bebem o vinho. Tocam pandeireta quando dançam, cantam desafinadas como um coro de ébrios, soltam sonoras gargalhadas e dançam à roda, de mãos dadas. Quando os cofres têm “guito” suficiente, juntam-se no Gambrinus ou noutros sítios de comes da alta e entram de roldão para encher o papinho. Em alternativa, irrompem pela Versailles onde se lambuzam de pastelinhos e chá dançante.
Quando pretendem embruxar alguém, apanham a terra da pegada do pé direito que essa pessoa deixou, atam-na a um pano e atiram-na à cova de um defunto. Assistir a tudo isto não é lá muito divertido e até pode causar stress pós-traumático.

ADIVINHAÇÃO. Segundo a conceituadíssima Wikipédia, o termo engloba tudo menos os números do euromilhões, o que significa “profecia, previsão, intuição, palpite, pressentimento”, pois é “o acto ou esforço de predizer coisas distantes no tempo e no espaço, especialmente o resultado incerto das actividades humanas”.
A adivinhação não deixa de ser uma arte, neste caso mágica, de descobrir o desconhecido através da interpretação de símbolos, como é a “leitura” de nuvens, cartas de tarô, chamas e fumo, ossos de animais, cartazes de autarcas municipais e o capítulo de despesa dos orçamentos de estado.
Quer isto dizer que as bruxas adivinham? É claro que adivinham, pois têm a equivalência aos cursos técnicos profissionais e profissionalizantes de astrologia, cartomancia, quiromancia, taromancia (nada de tauromancia), hepatoscopia, I Ching e numerologia, para só citar estes. Parece que elas possuem, em doses maciças, os poderes sibilinos de Nostradamus, de Bandarra, mesmo do Pretinho do Japão, e das previsões económicas do Banco de Portugal.
Numa sondagem que me deu na gana realizar entre os números de telefone da agenda, como é hábito nestas coisas através de entrevistas telefónicas em escolha aleatória, deu 10 por cento para os que acreditam no acertar dos resultados de adivinhação das bruxas e outros 10 por cento para quem crê no inverso e nas vacas voadoras do primeiro-ministro. É bom que se diga que a diferença estará para os que não sabem/nem respondem ao inquérito, que por meu lado adivinho com um erro máximo de amostra de 0,6 por cento para um grau de probabilidade de 99,9 por cento.

sábado, 10 de novembro de 2018

ENCICLOPÉDIA ALEGRE DE BRUXAS (1)


Só o vou dizer uma vez, e é desta. Os textos a seguir e que se seguirão, na linha enciclopédica de A a Z, saem do bestunto febril do proprietário ou inquilino da chafarica. Como o blog tem uma assiduidade de visitas comparada à dos esquimós num concerto de ópera, tanto serve para um ou dois amigos retirarem alguns sorrisos e confirmarem, segundo o rifão, o modo de se fazem colheres quando há vagar, como para se fazer sobressair o mau gosto de assunto exótico que se devia guardar como aqueles cromos em caixas por baixo da cama.
Não vá esquecido o aviso: não tentem estas habilidades ou experiências lá em casa. E, sobretudo, não levem a coisa muito a sério, porque lá diz o ditado que "há sempre feira quando o tolo desce à eira".
De qualquer forma, se não esmorecer o entusiasmo, mesmo não sendo lido o que se coloca nesta montra, servirá para arquivo. E mais não digo.

ABELHARUS. Feitiço inventado pela ficcionista de Harry Potter, faz com que de uma varinha mágica ou enfeitiçadora saia um enxame de abelhas, as quais podem até atacar o feiticeiro, pelo que na dita escola de Hogwarts é ensinado aos alunos do 4º ano o “modus operandi” da coisa. Tal feitiço deve ser feito, por estes ditos e à noite nas camaratas, vestidos apenas com trusses (ou sungas) azuis às riscas para taparem as vergonhas.
É claro que o poder se encontra na varinha de carvalho, capaz de fazer com que o dito enxame se transforme em creme, prontinho a ser vendido com a astúcia do vendedor da banha da cobra; ou, para ser mais preciso, transformá-las em mel, vendidas com o rótulo “abelharus”, o puro mel de carvalho. Sim, repito, das abelhas, porque nem se precisa recorrer à física quântica para se ficar a saber que as abelhas também produzem mel (tal como das uvas, o vinho).

ABONO DE FAMÍLIA. Forma de assistência que é enquadrada no esquema de segurança social, a que as bruxas não têm acesso (pelo menos, com o cartão profissional que seria suposto terem, para além do número de contribuinte, a que ninguém escapa). Também não precisam, porque o Diabo é a sua Segurança Social. Enfim, tal como ao comum dos portugueses, às vezes até parece que a Segurança Social é o diabo. Ou vice-versa, ponto final parágrafo.

ABRACADABRA. É uma palavra de origem cabalística formada por letras dispostas em pirâmide de seis linhas.
Com este título há uma comédia que passou ao cinema dirigida por Kenny Ortega. Narra a história de 3 bruxas que têm a (in)felicidade de serem transportadas até ao séc. XX, tendo de enfrentar três crianças e um gato palrador, que são o cabo do trabalhos.
O cinema aproveitou este vocábulo da cabala para apresentar três bruxinhas num filme de 1993, ele próprio intitulado "Abracadabra". As ditas bruxinhas Winnie, Sarah e Mary era interpretadas por Bette Midler, Kathy Najimy e Sarah Jessica, que nem sequer metiam susto a uma criança de mama e que parece terem sido adquiridas num leilão do OLX; melhor papel fez a "Malévola" de Walt Disney.
Abracadabra também deve ser utilizado por alguns treinadores para efectuarem a chamada limpeza de balneário, enquanto os dirigentes dos clubes, depois de utilizarem um ábaco para fazerem contas, também “limpam” os treinadores da folha de ordenados e salários, depois de tudo se saber pelas capas dos jornais do costume.

