sábado, 22 de fevereiro de 2020

SEPARAÇÃO OU SUBMISSÃO DO PODER JUDICIAL? EIS A QUESTÃO


No século X, Abdul Kassem Ismael, o Grão-vizir da Pérsia de então, cada vez que resolvia sair de viagem, fazia questão de levar com ele a sua biblioteca, toda ela, com cerca de 120 mil volumes, distribuídos por 400 camelos.
Recupero esta perplexidade histórica para falar do “segredo de justiça”, o qual, desde há uns tempos a esta parte, me parece nada secreto (a não ser que seja de Polichinelo) e muito menos de Justiça, porque fere a legislação que o determina.
Pasmo! Re-pasmo! Tre-pasmo!
Sem me querer imiscuir ou desculpar os visados – que supostamente estarão inocentes até se provar a culpabilidade – fico perplexo quando os vários meios de comunicação social trazem para a praça do julgamento popular magistrados, juízes, polícias e demais pessoas em que se supõem faltas mais ou menos graves, como se colhessem os acórdãos dos trânsitos em julgado. Pior ainda, sem que a eles tenha sido notificado o meio de defesa ou inquirição. Posto o estendal na praça pública, logo os juízes pedâneos de café apontam os dedos acusadores e as sentenças, sempre ao arrepio do princípio “in dúbio pro reo”, onde nem sequer há réu. Li algures que isto significa o recuo para outro princípio (que já teve fim, felizmente) de “in dubio pro societate”, que é “carta branca para a volta do sistema inquisitorial”.
Julgo mesmo que nas fases de inquérito e de instrução, os responsáveis devem fazer como o grão-vizir: levar consigo os processos, para evitarem a espionagem e a interpretação livre para alvoroço do que está a ser averiguado. E que assim aumentem as consultas a astrólogos, tarólogos e adivinhos, para se fazerem manchetes que visam manchar antes de julgar. Sem ocultar os casos julgados ou a julgar, deixe-se ao controle do poder judicial – e não do político de facção – o exercício da sua conduta, para evitar que os prevaricadores e os seus acólitos queiram levantar as vestes da icónica deusa grega Thémis ou da latina Ivstitia, para saber o que está por baixo. Com dúbios intentos, “voyeurismo”, e para julgamentos com menos moralidade e mais marmeleiro.
Não quero dizer com isto que se macule a liberdade de imprensa, porque esta deve informar. Informar, sim, repito mesmo, mas com verdade e isenção, sem cuidar de imprimir as parangonas para pilhéria de uns tantos bacocos e escoamento das edições.
Ainda pasmo nas vozes que fazem coro com esta caramunha, que são de comentadores, juristas e demais gente que está por dentro do sistema, que não eu. Se há algo a corrigir, corrija-se, mas sem deitar por terra este primordial edifício da Democracia. Se há faltas, desvios, atropelos, averigúem-se e sejam conduzidos à barra, sem alaridos ou com condenações precipitadas. E pensem que, mesmo com a lei lida e corrida, não haverá juízos iguais nas decisões; para isso, lá estão os recursos, a Relação e o Supremo, que nem sempre estão em consenso de decisão, cabendo ao último a instância final. E também, como diz o povo, “não há capuz por mais santo em que o Diabo não possa meter a cabeça”.
Alguém está interessado, para ocultar outros casos mais obscuros ou outros que o poderão vir a ser, em denegrir os juízes, apontando para mais alto, colocando em dúvida distribuições de processos, acórdãos e legitimidade de quem os profere, o que interfere na honra dos próprios e da própria Justiça.
Não estou a defender A ou B, nem em apelar para alguma máxima que possa dizer que os juízes estão acima de qualquer suspeita e da lei. Elevo o primórdio do bom senso, cujo está a faltar por aí, às vezes com propósitos que ignoro.
Lembrem-se que se começam a comemorar, este ano, os primeiros andamentos que conduziram à Constituição (é o segundo centenário) e que, logo após, ficou consignado, à custa do primeiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a separação dos poderes de quem julga e de quem governa. Parece-me que, no aproveitamento desta onda populista e juridicamente popular/pedânea, se quer tutelar e submeter a independência dos juízes. A ver vamos… como diz o cego! E o mais que certamente soará.

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