sábado, 27 de julho de 2019

CONTRA-FOGO


Há incêndios que não se apagam com água. Esses são incêndios de língua, presumivelmente sempre molhada, resultantes, isso sim, de cérebros sempre a escaldar. É o que documentam as ocorrências neste verão, quando as barbas estão a arder (salvas sejam) no teatro de operações de combate a incêndios e de combate ao combate a incêndios.
Há de tudo um pouco: ordens de prisão de comandantes a outros comandantes, como se em dia de folga nas trincheiras; ministro a protagonizar declarações afrontosas contra autarcas, sem matutar no conteúdo das palavras; bombeiros que recebem uma sandocha, uma peça de fruta e uma garrafita de água como refeição, esta a “ração de combate” para 24 horas de luta contra as chamas, que nem ração se lhe pode chamar; umas golas anti-fumo distribuídas em kits de socorros a parte da população, feitas de poliéster inflamável, com a agravante de supostamente serem adquiridas a um preço quase a duplicar do valor do mercado. E o que mais se verá adiante, na faina!...
Passou para o conhecimento público a fotografia da “refeição” distribuída a um bombeiro, em plena zona de acção de combate em Vila de Rei. O bombeiro usou as redes sociais, reclamando pelo facto de estar no terreno desde o dia de anterior, às 19 horas, até dia seguinte, às 12 horas, e receber uma sandes, um fruto e uma garrafa de água para fazer uma refeição. Desabafou com as suas razões, comuns aos seus companheiros: “deixo a família, deixo o conforto da minha casa, venho arriscar a vida a defender aquilo que não me pertence…Saio de casa a correr sem jantar sequer, passo a noite inteira a combater as chamas e a esta hora, o que me dão para comer é somente isto!!!!?
Uma cena digna dos “Monty Python” passou-se, segundo o que li e ouvi, no cenário a arder de Sobral do Campo (Castelo Branco), quando um militar da GNR, ao comando da Unidade de Emergência de Protecção e Socorro da GNR deu ordens de prisão (não ao fogo, que não lha aceitava) a um comandante do grupo da Força Especial de Bombeiros. Vamos lá a saber se a ordem veio, como diz o lema de D. João II, pela grei, ou se proveio, como diz o mesmo, pela lei. Alega a notícia – desmentida por um e por outro no que lhes concerne – que a ordem não resultou de uma ocorrência de mau estacionamento ou de excesso de velocidade (o mais comum e o mais grato por parte de quem a exerce), mas pelo caso de o contraventor, então presuntivo aprisionado à voz, estar a tirar fotografias ao fogo. Uma e outra situação, conjecturalmente de comandos, suscitam perplexidades: prendem-se combatentes das mesmas fileiras; tiram-se fotos ao fogo, presumivelmente para álbuns da corporação ou para exposições atinentes. Enfim, despautério, mascarada veneziana e desfaçatez que chegue!
O ministro, que pode ser ministro de tudo, menos de relações públicas, comentou as declarações de um presidente de câmara, cujo concelho foi dos mais atingidos, declarando que ele se armava em comentador televisivo, quando o homem apenas declarou o que os seus munícipes já tinham dito: a ausência de socorros a tempo.
O mesmo ministro, que pode ser ministro de tudo menos de protecção civil, afirmou que as golas não são de combate a incêndios, o que significa que podem servir para tudo, mesmo para desfiles de carnaval ou assaltos a caixas de banco, menos para zonas onde o fogo ataca. Se onde há fumo também há fogo, segundo o diz a sabedoria de três doutores, compreende-se que uma gola de protecção não esteja envolvida no cenário da tragédia?
Por estas alturas de tais calamidades, move-se uma panóplia de ferramentas, equipamentos, comunicações, infra-estruturas de apoio, corporações, organizações militares, civis e quartéis, tudo supostamente unido pela rede informática, pela rede de comunicações, rede eléctrica, e quiçá pela rede de pesca. Onde há uma enorme e colossal interdependência entre as várias partes do sistema organizativo, todos a quererem mandar e poucos a quererem obedecer, é uma barafunda e grandíssimo canudo. Diabos levem o fogo para o inferno, onde ele é mais preciso!
Estamos em finais de Julho deste ano de 2019, escrevo isto a 27. Ainda como trágico, envolvido numa nuvem de fumo espesso e escuro, o senhor Presidente da República parece que ainda não saiba de nada. E eu, que vim a saber disto pela comunicação social, fico também a nada saber.