(Com o patrocínio do autor do blog Bandarra-Bandurra – que é o mesmo – o qual começou com estas idiotices)

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

PASSEIO À PRAIA DE MIRA



PASSEIO À PRAIA DE MIRA
 texto de LUÍS VIEIRA RENTE

            A minha infância e primeira juventude passadas em Trancoso, decorreram lentamente ao ritmo da vida, naquele tempo, numa vilória de interior. Do colégio para o café dos meus pais e daí para a brincadeira, num tempo em que se saía de casa no fim da escola e só se regressava ao anoitecer. E eu não era dos piores…
            Vivia, portanto, num ambiente de muitas interações com adultos que me tratavam com muita amizade talvez até com algum mimo. Era, para quase todos, o “Luisinho do Café”.
Uma dessas figuras, adulto com casamento tardio, muito amigo de meus pais, era quase sempre o motivo de brincadeiras do grupo que se juntava para o café de depois de almoço ou para o copito ao fim de um dia de trabalho. Dele se contava uma história picara passada numa excursão a Mira. A mãe do nosso amigo, que era muito guloso, mandara na merenda vários recipientes de arroz doce (ainda não havia Tupperwares). O dia passou-se animado e o nosso jovem decidiu-se a dar um passeio de barco na Barrinha de Mira. Por falta de noção do tempo passado ou por falta de domínio dos remos da pequena embarcação o fato é que chegou ao autocarro com mais de meia hora de atraso, quando todos os companheiros já protestavam, furibundos, dada a sua demora.
Quando chegou foi o alvo dos protestos de quase todos: que ele “era um irresponsável”, que “da próxima vez iam deixá-lo em terra”, que “na viagem seguinte não viria”, que “não se envergonhava de deixar toda aquela gente à espera”.
Acabrunhado lá se sentou no fundo do autocarro, como se sabe, nos lugares mais trepidantes.
Fosse do balanço do autocarro, fosse das curvas da estrada, fosse do excesso de arroz doce, os intestinos do nosso amigo dão de funcionar em ritmo acelerado e sobrevêm-lhe umas cólicas tremendas que, depois de muito hesitar, o levaram a pedir:
- Oh Sr. Zeferino (era o nome do condutor). Pare lá que eu vou muito aflito!
Os restantes viajantes levantaram um protesto geral:
- “Não tiveste tempo enquanto andaste por lá?” “Não pare, Sr. Zeferino, ele que se aguente” “Não tivesses comido tanto arroz doce, seu alarve!!”
Quando o Sr. Zeferino (um homem bom, sempre dorido pelos outros) encontrou um pequeno desvio onde parar já ele estava nas escadas traseiras do autocarro, só que tão aflito que, apertando as pernas, não conseguia mexer-se sob pena de não conseguir segurar a diarreia. Uns riam, outros protestavam…
- Então agora não sais? Vinhas tão aflito e agora não te mexes? Estamos aqui todos à espera!
E ele continuava imóvel, junto da porta aberta, vermelho como um tomate, sem poder dar um passo. Quando por fim se decidiu, deu um salto já com as calças desapertadas e “desabafou” logo ali, na berma da estrada, virando-se de costas para os companheiros de viagem.

domingo, 28 de outubro de 2018

O RESINA



O RESINA
O Sr. Alfredo Resina constitui-se como uma das mais remotas memórias da minha infância. As particularidades das suas características faziam dele uma figura importante do microcosmo social da vila do Trancoso do início dos anos 60. Dir-se-ia, em linguagem atual, um verdadeiro “cromo”.
Desde logo, pela sua compleição atlética tipo Jô Soares, conhecido humorista brasileiro, granjeara a fama de “bom garfo”
Era um sportinguista ferrenho com especial ligação à modalidade ciclismo, O Sporting tinha nessa altura, uma equipa de ciclismo muito competitiva da qual chegou a fazer parte o famoso Joaquim Agostinho, para muitos o melhor ciclista português de todos os tempos. A Volta a Portugal em Bicicleta era para ele uma verdadeira festa e sempre acompanhava, por dentro, as etapas que decorriam por esta zona do país. Se acontecia a Volta passar por Trancoso então era o verdadeiro climax, desdobrando-se em iniciativas de apoio à equipa (corredores e restante staff) do seu Sporting.
A sua atividade económica desenvolvia-se numa loja/armazém situado na esquina em frente ao Clube Trancosense (na altura designado “Clube dos Ricos” em contraponto com o “Clube dos Caçadores” que funcionava numa das ruas estreitas à direita na Corredoura, quem entra pelas Portas d’El Rei)
Era a loja dos feijões. Como se vê pela designação era uma loja especializada no comércio de feijões, nas suas diversas variedades e afins – grão de bico, tremoço, etc.
Na fase final da sua vida de comerciante, porque a atividade já não seria lucrativa, passou o negócio para uns concorrentes da área sedeados na aldeia de Minhocal (Celorico da Beira), gente mais jovem com outra destreza e outros meios de exploração do comércio.
Por esta altura, o Sr. Alfredo, dispunha-se a ir ajudar os novos proprietários na escolha e seleção dos feijões e na preparação do dia de mercado, em Trancoso. Como não tinha meio de transporte, à quinta feira após o almoço, ia de boleia com o meu pai que se dirigia a uma quinta que possuía no limite dos dois concelhos, Trancoso e Celorico, numa zona conhecida como “Pereiras” e daí se deslocava para o Minhocal, que dista a cerca de dois/três quilómetros. Ao fim de tarde, lá o traziam de novo (ou ele vinha a pé) para apanhar o transporte para Trancoso. Os dois, o meu pai e ele, ali conviviam um pouco á volta de um copo de vinho e um naco de pão com queijo, ou presunto, ou chouriça, ou …
Numa dessas ocasiões, decorreu uma cena que ficou para a história. Certamente porque as merendas começavam a ser demasiado frequentes e sempre com a mesma proveniência, à sua chegada, nesse dia o meu pai ofereceu-lhe:
- Tio Alfredo, vai um copo?
Resposta áspera do Sr. Alfredo:
- Você é pior que os do Minhocal. É só copo, só copo, bucha nada…
Ainda hoje, num círculo restrito de amigos de Carnicães, quando se vive situação semelhante, sempre se repete a frase que ficou: “Tu és pior que os do Minhocal…”. Que logo outro completa: “É só copo, só copo. Bucha nada…” E a risada é geral.

(texto gentilmente cedido e remetido pelo meu Amigo Dr. Luís Vieira Rente)

domingo, 14 de outubro de 2018

O "GRILO"



