sábado, 29 de setembro de 2018

SORTEIOS E NOMEAÇÕES


Quero avisar eventuais leitores – se é que vai haver algum, pelo andar da carruagem – que nesta peça não tomo partido pelas tomadas de decisão apontadas nem me move interesse por estar em causa a pessoa A, B, C ou D.
Questiono, isso sim, a forma, como em democracia (ainda) se resolvem os assuntos, mesmo que ao abrigo da legislação vigente.
No caso de escolha do(da) PGR houve nomeação; para o processo dito Marquês houve sorteio.
Perante a perplexidade que me suscita uma e outra – e por escrever “Marquês”, recorro à História. Cada um, entenda o que deve entender.
O processo dos Távora teve um juiz nomeado (não sorteado) pelo Sebastião de Carvalho e Melo, que o rei D. José I aceitou. Não houve sorteio. Era uma Monarquia, a democracia era um termo grego ainda não composto e decomposto e muito menos praticado.
Não há comparação possível com a nomeação da actual PGR. Não, não há, a não ser na fórmula utilizada. Nem está em causa a pessoa não reconduzida ou a pessoa nomeada. Para mim, ambas, como magistradas, estão acima de qualquer suspeita.
Pergunto:
-a exemplo da escolha do juiz no processo Marquês, não era mais adequado o sorteio entre os magistrados competentes para o cargo?
- mesmo que seja constitucional a aplicação actual (e é, enquanto não se alterar o artº 133º), não era mais apropriada, tratando-se de escolha (e não de sorteio), a nomeação ser sufragada entre os seus pares (magistrados)?
- por que razão, se nomeia em vez de se sortear?
Vejamos: a Justiça deve ser independente do Poder. Total e inequivocamente. No entanto, o único magistrado do MP sujeito a designação pelo poder político é o PGR, mesmo sabendo-se pelo articulado que a escolha não está vinculada a qualquer área de recrutamento ou sequer a especiais requisitos de formação. Depois, ao saber-se que o Presidente do Supremo Tribunal não leva as mesmas voltas para ocupar o lugar, que dualidade impera sobre dois cargos superiores que, ainda por cima, têm em comum a categoria, tratamento e honras iguais e o uso do trajo profissional?
A Justiça é como a mulher de César. É séria, eu sei, mas não lhe basta sê-lo, tem de transparecê-lo.
Já o caso dos ditos “super-juízes”, que são apenas dois, o sorteio foi o mais adequado e transparente. No entanto, lá volto eu à forma e aos quesitos:
-Por que razão foi necessário o recurso a um computador que, ainda por cima, se engasgou na comunicação com a fonte dos dados? Não seria mais curial o que é praticado no resto do mundo civilizado (até no futebol, como nos sorteios da FIFA e da UEFA) o recurso a bolas sorteadas numa tômbola ou numa tina transparente?
Lá vem a mulher de César à baila! Quem não percebe de informática, desconfia sempre da coisa; e quem percebe, ainda desconfia mais.
De resto, nada tenho a apontar nas escolhas. Disse-o antes, repito-o agora. Questiono a forma e a complexidade, quando se podia conseguir o mesmo resultado com mais transparência.
Finalmente, para fechar o texto, outra perplexidade: em 1771 magistrados que há no País, no Tribunal Central de Instrução Criminal só existem dois?! Não há espaço para mais ou faltam candidatos ao lugar?
Como já disse num post anterior, saltei da carruagem quando tive ganas de me licenciar em Direito. E fiz bem. Como advogado, seria uma lástima, porque sou sensível às situações pró e contra; como juiz, lástima seria, pelas mesmas razões. Então, sabendo o que vou apontar a seguir, lido algures, não queria eu ser o juiz da fase de instrução ou de outra qualquer. Cento e tal volumes e cerca de nove centenas de apensos; 13 milhões de ficheiros informáticos e um processo que, a juntar todas as folhas do despacho de acusação do caso mais mediático (não aponto nomes) dava para unir o Bairro Alto ao Cais do Sodré em Lisboa duas vezes. Para além disso, tem sete vezes mais páginas do que “Os Lusíadas” e quase tantas palavras como todos os livros da saga de Harry Potter juntos.
Confesso, saltei da carruagem a tempo. Não estou arrependido porque, se conseguisse chegar até ali, não tinha pachorra. Honra seja feita aos juízes portugueses, que eu admiro.

2 comentários:

  1. Boa noite Santos Costa

    Acabadinho de chegar das belas e prósperas terras lousanenses, ainda enfartado pela bela chanfana generosamente cozinhada pela avó Dulce (na caçoila preta do Olho Marinho), resolvi "devassar" este seu espaço de escrita, justa,objetiva, clarinha como a água do planalto de Trancoso.Por estas e por outras, é que cada vez mais acarinho e admiro certos homens e mulheres que, contra certo "sistema", mantém esta Justiça, por vezes vendada, a navegar no turbilhão do desconhecimento, da maledicência e da torpeza.
    Até quinta, nas terras de Cabral.
    Um grande e justo abraço de admiração.

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  2. Bom dia
    Dr.José Avelino

    Sobre a Justiça propriamente dita não tenho nada a apontar. Temo que o Poder, no receio de lhe cair nas malhas, a queira controlar. Digo o poder, seja ele qual for.

    Até quinta, nas terras da Lenda da Arca Voadora

    um grande abraço de Amizade

    Santos Costa

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