domingo, 21 de julho de 2019

ENCICLOPÉDIA ALEGRE DE BRUXAS (5)


BABOSA. É a planta que nos chega com o rótulo de aloé vera. Dizem os entendidos no assunto que dá sorte, amor e protecção, afinal os três ingredientes que toda a gente deseja, se olvidar o da pedra filosofal e o acertar todos os números do euromilhões. Possui efeito sobre energias negativas, principalmente inveja e mau olhado. Não livra, porém, de notificações fiscais, multas de trânsito e da distribuição de propaganda eleitoral em doses maciças.
Uma outra característica menos metafísica é a de ser eficaz contra acidentes domésticos, especialmente na cozinha, protegendo das queimaduras, cortes ou tombos. Para além disso, segundo a química, fortalece o couro cabeludo – não sei até se restitui o cabelo perdido, mas a caspa foge dela como o diabo da Cruz - e em creme vende-se para prevenir rugas e combater as peles flácidas e secas.
Como ainda dizem os entendidos que faz crescer o cabelo com muita rapidez, é muito recomendada pelos barbeiros e cabeleireiros, que vêem na planta um poderoso aliado.
Não confundir com o vocábulo de género contrário, o baboso, de que os espanhóis têm um significado assim explicado: “ hombre que resulta molesto e impertinente cuando intenta agradar a una mujer”.

BARULHO. É dos registos que as bruxas tocam pandeireta nos dias de festa com o patrono, de preferência em encruzilhadas onde não haja sinais de "stop", "proibição de passagem" ou "proibição de virar à esquerda".
Para os inebriados com as comemorações, tal como acontece com as bruxas, fazer chinfrineira com tachos e panelas, tem servido para espantar os malefícios do ano que finda e impedindo que entrem no novo. À falta destes apetrechos (principalmente dos tachos, que estão todos tomados), serve uma discoteca de quizomba ou uma sessão de bateria e guitarra-baixo de uma banda liceal.

BELEZA. Salvo raras excepções, nunca vi a reprodução plástica de uma bruxa com base no modelo de rosto de uma Amanda Seyfried, Nicole Kidman, Angelina Jolie, Avril Lavigne ou Beyoncé, para só citar algumas das que são consideradas, na altura em que faço esta enciclopédia, das vinte mais belas do mundo. Até o circunspecto Goya deu em pintar umas megeras narigudas, pelos no queixo e algumas verrugas pouco cuidadas (a simetria destas, agora em moda, paga-se a peso de ouro nos esteticistas).
Pintar o belo é difícil, mas o feio e deformado está ao alcance de qualquer um. O certo é que todos nós, pelo menos uma vez na vida, teremos dito de alguém esta depreciação de mau gosto: “parece uma bruxa” ou “é feia como uma bruxa”.

BENZEDEIRA. Torna-se o assunto de conversas de serões e soalheiro – pelo menos, no tempo em que não havia novelas televisivas, reality shows nas televisões e programas de cozinha a todas as horas do dia – saber quem é quem no mundo do bruxedo. As benzedeiras toda a gente as conhece, assim como algumas bruxas que têm blogs, sites, twitter, linkedin e facebook.
As benzedeiras encarregam-se dos tratamentos do mau-olhado que atacam os garotos, talham os “ares”, endireitam espinhelas caídas, cortam sarampos e zagres, varrem malefícios e invejas. Estas mulheres, que também são chamadas “corpo aberto” e “santinhas”, têm como utensílios rudimentares e pataqueiros, facas e tesouras (para talharem os ditos “ares”), águas bentas, ramos de alecrim e azeite puro de oliva (o que vem sendo raro como ingrediente porque a pureza é escassa), beladona, meimendro e mandrágora.
Infelizmente, para comporem os magros réditos da profissão, não se incumbem do preenchimento de declarações de IRS (“benzidas” por outras artes), bem como qualquer outro biscate de solicitadoria, o que lhes garantiria clientela extra.
Enfim, as benzedeiras não passam de mulheres simples.