Independentemente do meu bom ou mau aproveitamento no colégio da Via Sacra, em Viseu, as férias tinha-as por conta do balcão da mercearia e taberna de meus pais. Aquele apostulado abominável deixava-me, frequentes vezes, sozinho entregue ao negócio e a um rádio de válvulas que me mitigava o tédio, que eu punha na máxima potência quando tocava a música da minha preferência, o que levava a freguesia a dizer que eu só gostava música de “caldeiros e guitarras de chinfrineira”. Reconheço hoje que, em tal função, conheci muito tipo de gente, desta humilde de porte e directa de linguagem, sem protocolos ou fingimentos, que me levava quase sempre, mais do que atender às suas necessidades, mitigar as minhas com os seus ensinamentos e as suas histórias.
Entre uma aldeia e outra, com paragem demorada nos povoados, percorria um pobre de Cristo, com uma carripana de mão, o itinerário da venda do peixe, a maior parte das vezes sardinha ou carapau. Era um velhote cheio de rugas, baixo e atarracado, de feitio birrento e entremetido, quando não taciturno como uma dorna vindimeira. A aba do chapéu virava-a para cima, à laia dos pioneiros da Nova América, falava com voz rouca e, quando parava a carripana, sentava-se num dos varais a berrar pelas freguesas. Julgo que o seu nome era Carlos, mas a alcunha ficou na memória - o “Grilo". Não trazia mais do que duas ou três caixas de um peixe amolecido pelo sol, afundado em sal e picado por um milheiro de vespas. Valia ao pobre do homem uns sacos de serapilheira, colocados por cima do peixe, que só destapava para exibir à freguesia os exemplares mais frescos e "com sangue na guelra".
Parava invariavelmente à porta do estabelecimento que meus pais exploravam e tinha sido de meu avô. A troco de um cálice de aguardente, confidenciava-me aventuras de outros tempos, credíveis ou inventadas, nunca cuidei em apurar. Falava pausadamente, abria grandes parêntesis de silêncio, por vezes exibia uma navalha que já tinha aberto "ao verde" a muito sacrista. Eu não acreditava e ele ria quando eu lhe dizia que teria aberto “ao verde” de muita melancia. Quando pressentia o clímax do meu interesse, calava-se, apontava para o pequeno cálice vazio e esperava que eu lho enchesse. Se queria o final da história, vá de levar o combustível à conta de perdas e danos. Enfim, era a sua propina, não fosse ele o "Grilo"!
Para provar a excelência da sardinha, emborcava uma, mesmo crua, fazendo-o com apreciável deleite. De tanto o ver fazer aquilo, um dia tomei fôlego para fazer o mesmo, mas sempre com o gorgomilo a querer saltar na garganta. E para não deixar minguados os meus créditos, sobre a dita ementa, um cálice da rija. Ele assentia com a cabeça, fechando o olho direito, à laia de querer dizer - "temos homem!"
Das muitas histórias que lhe ouvi, uma em particular mereceu-me registo, de que fiz uso num livro publicado anos depois. Em duas penadas, aí vai.
Quando novo, o "Grilo" e outros da mesma tropa fandanga costumavam tomar de assalto o meloal de um velho pernóstico e sovina lá da terra, o qual pensou resolver a situação vigiando o dito meloal, de dia e noite, com um bacamarte ao lado. Colocou na sorte de terra uma cabana, destas de colmo que se transporta ambulante sobre uma padiola. Viessem lá os marmanjos aos melões! Chumbo para cima, ora pois!
Aconteceu que a turba acometeu quando menos esperava, precisamente numa noite em que se deixou dormir na cabana de colmo, de tal sorte que os roncos e assobios se ouviam à distância. Fluidos e rápidos, os flibusteiros cortaram quantos melões puderam levar. Andavam com passo raposeiro, mas nem seria preciso, pois o homem, que não era de pau e não conseguia ficar todas as santas noites velando, ferrava bem o galho.
Depois de servidos, de que se lembraram os marotos? Tomaram conta dos quatro varais da padiola onde se encontrava a cabana, tão cuidadosos como se fosse a procissão da orago, levando-a até à beira de um poço existente na propriedade, deixando a abertura do refúgio na direcção do abismo de água. Logo começou a última parte do entremez, desatando todos à uma em lagaré danado. Está bom de ver que o inusitado chinfrim tinha de forçosamente despertar o proprietário do meloal, o qual berrava enquanto se desembaraçava de entre as mantas e deitava mãos ao bacamarte. Saiu para fora com ímpeto, com a arma já pronta a fazer fogo; porém, não topou chão debaixo dos pés e chapuz ! Tinha acabado de sair da arca de Noé.
Narrativas como esta faziam as delícias de um jovem estudante, como eu era então. Algumas surgiam nos narradores como simples bravata, outras traziam foros de realidade; nenhuma delas eu recebia por banalidades. Na sua textura, na sua simplicidade, nelas havia muito do povo, da puridade de quem é humilde mas não se deixa humilhar. Também a matreirice, é certo, desta lusa gente, em particular a da nossa querida Beira, aferida desde antanho pelas vicissitudes que nos fizeram passar essa praga de romanos, dos mouros, dos castelhanos, franceses, espanhóis, mais recentemente das troicas e o diabo a quatro.

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

OS CTT E A RÁBULA DO COELHINHO, O PAI NATAL E O PALHAÇO


Era uma anúncio das Fantasias de Natal, uns chocolates que o avô manhoso e guloso ia passando ao estreito, com histórias do arco da velha, perante a incredulidade da neta. E a miúda, vendo que o velhote ia fazer o mesmo ao Coelho, ao Pai Natal e ao Palhaço, deitou a mão aos ditos chocolates e exclamou: “Não, não! O Coelhinho veio com o Pai Natal e o Palhaço de comboio ao circo”.
Serve esta entrada com um anúncio “vintage” para alertar a predação que se está a fazer nos CTT, ao ponto de fecharem as estações - que agora se chamam lojas - nas sedes dos concelhos (por enquanto, de alguns, para ver as reacções do Governo e, pelo andar da carruagem, a falta delas).
Não é possível tal miséria! Economicamente acredito que é uma medida que vai evitar custos, uma vez que os correios, tal como se propõem no seu ofício primordial, enfrentam a concorrência dos novos meios de comunicação bilateral. Por isso, sem querer parar a marcha do futuro, técnica e eficaz tal como se apresenta, preferia que não fossem privatizados ou, a sê-lo, com garantias do serviço aberto a todos aqueles que não têm acesso às novas tecnologias. Coitados daqueles que têm a má sorte de morar em terras montesinhas e em interiores de que só restam os mais velhos, inválidos e placas toponímicas. E quanto aos postos de trabalho? Nem respondo! Não se alcançam progressos onde nem todos usufruem deles e mesmo quando, à conta dele, acontecem destes tristes tropeções.
As desculpas ou justificações, vindas de quem faz as contas às receitas e aos custos, soam-me como se me dessem a beber papas de linhaça. Papas essas que apenas têm uma pitada de moral e uma boa dose de economia de mercado. E é aqui que bate o ponto…
Paulatinamente, a operadora concessionária, no âmbito da privatização, faz o que quer e lhe apetece: ou seja, vai comendo todos os chocolates da árvore. E a neta, que supostamente seria representada pelo Governo, vê passar à goela do mercado capitalista aquele centenário serviço nacional. De comboio ao circo já não vamos, porque estamos nele e, não sei por quê, tenho a sensação que já não temos coelhinhos, pais natal e que só restam os palhaços, que somos nós.

terça-feira, 9 de outubro de 2018

MANUEL "DELIRAM-SE"


Nunca cheguei verdadeiramente a saber o fascínio que me despertavam aquelas humildes criaturas que frequentavam a taberna de meus pais. Talvez o certo encanto que emana das pessoas simples, cujo passadio diário não ia para além de uma malga de sopa, uma boroa de antevéspera e a água da fonte. Era eu rapazola, acamaradava com esta espécie de réprobos e abandonados da fortuna, de que me lembro com particular carinho - como se ainda o estivesse a ver - o Manuel "Deliram-se". Como raio caiu uma alcunha de verbo, ainda por cima de pretérito, para mais na terceira pessoa, a uma criatura tão singular e solitária como a daquele velho, é coisa que nas andanças deste texto, vos falarei. Era magro como um espeque de feijoeiro; penava com um trajo bastante puído, roto de casaco, calças abertas nos joelhos e umas botas que arreganhavam como aligátores. Nos pés, que não viam meias nas quatro estações, as borbulhas eram do tamanho de tremoços grados. As calças eram largas e curtas, fazendo com que as pernas magras oscilassem no pano como badalos em boca de sino. Tinha um feitio descaroável, arredio e pouco sociável, é certo, mas quando sorria com a boca desdentada, posto que grosseiro de feição, era a estreme bonomia de uma alma cândida sem culpas em cartório.
Era solteiro, posto que feio como Esopo seria, sem cheta para cativar derriços e, segundo as más línguas, virgem como um querubim. O queixo proeminente e pontiagudo, realçado por uma boca sem sombra de dentes e fechada para dentro como cloaca, dava-lhe um ar estranho e meditabundo, a que se somava um fungar crónico e uma voz cavernosa tão perceptível como o mandarim. Logo, bom de ver que nem donzela ou marafona se perdiam por tão bronca imagem.
Sentava-se no balcão corrido da betesga, sorumbático, horas a fio a fumar um “Kentuchy” ensalivado. Por vezes, era hora da mesa posta, lá ia minha mãe: - “Ó Ti Manel, janta com a gente? Saco vazio não se tem de pé!”
Era orgulhoso e não pedia. Para dizer sim, assentia com a cabeça e ficava à espera de acudir às súplicas da solitária. As refeições teriam sido, ao longo da sua vida, um dilema: só em sonhos poderia sentar-se à mesa e servir-se de bons capões, de carne retirada ao chambaril, de boa chouriça de fumeiro ou presunto da salgadeira. Para o ouvir, oferecia-lhe eu boa merenda. Às vezes, meio quartilho de tinto, que via sumir como se descesse por cale de moinho, mesmo um cálice da "rija", emborcado com igual deleite e rematado com um "ah!", que dava gosto ouvir: - “que lhe preste, ti coiso!”
Porém, se o queria assanhado, posto que de feitio descarolável, tratava-o (como o faziam todos, aliás) pelo abreviado “Liram-se”. Sabia que a sensibilidade do velho debitaria fatalmente um vespeiro de obscenidades. A etiqueta não era o seu forte, estivesse quem estivesse, lá saía o chorrilho. Era um desbocado, de facto!
Se falei na alcunha, resta-me ir à sua génese. Era ele catraio, deixou-o a mãe em casa, na altura em que na cozinha - por ser dia especial - rechinavam na panela de ferro duas mãos cheias de feijões e uns nacos de carne a boiarem na água da cozedura. Famélico como sempre foi, o rapaz respondeu ao motim do estômago, para mais acirrado com o rescendor que vinha da panela ao lume. Se esperou ou não pelo apuro da culinária, ninguém cuidou em saber, tão só que passou ao estreito os feijões e toda a carne.
Quando chegou a mãe, porventura tão penada de alimento como ele, dando conta que na panela apenas se encontrava a água, chamou o filho a capítulo, disposto a zurzi-lo de impropérios e de bordoadas.
– “O 'nha mãe: a carne comeu-a o gato!”
 - “Ah, meu desgraçado, meu desinfeliz! E os feijões?”
- “Os feijões?! Os feijões deliram-se.”
Há que mundos teria saído aquela desculpa! Até à cova a havia de carregar, como anátema do seu alvedrio. A fome, essa, à compita com a alcunha, jamais o abandonaria até ao quebrar abrupto da vida, se deleite não constituiu, para esta triste criatura, tal transe.
Apenas são eternas as coisas que duram na memória e o Manuel “Deliram-se” teve a desdita de nascer num mundo que veste os já vestidos e despe os nus.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

ESTREMADURAS E EXTREMAS DURAS


Evoque-se Santa Catarina, advogada de boa memória, para que se resolvam questões que passaram ou estão para passar décadas sobre os casos abertos, reabertos e escancarados.
Uma estremedura é um limite, uma fronteira. Uma extrema dura é qualquer coisa que se compara a um extremismo exacerbado.
Sim, revolvo o caso falado, rebatido e que anda cantado de outeiro a outeiro, possivelmente em cantigas-de-cego se ainda fosse costume, sobre o que andou a fazer Ronaldo pelas américas e com uma determinada americana, a qual, diga-se a verdade, demorou nove anos a acordar de uma letargia paga, depois de sacudida por um movimento que se apelida de Me Too.
Não sei o que se passou, não faço como a cunhada da outra que poria as mãos no fogo pela dita ou pelo dito. Apenas estranho.
Há uma onda que começou justamente por todas aquelas que sofreram ataques sexuais de poderosos, nalguma maioria de casos pelo poder que os desalmados tinham sobre elas. De repente, tudo acordou, passados não sei quantas décadas, como foi o caso das supostas ou verídicas tentativas de violação do juiz americano. É um ver se te avias! Os advogados "yankes" andam a farejar esta clientela com igual ou maior denodo do que o Diabo atrás das almas.
O centro da “coisa” é a América, onde acontecem coisas mirabolantes, patranhas e artimanhas, outras tão gritantes como o tamanho do Grand Cayon e outros muitos brados que cabem no cu do lobo, como se costuma dizer na aldeia.
Haja bom senso. Leve-se ao pretório e à barra da Justiça quem abusou, mas não se abuse de delações e queixas com base em suposições. Este clamadouro entrou na moda, leva na enxurrada quem serviu para se servir. Depois do Me Too, os ditos violadores serão apontados nestas ritualidades jurídicas e apelidados como You Too. Até lá, estas achas entram na fogueira que os advogados pretendem acesa para puxarem as suas brasas (e que brasas!), ainda para alumiarem a vaga do povo leitor e ouvidor dos media, à míngua de outras ocupações para consumirem os dias.
Um ditado medieval vem dizer-nos que “muita zoada é sinal de pouca cousa”, ou ainda esse mais contemporâneo que avisa: “muito trovão é sinal de pouca chuva”. A questão aqui nem é de zoada nem de trovão. É uma questão de dinheiro, não só em cifras idênticas àquele que comprou o silêncio durante quase uma década, como  o que  (tudo o indica) se pretende para colocar uma pedra sobre o assunto; só que, desta vez, com advogados na coisa, a parada sobe muito mais alto.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

NO MEU TEMPO...