BOLSA. Quando o negócio era rentável, havia sempre uma bolsa onde se guardavam os cobres. Hoje já não é bem assim. Segundo os cânones do dinheiro e da finança, a bolsa passou a ser de valores (ou seja, quanto menos valores morais, mais valem), constituindo um mercado que gere acções e outros valores mobiliários.
Visto isto, não faltam às bruxas acções (a maior parte, más, mas também grande parte, boas), pelo que, reunidas em sociedade anónima desde os tempos da Inquisição, constituíram uma bolsa, a BVB (Bolsa de Valores Bruxúlicos) que, por decoro, não emparceira com o NASDAQ, o CAC, o MICEX, o NYSE ou o PSI20.
Perguntarão muito justamente por que razão não consta a “irmandade” financeira nas 30 maiores cotações do índice Dow Jones Industrial Average ou das famigeradas avaliações do Standard & Poor’s. Há uma razão muito simples: não sendo a actividade devidamente reconhecida pela fiscalidade internacional – constituindo os seus lucros uma espécie de fruto de qualquer paraíso fiscal – os editores do jornal financeiro norte-americano The Wall Street Journal, passam pelas acções da BVB e particularmente sobre este segmento de mercado, como cães por vinha vindimada.

BOLSOS. Em vulgar consulta, antes de ir aos bolsos do consulente, a digna bruxa tem algumas recomendações a fazer.  Uma delas é esta, embora não a mais importante: não se deve fazer a passagem de ano com bolsos vazios, mesmo que tenha sido esbulhado pelos mesmos sugadores ao longo do ano e independentemente dos cortes no subsídio de Natal. Lembrem-se que até a mendicidade, neste País, paga imposto e que o mínimo tilintar nos bolsos desperta a curiosidade da Autoridade Tributária e Aduaneira.

BRUXA DA ARRUDA. Chamava-se Ana Loira, era conhecida por Lérias, e foi a mais célebre bruxa de Portugal, que viveu no séc. XIX na freguesia de S. João dos Montes, uma freguesia de Vila Franca de Xira. Ficou conhecida pelo topónimo da freguesia que ficava mais perto do seu “consultório”, situado no Casal das Neves. Dizem que era saloia de grossas formas e mãe de qualquer coisa como 19 filhos. Não é de admirar que 5 filhas exercessem a mesma profissão. Recebia como paga o que lhe davam, acrescentando que não abdicava de 500 réis para pagar à “escreventa”. Com o que lhe davam, contabilizou o Diário de Notícias, em 1906, uma fortuna de 20 contos em depósito. Pelos vistos, já na altura, sem tabela de honorários, era costume primar pelos honorários e juntar-se a fome à vontade de comer. Dinheiro, carinho e reza, nunca se despreza, lá diriam as bruxas mais antigas.
O jornalista, levando à risca a sua reportagem, quis ser consultado e, a par disso, obteve alguns ingredientes “medicinais” para certas curas, devidamente registados com o pormenor fonético da oratória, como se lê: “para a “aformentação” das costas, ópio e deldôque; para o “estâmago” e barriga uma “aformentação” d’arruda, marcella e alfazema frita e manteiga de vacca, e posto no “estâmago” um “emprasto” de pão de trigo, banha de porco e um ovo, isto feito em agua de girvão e “tádegas”, para se cozerem e a agua fazer o “emprasto”. Para beber à noite erva de sete sangrias; estando agoniado, chá de erva cidreira, e se tiver enjoo de ‘estâmago’ chá de marmello. Isto é feito de vinte em vinte quatro horas, durante nove dias a fio (…)»