Andam por aí uns “trolls” que me abordam e conversam sobre isto e aquilo e, às duas por três, lá vêm com aquela: “ no meu tempo”. A propósito disto e daquilo, dos costumes e das morais, lá chegam pérolas do género “no meu tempo não se permitia disto”, “no meu tempo é que era bom” ou ainda “no meu tempo é que se namorava à séria”.
Ouço-os, encaro-os e pergunto-me se estou perante um fantasma ou um selenita. Ou seja, este não é o seu tempo, o tempo deles era outro, estão noutra órbita, a da saudade, a da idade mais verdinha e coisa e tal.
A maioria dos tais está na minha faixa etária. E essa maioria, que não vive neste tempo, mas no seu tempo, por vezes deixa-me entre a perplexidade e a razão em saber se ainda estou neste tempo. Ou noutro planeta, bem entendido.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

BENJAMIM FRANKLIN, PIPAS E PAPAGAIOS


Os brasileiros chamam-lhe pipa, os portugueses dão-lhe o nome de papagaio. Nalgumas regiões utilizam o termo pandorga e noutras o de raia. São os vulgares brinquedos feitos de papel ou de outro material, que se prendem com um fio e deles se espera que voem no ar ao poder do vento.
Quanto ao nome pipa e papagaio, deve estar trocado nos dois países “irmãos”: quem possui o maior número de pipas é Portugal; o maior número de papagaios é o Brasil. Enfim, para mim, mais apropriado é o de raia ou raia voadora.
Não foi para isto que abri este post, mas para homenagear um cientista, mais propriamente Benjamim Franklin, que usou um simples papagaio (raia ou pipa, para não dizer pandorga), para efectuar uma experiência invulgar. Quis descobrir os poderes da electricidade e, faz hoje dia 1 de Outubro, 266 anos (foi em 1752), que efectivou a experiência que o levaria à invenção do pára-raios. Quis demonstrar que os raios eram um fenómeno eléctrico da Natureza e que o trovão era eléctrico. Na ponta do fio colocou o que se supõe ter sido uma chave ou outro objecto de ferro e tal ficou revelado.
No entanto, há algumas considerações pertinentes, uma das quais leva alguns pensadores a duvidar da experiência feita desse modo, uma vez que a descarga ter-lhe-ia sido fatal.
Brincar com papagaios, sim, de preferência na praia, em dia de sol e céu limpo. De outra forma, visitar “as pipas” na adega quando troveja e provar o conteúdo das ditas, para se “papaguear” melhor.

domingo, 30 de setembro de 2018

JAMES DEAN - EFEMÉRIDE TRISTE DE UM REBELDE

Faz hoje 63 que desapareceu uma estrela. Uma estrela rebelde. Tinha 24 anos (e eu 4), quando se envolveu num acidente fatal com o seu Porsche, na altura em que se dirigia para uma corrida de automóvel.
Grande actor, os seus papéis correspondiam à sua personalidade. Rebelde, insatisfeito, sonhador, teve papéis naquele espaço em que viveu como “A Leste do Paraíso” ou “O Gigante” ou ainda em “Fúria de Viver”.
Chamava-se James Byron Dean, nasceu em Marion, Indiana, em 8 de Fevereiro de 1931. Um aquariano, como eu, cujas características no Zodíaco andam sob o lema de extremamente racionais e muito críticos, metódicos e empenhados no que fazem, que sabem sempre o que querem e para onde irão.

sábado, 29 de setembro de 2018

SORTEIOS E NOMEAÇÕES


Quero avisar eventuais leitores – se é que vai haver algum, pelo andar da carruagem – que nesta peça não tomo partido pelas tomadas de decisão apontadas nem me move interesse por estar em causa a pessoa A, B, C ou D.
Questiono, isso sim, a forma, como em democracia (ainda) se resolvem os assuntos, mesmo que ao abrigo da legislação vigente.
No caso de escolha do(da) PGR houve nomeação; para o processo dito Marquês houve sorteio.
Perante a perplexidade que me suscita uma e outra – e por escrever “Marquês”, recorro à História. Cada um, entenda o que deve entender.
O processo dos Távora teve um juiz nomeado (não sorteado) pelo Sebastião de Carvalho e Melo, que o rei D. José I aceitou. Não houve sorteio. Era uma Monarquia, a democracia era um termo grego ainda não composto e decomposto e muito menos praticado.
Não há comparação possível com a nomeação da actual PGR. Não, não há, a não ser na fórmula utilizada. Nem está em causa a pessoa não reconduzida ou a pessoa nomeada. Para mim, ambas, como magistradas, estão acima de qualquer suspeita.
Pergunto:
-a exemplo da escolha do juiz no processo Marquês, não era mais adequado o sorteio entre os magistrados competentes para o cargo?
- mesmo que seja constitucional a aplicação actual (e é, enquanto não se alterar o artº 133º), não era mais apropriada, tratando-se de escolha (e não de sorteio), a nomeação ser sufragada entre os seus pares (magistrados)?
- por que razão, se nomeia em vez de se sortear?
Vejamos: a Justiça deve ser independente do Poder. Total e inequivocamente. No entanto, o único magistrado do MP sujeito a designação pelo poder político é o PGR, mesmo sabendo-se pelo articulado que a escolha não está vinculada a qualquer área de recrutamento ou sequer a especiais requisitos de formação. Depois, ao saber-se que o Presidente do Supremo Tribunal não leva as mesmas voltas para ocupar o lugar, que dualidade impera sobre dois cargos superiores que, ainda por cima, têm em comum a categoria, tratamento e honras iguais e o uso do trajo profissional?
A Justiça é como a mulher de César. É séria, eu sei, mas não lhe basta sê-lo, tem de transparecê-lo.
Já o caso dos ditos “super-juízes”, que são apenas dois, o sorteio foi o mais adequado e transparente. No entanto, lá volto eu à forma e aos quesitos:
-Por que razão foi necessário o recurso a um computador que, ainda por cima, se engasgou na comunicação com a fonte dos dados? Não seria mais curial o que é praticado no resto do mundo civilizado (até no futebol, como nos sorteios da FIFA e da UEFA) o recurso a bolas sorteadas numa tômbola ou numa tina transparente?
Lá vem a mulher de César à baila! Quem não percebe de informática, desconfia sempre da coisa; e quem percebe, ainda desconfia mais.
De resto, nada tenho a apontar nas escolhas. Disse-o antes, repito-o agora. Questiono a forma e a complexidade, quando se podia conseguir o mesmo resultado com mais transparência.
Finalmente, para fechar o texto, outra perplexidade: em 1771 magistrados que há no País, no Tribunal Central de Instrução Criminal só existem dois?! Não há espaço para mais ou faltam candidatos ao lugar?
Como já disse num post anterior, saltei da carruagem quando tive ganas de me licenciar em Direito. E fiz bem. Como advogado, seria uma lástima, porque sou sensível às situações pró e contra; como juiz, lástima seria, pelas mesmas razões. Então, sabendo o que vou apontar a seguir, lido algures, não queria eu ser o juiz da fase de instrução ou de outra qualquer. Cento e tal volumes e cerca de nove centenas de apensos; 13 milhões de ficheiros informáticos e um processo que, a juntar todas as folhas do despacho de acusação do caso mais mediático (não aponto nomes) dava para unir o Bairro Alto ao Cais do Sodré em Lisboa duas vezes. Para além disso, tem sete vezes mais páginas do que “Os Lusíadas” e quase tantas palavras como todos os livros da saga de Harry Potter juntos.
Confesso, saltei da carruagem a tempo. Não estou arrependido porque, se conseguisse chegar até ali, não tinha pachorra. Honra seja feita aos juízes portugueses, que eu admiro.