BURROS. Para além das vassouras, as bruxas usam os burros como meio de transporte, só que preferem montar ao contrário, com as costas viradas para a cabeça do animal, sem liteiras e cadeirinhas e, tal como alguns estabelecimentos de ensino, à rédea solta. Deverão ter a mesma sensação que se desfruta quando se viaja de comboio na última composição e se vê a paisagem a afastar-se. Nessas andanças não precisam de táxis, transportes públicos ou de veículos motorizados, principalmente estes, os quais estão sujeitos à gula da tributação desde o dístico de circulação até ao combustível, a que se juntam as manhas e artimanhas dos códigos de trânsito, bem como dos mais que nem é bom falar. Também não consta que sejam pagas, através do erário público, ao quilómetro, como bem acontece a quem sai do palácio de S. Bento para a santa terrinha.
Podiam andar de cavalo, pois podiam, mas lá têm o ditado que recomenda - burrinho que me leve e não cavalo que arrasta.
Quando alguém passa descalço por um sítio onde um burro se tenha espojado, deve cuspir para que as bruxas não o incomodem.





sexta-feira, 19 de julho de 2019

ARGANEL NA TROMBA



Por postura municipal de 1872, devidamente registada em livro da câmara de Trancoso, foi exigido que todas as pessoas que criassem porcos deviam proceder de harmonia com o edital camarário, o qual expressava o seguinte:
Foi acordado unanimemente, que para evitar o prejuízo que os porcos tanto desta vila como das povoações deste concelho causavam nos terrenos públicos e particulares, e bem assim na plantação das árvores do campo, em razão de não trazerem arganel, pelo que fossam com a tromba, por isso acorda a Câmara que doravante os donos e senhores de porcos de qualquer qualidade, grandes ou pequenos, sejam obrigados a pôr-lhe arganel na tromba, e sendo encontrados sem ele pagarão de multa seus donos, pela primeira vez cem réis, e o duplo segundo a reincidência”.
O arganel não seria usado no cortelho do bicho, onde se comprazia em fossar na ciscalhada da vianda misturada com farelo. A proibição visava o espaço público e privado de outrem, fartos viveiros de nutrimento onde os bichos. julgando ser "tudo da joana", não reconheciam propriedade. 
Não sei por que razão - talvez por ser hoje a última sessão parlamentar desta legislatura - esta medida podia ser aplicada, mutatis mutandis, a muito boa gente que, se não “fossa com a tromba” (que a não tem), o faz com a língua (que a tem comprida). Não se admirem que nesta leitura me lembrasse, nas coisas da zoopolítica, da “porca da política” retratada pela caneta de Raphael Bordalo Pinheiro no número de Janeiro de 1900 de “A Paródia”. Lá está a grande “porca”, bem anafada, rodeada dos degenerados filhos da reca, todos sem arganel e sem aquela peça, geralmente de couro ou de metal, que se põe aos canídeos para não morderem, dita açaime; é evidente, o açaime é para os cães que por vezes ladram obscenidades caninas ao passar da caravana. Há até os que não ladram, não necessitam açaime e só abanam a cauda. E os escassos porcos de cortelho já nem usam arganel.

quarta-feira, 17 de julho de 2019

A REFORMA

A pedido de um Leitor e Comentador deste blog, segue o seu texto...

A REFORMA

Autor: Luís Rente
A aposentação há tanto ambicionada, finalmente, chegou.
Depois de uma carreira profissional de mais de 35 anos em que desempenhara quase todos os cargos e tarefas, chega ao fim esta fase da vida que teve algo de comparável com o múnus sacerdotal. É-se professor vinte e quatro horas por dia, para aqueles que entendem que o docente tem que ser um exemplo de comportamento e atitude cívica que não lhe deixe “telhados de vidro” que podem ser usados posteriormente em seu prejuízo. “Educar pelo exemplo” diz-se agora com grande ênfase.
A fase final foi verdadeiramente penosa. Não pelo serviço docente, propriamente dito, mas pelas responsabilidades anexas que a superestrutura ministerial atribui aos professores. Antes de mais, a carga burocrática que cada turma ou cada aluno carrega consigo (relatórios, registo de contatos, avaliação e justificação da mesma, …) mas também a atitude quase persecutória de certos encarregados de educação, da pesporrência de alguns colegas, à atitude pouco colaborante de alguns auxiliares de ação educativa. Acresce o fato de ter vindo a lume uma profusão de medidas legislativas na área de concursos, de procedimentos administrativos, da organização curricular, da regulamentação dos apoios aos alunos com Necessidades Educativas Especiais que, só por si, se tornaram um fator de perturbação da vida quotidiana da escola. Por último, as alteração ao modelo de gestão, que reintroduziu a figura do antigo reitor, repristinado na pessoa do Diretor, quase sempre um ex-colega agora investido de novas funções sem que lhe tenha sido proporcionada, na maior parte dos casos, qualquer formação específica (gestão financeira, liderança, resolução de conflitos, planificação por objetivos) – “não peças a quem pediu, não sirvas a quem serviu’’
Afirmam os teóricos que as reformas em educação se repercutem no prazo de uma geração. Ou seja, as alterações de fundo fazem sentir-se passados cerca de 25 anos. A grande cesura na sociedade portuguesa (sistema educativo, incluído) acontece com o 25 de Abril, data a partir do qual se instituiu o atual regime democrático, Recorde-se que os grandes objetivos dos capitães revolucionários se sintetizavam nos três D’s - Democratizar, Descolonizar e Desenvolver. Os dois primeiros concretizam-se na curta duração (eleições livres e nova Constituição para o primeiro D; independência negociada com os movimentos de libertação dos territórios ultramarinos, para o segundo). O terceiro D revelou-se mais difícil de alcançar sendo tarefa de longo prazo, pois desenvolvimento encerra um conjunto de quesitos que só a longa duração permite alcançar aí se incluindo, como pressuposto básico, a educação enquanto fator essencial ao progresso dos restantes setores da vida comunitária.
Refiro-me à universalização do ensino (a par da saúde, lembre-se).[1]
Para implementar tal desiderato na educação era preciso reformar em três aspetos pilares do sistema: reformular escolas, conceber novas metas educacionais e programas curriculares, recrutar professores. Neste último aspeto se encontrava o busílis da questão. Os dois primeiros tinham solução, assim houvesse dinheiro para a arquitetura e a engenharia civil e para pagar as equipas de programadores curriculares. Os professores demoravam anos a formar e era urgente recrutar, “rapidamente e em força’’[2].
Entrei nesse rebuliço aos vinte anos, com duas saídas precárias: para o serviço militar e para uma experiência no setor do comércio. De ambas não me ficou grata recordação - da primeira porque sempre tive uma atitude de repulsa por uniformes (fardas, batinas e batas); da atividade comercial (vendas) pelo ambiente algo fétido que se vivia na concorrência desleal, que “luvas” e negócios rasteiros ajudavam a criar, ou a cupidez de clientes e colegas potenciavam.
Decididamente, a escola era ‘’a minha praia’’. Avancei pelos Educação Física,  uma área ‘’ad contrário’’ da minha personalidade. Compensava essa inabilidade com uma relação pedagógica pró-ativa, buscando os pontos fortes de cada aluno a fim de potenciar cada um desses facilitadores ao mesmo tempo que postergava para segundo plano os opositores que julgava serem prejudiciais ao desempenho de cada um.
Na fase final da carreira senti que era tempo de enfrentar novos desafios, onde pudesse aplicar de forma mais efetiva a minha apetência para o estudo minucioso da legislação que regulamentava o sistema educativo. Acresce a isto o fato de, depois de uma sacrificada licenciatura em Filosofia, na Universidade de Coimbra, ter surgido a possibilidade de frequentar um Mestrado em Ciências da Educação, na Universidade Clássica do Porto, com o qual fico com a especialização em Educação Especial - um investimento com duplo benefício.
Foi aqui que permaneci nos últimos quinze anos. Sempre escapando aos casos mais difíceis, escudando-me em horas noturnas, cursos profissionalizantes, cargos de representação e a asserção, sempre pertinente, que o Professor de Educação Especial não pode (não tem que) dominar as matérias curriculares reservando-se para a aplicação de técnicas especiais de ensino/aprendizagem – alguém escreveu que, na maior parte dos casos, não se trata de problemas de aprendizagem mas sim de “ensinagem”.