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

GOOGLE ESTÁ DE PARABÉNS

Faz hoje 20 anos este motor de busca, criado em 1998 por dois peritos nesta nova tecnologia, que são Larry Page e Sergey Brin.
Trata-se do website mais visitado do mundo e merece que lhe dedique esta homenagem. Obrigado.

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

ADIVINHAÇÕES E BRUXARIAS


Se efectivamente acaso algum dos poucos leitores deste blog leu o post do passado dia 22 deste mês, reparou que eu desenhei um “jeep” e ao fechar o pano do arrazoado prometi jogar no euromilhões aproveitando os números no “capot” dessa viatura. E fi-lo. Apostei no 5 (saiu o 6), mais no 13 (saiu no 15), depois no 23 (saiu o 25), depois o 30 (saiu o 30, viva!) e finalmente no 36 (saiu o 38). Quase tudo ao lado, o que significa nada!
Posto isto, sabendo que a Fortuna poderá ter lido o post, verifico que obrou de molde a passar rasantes aos números escolhidos, de nada valendo, mesmo que o quisesse, a consulta a uma quiromante, taróloga ou bruxa (coisa que não faço). Como aquele jogo, segundo se propaga, só faz excêntricos, não conto com isso para me tornar mais um porque já sou excêntrico por natureza.
Vou então brincar com o assunto. Não levem a mal…
A propósito, trago hoje aqui uma peça repescada e alterada do Bandarra-Bandurra, para aquelas e aqueles que optam por consultar as famosas adivinhações.
A adivinhação não deixa de ser uma arte, neste caso mágica, de descobrir o desconhecido através da interpretação de símbolos, como é a “leitura” de nuvens, cartas de tarô, chamas e fumo, ossos de animais, promessas governativas e relatórios das comissões parlamentares de inquérito.
Quer isto dizer que as bruxas adivinham? É claro que adivinham, pois têm a equivalência aos cursos técnicos profissionais e profissionalizantes de astrologia, cartomancia, quiromancia, taromancia, hepatoscopia, I Ching e numerologia, e licenciaturas pós-Bolonha, para só citar estes. Parece que elas possuem, em doses maciças, os poderes sibilinos de Nostradamus, de Bandarra, mesmo do Pretinho do Japão, e das previsões económicas do Banco de Portugal e do FMI, embora estes dois últimos não acertem tanto (como no caso do meu euromilhões acima, é tudo ao lado).
Numa sondagem que se realize, como é hábito, através de entrevistas telefónicas em escolha aleatória, dará 10 por cento para os que acreditam no acertar dos resultados de adivinhação das bruxas e outros 10 por cento para quem creia no inverso. É bom que se diga que a diferença estará para quem não sabe/nem responde ao inquérito, que por meu lado adivinho com um erro máximo de amostra de 0,6 por cento para um grau de probabilidade de 99,9 por cento.
Um dos símbolos da actividade é, para além da inscrição nas Finanças, o caldeirão do costume com três pernas, geralmente com água a ferver, onde se juntam alguns corantes para dar efeito, bem como ervas e fauna rasteira vária, tais como asas de morcego, rabo de escorpião, sémen de unicórnio (à venda nas farmácias) e os pelos de uma das toupeiras do SLB (à venda numa loja de souvenirs do FCP e do SCP). No entanto, trata-se de um instrumento mágico tão importante como é o estetoscópio médico para um clínico que mostre estar em serviço ou a máquina de calcular da tutela que faz o cálculo da contagem do tempo dos professores. O caldeirão, na sua forma bojuda, se nada tem a ver com o daquele frade que fez o caldo de pedra em Almeirim, representa o ventre da deusa e o útero feminino. O seu tamanho deve ser um pouco menor que uma das panelas do riquíssimo e reservadíssimo restaurante El Celler de Can Roca.
Decerto não confundir este caldeirão com o da lenda que atribuiu o seu enchimento de ouro através do arco-íris, porque se fosse real já teria na periferia os auditores da Goldman Sachs, os mercados bolsistas e outras organizações sem fins lucrativos.
Finalmente, umas dicas para se reconhecer a verdadeira bruxa, a tal que dá os sete números da aposta e fará excêntricos os que ainda não são. Abrindo-lhe a carteira – o que não recomendo- ou à saída da caixa de uma grande superfície comercial, há sinais que se podem ver. Como é de direito, será certo que terão bilhete de identidade ou cartão de cidadão, cartão de crédito e número de contribuinte. Mas isso toda a gente tem!
Falta então a mais importante, que envolve alguma dinâmica: colocar uma vassoura atrás da porta, virada ao contrário. A bruxa não conseguirá sair. O melhor é pesquisar numa plataforma adequada ao “métier” ou consultar os blogs, sites, twitter, linkedin e facebook, em que se veja o símbolo daquele chapéu de bico ou a vassoura igual à que emprestei ao senhor presidente dos States na caricatura atrás.

terça-feira, 25 de setembro de 2018

PADRE COSTA - A LONGA PATERNIDADE

Estava eu para editar o Livro "O Padre Costa de Trancoso" - que, por sinal, e por essa ocasião  era para ter o título de "A Longa Paternidade - quando me contactou uma produtora de televisão para fazer um programa sobre a figura. E o programa foi feito e esteve muito bom.
Como o convite veio por via institucional, através do município e deste pela empresa que dirigi, respondi pelos canais próprios  o que dizia respeito aos pormenores relativos à gravação, designadamente o plano logístico. A par disso foi-me pedida a descrição da figura, que eu teci em alinhado escrito de duas quatro páginas (nunca fui muito conciso nem com siso), de que transcrevo aqui uma pequena parte.