O primeiro mês da nova condição de aposentado (até me custa a dizer) passou-se num ápice. Pensava dedicar o tempo a arrumar papelada dispersa e reorganizar a disposição dos livros nas prateleiras da minha biblioteca. Nada disso aconteceu. Foi um lapso de tempo de autêntica lazeira embora gostasse de pensar que tinha sido um período de lazer.
 Os dois meses seguintes foram mais profícuos no que diz respeito â tal tarefa prioritária a que me propusera – selecionar e dar arrumação a montes de papéis soltos, resmas de pequenas capas com temática variada recolhida em múltiplas ações de formação, encontros profissionais, reuniões politicas e sindicais. Era a função em que me embrenhava da parte da tarde, por vezes após uma ligeira “siesta” -  máscara e luvas  e, no final, um duche retemperador. A manhã era dedicada à leitura dos jornais, um café comentado com alguns amigos ou ex-colegas, compras pontuais no supermercado e preparar a refeição familiar.
No terceiro mês começaram os primeiros sintomas de que algo não corria bem, no meu organismo – falta de energia nas pernas, pouca força de braços, cansaço generalizado. Terá sido daqueles trabalhos forçados? Nunca foram exercícios excessivos de exigência física. Antes pelo contrário. Ficava parado a reler textos antigos donde resultava muitas vezes alguma admiração comigo próprio: como conseguira, naquele tempo, escrever coisas tão complexas e bem escritas??!! Sínteses, recensões, resumos de obras completas, ensaios. Mas tinham sido escritos por mim de facto. “A necessidade aguça o engenho” é um provérbio português com plena aplicação.
Começa, então, o meu périplo pelas diversas especialidades médicas. Primeiro foram os problemas intestinais e correlativos hemorroidais e aí vou eu a caminho de um proctologista famoso. Depois coração. Ecografias, Holter, prova de esforço - tudo normal na área cardíaca. Ao neurologista consultei por causa de umas dores de cabeça, pontuais e breves, em pontos diversos da calote cerebral - nenhum problema visível.
Todos me recomendavam alguma dieta. “Perder dez quilitos não seria mau” - ouvia repetidamente.
Inicia-se, então, a saga ciclista. Procurei travar conhecimento com uns amigos dos meus primos que praticavam ciclismo. Faltava, porém, tomar uma decisão importante: escolher ciclismo de estrada ou de crosse. Depois de ouvir diversas opiniões e consultas na net, avanço para a pesquisa dos preços de cada uma das modalidades, pormenor não despiciendo nesta minha situação de reformado - aposentado, esqueço-me sempre! E aí quase caía de costas. Os preços eram verdadeiramente proibitivos, era um investimento muito acima das minhas projeções. Andava eu com estas elocubrações quando a minha sócia me deu uma ideia genial (elas, de vez em quando, também têm algumas ideias brilhantes):
- Oh Manel! Por que não comprar uma bicicleta estática. No Verão pões na varanda, à sombra. Uns dias viras-te para cima e noutros viras-te para baixo. Assim vais mudando a paisagem. No Inverno, recolhes a bicicleta na sala, em frente da televisão  e vês aqueles programas ás vezes interessantes, que fornecem sugestões culinárias que podes ir aplicando.
(logo vi que a ideia tinha que trazer consigo algum lado prático que haveria de me tramar)
O proctologista, no entanto, alertou numa consulta de rotina:
- Olhe que as modalidades menos recomendadas para quem tem problemas na fase terminal do intestino são o ciclismo e a equitação.
Pensando bem, fazia todo o sentido mas nunca tal me passara pela cabeça. Surgiu então outra possibilidade, o ténis de mesa, aproveitando o facto de dois colegas, também aposentados, terem semelhante gosto pela modalidade e assim, passarmos uns fins de tarde desportivos e de cavaqueira.
Cada dia que passava mais se enraizava a ideia de que os tais problemas de saúde eram meramente psicológicos. Era necessário dar um rumo à vida, dar significado a cada acordar matinal, encarar a nova situação com otimismo e evitar o “discurso da lamúria” tão em voga na chamada sociedade civil. E tirar sentido às teorias negativistas que previam tempos catastróficos para os aposentados para quem se previam depressões, negativos estados de alma, tempos de “choro e ranger de dentes”.
A esta narrativa otimista faltou acrescentar um elemento fundamental: a companheira de mais de 35 anos, que lhe dispensou todo o apoio e incentivo e o ouvia com paciência nas lamentações dos dias maus e na euforia dos dias de maior otimismo.
Outro motivo de orgulho era uma filha única, muitíssimo inteligente, que seguira estudos na área da psicologia, fizera cursos avançados na Europa, que culminaram com um pos-doc numa das mais prestigiadas universidades parisienses. A parte afetiva ou amorosa da pequena é que não corria lá muito bem, fruto porventura, da excessiva dedicação ao estudo e ao trabalho. Tivera já duas ou três experiências, algumas com um ar já adiantado, mas nada permanecera por tempo aceitável.
E assim se vão escoando os dias, divididos entre a culinária caseira, o acompanhamento dos futebóis, as tentativas quase sempre goradas de intervenção na jardinagem, o rever filmes antigos (ai o Canal Memória!!) e outros atuais “pescados” na net.
E pronto! Como dizia uma das nossas atuais figuras públicas de maior exposição: “É a vida”



[1] Uma canção da época, de autoria de Sérgio Godinho, tinha como refrão: “A Paz, o Pão, Habitação Saúde, Educação, só há liberdade a sério quando houver liberdade de decidir, quando pertencer ao povo o que o Povo produzir….”
[2] A expressão atribui-se a  António Salazar num discurso proferido no início da guerra colonial.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

VENCEDORES DESTA QUARTA FASE - SARDINHA DOCE


Para além do sabor delicioso da Sardinha Doce, há ainda o sabor doce da Vitória. Justamente, quando todos acreditavam que a Sardinha Doce de Trancoso não passaria do terceiro lugar no concurso "7 Maravilhas Doces de Portugal", a alguns minutos do fim, esta representante da doçaria trancosana conquistou o pódio.
Pelo que tenho lido nos comentários de um dos concorrentes adversários, que achava, como soe dizer-se, ter as "favas contadas", o mau perder é um estado de alma que extravasa para o irracional e, por vezes, até para o achincalhe. Para a "dor de dentes", que eu saiba, não reside o lenitivo ou a cura no "Facebook", antes na farmácia. Para nós, os representantes da Sardinha Doce, todos os restantes seis concorrentes distritais merecem todo o respeito e garanto, pessoalmente, que aprecio qualquer desses produtos.
Era esta a forma regulamentar de escolha, concorde-se ou não com ela. Eu não concordo, uma vez que entendo ser necessária uma componente técnica de votação percentual a par da votação pública, mas é a regra do jogo aceite por todas as candidaturas. E vencemos, como estou convencido que venceríamos se as regras fossem como estas opinadas por mim.
A vitória surge pelo empenho dos de Trancoso e daqueles que, não sendo de Trancoso, apreciam esta iguaria da doçaria portuguesa; em todos os que despenderam o custo das chamadas; aos que participaram ao vivo e em directo e fizeram o apelo para que a vitória nos favorecesse.
Do evento, publico três imagens: a primeira com o CEO da Meo/Altice (padrinho da candidatura), Presidente da Câmara de Trancoso, Dr. Bruno Veiga e eu (de chapéu na mão), enquadrados por alguns do pequenos elementos da claque de apoio; a segunda, com os cinco elementos da Confraria das Sardinhas Doces e a Doceira D. Rosa Canaveiro (sendo eu o primeiro a contar da esquerda); a terceira, na entrevista que me fez a Joana Teles, em directo para a RTP1, no local.
O meu OBRIGADO a todos os que votaram na Sardinha Doce de Trancoso.