Descobri o padre fisicamente desta guisa:
O padre Francisco da Costa, a esta altura da idade, era um homem alto e forte, um tudo-nada com barriga de bojo saliente, braços e pernas um pouco longos demais, mãos grandes e peludas com dedos longos, olhos como tições e dentes enormes e amarelos. As maçãs do rosto apresentava-as o padre rubicundas, mormente após as suculentas refeições de perdiz, lebre e faisão, de que era ele apreciador, regadas com o melhor tinto do dízimo e das suas vinhas da Cogula e Vila Garcia. A sua fisionomia era agradável e apessoada, mas a sua voz não valia os restantes atributos, pois saía nasalada e aguda como o chiar de um carro de bois por ladeira abaixo.
Encontrei outros casos semelhantes ao do Padre Costa, todos estes verídicos, tendo-os colocado em diálogo estabelecido entre o padre e um escrivão da sisa judenga, Mendo Pires (personagem fictícia por mim criada), como se pode ler neste trecho:
     "Será mais ou menos como dizeis, que Deus o sabe. Por outro lado, apontam-me o dedo como pai de muita criação, mas alguns deles não param de impetrar de el-rei cartas de legitimação para a filharada que vão fazendo nas mulheres da sua paróquia. 
Invariavelmente, Francisco da Costa encaminhava a sua defesa para comparações que lhes pareciam mais convenientes.
    "Aponte algum..."
    "Aponto, como exemplo, o padre Álvaro Saraiva, da freguesia de São João, que teve uma filha de Leonor Nunes, mulher solteira; falo-lhe em Diogo Gomes, clérigo de missa e abade da freguesia de S. Pedro, que tem uma filha de Maria Eanes, mulher solteira, a quem baptizou como Maria Gomes."
    "Esse sei eu, padre. Também sei que o padre Diogo Gomes pretende de el-rei a legitimação da filha."
    "Sei de casos presentes e passados, como o do abade de S. Paio de Caria, que teve oito filhos feitos em duas mães, ambas criadas da sua casa ou ainda do abade de Santas, João Dores, que teve da mesma mulher uma ninhada de cinco rebentos."
    "Se vamos para o passado, meu amigo, teremos de ir buscar o exemplo de D. Álvaro, prior da Ordem do Hospital e filho do arcebispo de Braga, D. Gonçalo, que teve trinta e dois filhos, sendo que um deles foi D. Nuno Álvares Pereira."
     "Lembro-me também ter lido que um padre de S. Salvador do Souto de Rebordães, de nome Lourenço Rodrigues, fez cinco filhos nos ventres de duas mães diferentes."

Como se pode ler, na resposta à produção, fui tecendo algumas características do Padre Costa, aludindo - como o fiz na obra e pela boca do sacerdote - a outros casos semelhantes ao seu.

Reproduzo, para não deixar ir o post em branco, o convite que então enviei quando lancei o livro.
Sobre esta forma de "convidar", hoje considero ser um abuso, por parte do autor ou autor-editor, convidar os amigos e o restante público para irem à apresentação da obra, que eles se constrangem em não comprar, vendendo-a em vez de a oferecer. Então quem convida não deve pagar do seu bolso? Imaginam alguém convidar-vos para ir almoçar a sua casa e, no final, pedir-vos o pagamento da refeição?
Por isso, deixei de enviar convites. Chamo apenas apresentação. Leva-lhe as mesmas voltas, apesar de se considerar uma questão semântica. Com o tempo e o volume de obras publicadas, nem notícia de apresentação envio.


segunda-feira, 24 de setembro de 2018

OS NUS E OS VESTIDOS



Ao contrário daquela história em que o rei vai nu, a mim parece-me que o povo vai nu e o rei é que vai vestido.
Veio-me esta coisa à cabeça a propósito de uma recente exoneração a pedido, em face da não concordância com o arrumar certas fotografias de arte mais explícitas no corpo humano em ambiente próprio, cujo ingresso (julgo eu) seria controlado pela faixa etária inscrita no cartão de cidadão.
Trata-se, como já devem ter lido, visto e ouvido, do caso da Fundação de Serralves. Perplexo fiquei, porque vejo novamente a neolítica brigada dos costumes em acção. Tem a “coisa” ou o “coiso” à mostra? Tapa-se. É imoral? Queima-se. É proibido? Condene-se.
E logo a Fundação de Serralves, que exibe todo o tipo de arte (a maior parte de que eu não gosto, mas pronto), a qual tem no seu primado – bem anunciado no seu site – que pretende “estimular o interesse e o conhecimento de públicos de diferentes origens e idades pela arte contemporânea, pela arquitetura, pela paisagem e por temas críticos para a sociedade e seu futuro, fazendo-o de forma integrada”? Está lá escarrapachado: “público de diferentes origens e idades”; “por temas críticos à sociedade e seu futuro”.
O director artístico do Museu de Arte Contemporânea, onde se passou “o atentado”, pediu a demissão. E fez bem. Eu faria o mesmo. Suponho, pelas notícias, que este pedido estará relacionado com decisões da administração da Fundação, que interditou a menores de 18 anos parte da exposição de fotografias do norte-americano Robert Mapplethorpe, por conter não vestidos, mal vestidos ou nus.
Não faltam por aí estátuas de todas as épocas com tudo à mostra, algumas com amputações do “coiso” (vá lá saber-se se culpa do tempo, das bicadas dos melros à sorrelfa ou martelada das brigadas às claras), em praças públicas, jardins e coisa e tal.
Isto é estapafúrdio! Digno de figurar num almanaque de anedotas! Nos tempos que correm, quem tenha menos de 18 anos tem pachorra para ir visitar exposições a Serralves? E ainda precisa de ir a Serralves para ver nus? Não tem um portátil, um tablet, um smartphone, uma parabólica, para ter à disposição oftálmica os nus em todos os movimentos e ambientes?
Este post nem sequer leva imagem. Receio que pudesse ser mal interpretada por alguma brigada dos costumes blogosférica munida com instruções do tempo dos plesiossauros. Imaginem que lá a coloquei e lá se encontra, bem a abrir esta peça. Vejam através da imaginação, trata-se de um “nu com as mãos nos bolsos das calças”. Imaginem, porque eu estou deslumbrado e já não tenho pachorra…