As duas primeiras fotos são créditos da página do Município no Facebook, com agradecimento ao Dr. Bruno Veiga; a terceira foi retirada do sítio da RTP Play.

segunda-feira, 8 de julho de 2019

VOTEM NA "SARDINHA DOCE DE TRANCOSO"


Trata-se de uma sardinha sem espinhas e, ainda por cima, doce. Cabe-me como membro da respectiva Confraria, fazer este apelo ao voto através de uma (ou mais) chamadas telefónicas.
O Município de Trancoso promoveu a candidatura da Sardinha Doce ao concurso "7 Maravilhas Doces de Portugal". Na expectativa de atingir as semifinais do concurso, aquele bem saboroso doce conventual terá de, segundo o regulamento, ficar em primeiro lugar de entre os 7 doces do distrito da Guarda, que chegaram a esta fase. Para tal, será necessário reunir o maior número de votos, que apenas será possível através de chamadas telefónicas para o número 760 107 049 (0,60€ + IVA), até ao dia 10 de Julho, no final do programa em directo da RTP, que terá lugar na capital de distrito, entre as 10h e as 17h30.
Como o “tempo de antena” é distribuído pelo canal televisivo segundo a ordem alfabética da designação do produto, será quase no final do programa de quarta-feira que a “Sardinha Doce” saltará na rede. E eu, como bom Confrade, conto lá estar, participando e falando, se assim me for solicitado, sobre as origens da iguaria.
Também lá estará o Eng. Alexandre Fonseca, Presidente Executivo & Chairman da Altice Portugal, que amavelmente aceitou o convite, apadrinhando a Sardinha Doce de Trancoso.
Se melhor não pergunto, desculpem colocar, à guisa de desafio: de que estão à espera para telefonar para o 760 107 049? E, desde já, o meu agradecimento pelo apoio.

sábado, 6 de julho de 2019

ONDE LEVANTO O MEU OURO?


Numa conferência, Fabien Cousteau, que é neto de uma pessoa que admiro (Jacques Cousteau, explorador oceânico) afirmou que há ouro suficiente a flutuar nos nossos oceanos para dar a cada habitante do planeta oito quilos.
Até agora só me têm trazido notícias que haveria oito quilos de plástico e outros desperdícios a entregar a cada habitante, o que nenhum quer, embora todos contribuam para semearem essa porcaria nas águas do mar. Sendo assim, esta notícia, se bem que aparentemente mais me agrade, não me deixa sossegado. Ela pode constituir um chamariz para os “garimpeiros” que até aqui procuravam o ouro dos galeões afundados, geralmente de portugueses e espanhóis. Gentes destas, ao chamariz deste faro, são como os touros e rinocerontes, investem sempre de corno em riste. E isso significa que os tubarões da superfície da terra irão mergulhar com os tubarões que já existem no mar, sendo os primeiros muito mais perigosos e insaciáveis. Depois da façanha, que nada tem de científico nem de escrupuloso, são muito bem capazes de abicharem medalhas por serviços distintos.
Para sossegar os presentes na conferência, alguns talvez a pensarem que iam sair à “papo-seco” para darem um salto a casa e vestirem o fato de mergulho, Fabien pediu: - “Por favor, não vão a correr.” Ele devia ter avisado também, para além de aconselhar quem quer que seja a não ir a correr e a saltar, que o ouro não anda por ali aos pontapés das barbatanas e não é um material que flutue como as alforrecas. Há até, acima do nível do mar e com os pés assentes em terra, quem tenha mais ouro, geralmente aqueles corações de platina e almas de diamante que andam pelas páginas da Forbes, trajando no requinte um fato Armani ou desenhado por Alexander Amosu, gravata Christian Lacroix, sapatos Jimmy Choo ou Gucci, camisas Versace e outros adereços interiores como meias Pantherella, as quais custam o dobro do fato de casamento de um cidadão normal. O garimpo daqueles faz-se sem sujar as mãos (fisicamente, pelo menos) e sem molhar os pés.
Não estou interessado nos oito quilos, até porque, fazendo bem as contas com atenção aos custos de pesquisa e transporte, taxas alfandegárias, impostos, ivas e demais alcavalas, se entregassem a cada patrício 10 gramas, já era muito. Por isso, quanto à minha parte, deixem-na estar onde está.