sábado, 22 de setembro de 2018

SEM CARROS NEM CARRETAS


O Dia Europeu sem Carros é uma treta. A ideia é boa e exequível, mas continua a ser uma treta. Começa logo por se saber que os carros que existiam continuam a existir, a que se acrescenta um enorme e colossal número de fabricados neste dia. Depois, há aqueles que não costumam utilizar o carro e, para contrariar o alvitre, exibem a sua máquina, abrindo o vidro da janela, colocando o cotovelo de fora e largando o sorriso dos corajosos em contravenção. Se isso não bastasse, a maioria dos utentes não se arrisca ir buscar o pão ou dar uma saltada ao café, que ficam a cem metros de casa, indo a pé ou de bicicleta. Ser o dia europeu da mobilidade não significa ser o dia da imobilidade.
Corta-se o trânsito, é isso. Quem vai de carro, contorna a questão, põe o GPS a puxar pelas meninges digitais e vai na mesma.
Dia europeu sem carros, em Lisboa, foi o primeiro dia da greve dos taxistas. Isso sim. Ocuparam as faixas da Av. da Liberdade, só passavam os transportes públicos.
A propósito: se acham que há carros de aluguer a mais, vão acrescentar mais outros, tais as plataformas (hoje, é só plataformas; há uns anos atrás, eram apenas as das estações do comboio) como a Uber, Cabify,Taxify e Chauffeur Privé? Ora, é precisamente uma delas que tem a designação mais sugestiva que, à primeira vista, com o título de “chauffeur” me deixou a questionar se os veículos desta funcionariam a “pellets”. O termo, que significa aquecimento ou calor na língua gálica, foi utilizado a partir da Revolução Industrial, em que o profissional com esse designativo era aquele que alimentava as caldeias do aquecimento para produção do vapor. Com a reviravolta dos tempos, o termo “chauffeur” já não se aplicava ao enfarruscado alimentador de caldeiras, passou para o engomado, empertigado e fardado motorista de Rolls Royce, Bentley e quejandos.
Sugere-se a utilização de bicicletas, sugestão esta que eu deparo no dia a dia nas vias permitidas; só que, todos os ciclistas me parecem estar a treinar para o Tour de França ou para a Volta a Portugal e não para deslocação laboral.
E nas manifestações a preceito, é raro aquele que não leva uma “bike” com quadro em alumínio e forquetas de carbono a servirem duas dezenas de velocidades, enroupado com berrante “jersey” de poliéster e capacetes de carbono do tipo “escaravelho da batata”.
Percebi. Concordo com a ideia, mas é pouco para o que se pretende. Isto não vai mudar mentalidades, é uma ideia peregrina e emocional. Na prática, nada faz. Zero.
Tentem fechar o palavroso presidente do States num quarto, sem “tuiters”, durante um dia. No dia imediato, aparece o dobro das “tuitadas”, cada uma mais espectacular que a anterior.
Alguém de sólida inteligência já se lembrou de criar um dia de jejum completo para proclamar a fome no Mundo. Empreitada para os de barriga cheia, que não enche barriga aos que estão privados de alimentos. Ora, estes últimos, nem sequer têm a oportunidade de comemorarem tal dia, por serem quase todos do calendário, porquanto de barriga cheia só terão eventual oportunidade uma vez no ano. Calendarizações análogas, não passam de um presumido alvará de civilidade.
Vou deixar o carro na garagem – até porque é sábado – e vou dedicar-me a este blog, dizendo aos outros o que devia calar em mim.

Para finalizar, deixo a imagem de um dos meus carros de colecção, um “jeep” do tipo de combate, daqueles que não poluem coisa alguma – são de papel, pois não posso nem quero ter outros. Foi desenhado há uns anos e deixei-lhe números no “capot”, os quais vou aproveitar para preencher a próxima aposta do euromilhões. Nunca se sabe…

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

SARDÕES E DRAGÕES


Peço desculpa a todos os que entraram neste sítio com a expectativa de lerem qualquer coisa sobre futebol e actualidade atinente. Não se trata de futebol, nem se engana ninguém, porquanto o título, na ocorrência dos dias de hoje e nas metáforas da fauna, podia estender-se a águias e toupeiras.

Vamos ao que interessa.
Há por este interior portucalense algumas lendas que trazem como protagonista um sardão de proporções gigantescas ou a caminho disso. Há dois casos que rememoro, para não me alongar noutros, quais sejam o Sardão da Lapa (Sernancelhe) e o sardão de Vila Ruiva (Fornos de Algodres). Se não são o mesmo, pelo menos são parentes desde os tempos em que os animais ainda falavam a língua de gente. Os coitados, apesar de grandes, tinham mais olhos que barriga. Qualquer novelo lançado em defesa pelas mulheres que acometiam – e só enfrentavam mulheres, os tarados – era logo tragado com sofreguidão tal, que os deixava com os fios emaranhados nos gorgomilos e dali se afogavam sem poderem respirar.
Depois de deixar expressa esta ficha antropológica, resta-me dizer por que carga de água venho com ela. Seria mais lógico, em vez de recuar e trazer a literatura popular infantil passada e repassada, comparar o que vem a seguir com a bonecada dos canais Panda e Cartoon Network, actualíssimos na era dos tablets.
A razão prende-se com outra figura da mitologia infantil, que é o dragão, daqueles que deitam fogo pelas ventas e pelo traseiro, saído para os escaparates como personagem de uma obra que completa hoje 81 anos de publicação.
Já devem ter percebido que se trata de “O Hobbit”, trabalho de ficção da autoria de J.R.R. Tolkien (decompondo as iniciais como John Ronald Reuel) cuja acção decorre “entre o alvorecer das Fadas e o domínio dos Homens” (na minha teoria, um pouco depois dos tempos em que os animais falavam a língua de gente).
Bilbo é o anão protagonista e o dragão (que dá pelo nome de Smaug), tal como o sardão (que não dá por nome algum), é o antagonista. O dragão de Tolkien é avaro, possui tesouros e circula ataviado de jóias e ouros como se pretendesse fazer parte das mordomas da Senhora da Agonia de Viana; o “nosso” sardão é despojado de tudo, “teso” como um carapau, lacrimoso e desamparado.
Pensei com os meus botões: este sardão português é despojado de ganância e não me parece que a sua fome chegasse ao ponto de comer as mulheres que encontra a dobar lã. Mais me parece possuir, coitado, o estilo tarado de as ver subir para os bancos e para as mesas, mirando salivoso aquele gesto peculiar de ver as criaturas a subir as saias e mostrarem as pernas roliças e gordas.
Ninguém quer começar a escrever, a partir desta efeméride, uma obra telúrica congénere à de Tolkien, tendo o sardão como antagonista? A sugestão, da minha parte, ainda segue com o eventual título de “O Óbito”, porquanto se enquadra na plataforma destas histórias que morreram na História.