Ao fim de uma hora numa maca hospitalar, o corpo ganha a
ilusão de que se estende naquelas velhas tábuas cobertas de palha do tempo das candeias
de barro. Ela – a maca – não é local de repouso. É sítio provisório de
emergência em estado de urgência. Esse aspecto é que permanece de símbolo.
O certo é que o doente, assim conduzido, não tem posição
ideal, quer deitado quer sentado, de papo para o ar ou de barriga para baixo,
ainda outros andamentos corporais das circunstâncias. A maca é simultaneamente cama e mesa e sala de visitas. Ora, lá deitados, medita-se no rifão: não há mal que não acabe nem bem que sempre dure.
Eu fui, recentemente, um utente deste apetrecho hospitalar no
serviço de urgências. Para já, nem vem ao caso como fui lá parar, o certo é que
era necessário estar ali. Como é natural, a minha maca/cama ficou no corredor
das urgências, devidamente acondicionada e com boas condições de climatização.
Sem qualquer tipo de queixa da minha parte.
Havia uma doente que perdeu a tramontana. Isto aconteceu no
corredor das mulheres, perpendicular ao dos homens. Não é que não fosse bem
tratada, porque era; era cisma da coitada não querer ficar, tinha sido arrancada às
raízes. Para seu bem, naturalmente. Vivia horas e dias que não eram dela. Não
se convencia em quedar naquele leito estreito, duro e de todo fora do
seu modo habitual de repouso. Talvez o leito da casa dela fosse mais
desajustado e tosco, mas estava na sua casa.
- Ai Jasuse! – gritava repetidamente para se fazer ouvir.
Os pedidos vinham em seguida, desapossados de razão.
Os pedidos vinham em seguida, desapossados de razão.
- Levem-me até à carreira, por mor de ir p’ra casa!
Passados uns segundos, depois de uns quantos anátemas,
continuava:
- Ninguém me acode! Mas que raio de gente é esta? O que
andam aqui a fazer?
A mulher não parava.
A mulher não parava.
- Tragam-me água! Dêem-me uma sede de água! Ninguém ouve?
A sua sede não seria muita; mas ardia a
sua ânsia de estar longe dali. Lá voltava, amiúde, aquele clamor, que não era
bem clamor. Desconfio que já nem era ela que berrava: era a sua impaciência. Se
lhe era satisfeito um desejo – e era, frequentemente – vinha em seguida com
novo pedido, um novo queixume. Tudo nela, até as atenções, foi sacrificado à
dor. E estar ali, para ela, era um equívoco. Um equívoco amargo. Por isso, terminava
invariavelmente:
- Ai Jasuse!
Caríssimo Santos Costa
ResponderEliminarA arte no seu melhor.Uma ode à criatividade.
Belos desenhos e bela prosa.
Ainda bem, que não se habituou à maca e à urgência.
Rápida e total recuperação.
Um grande abraço.
José Avelino
Caríssimo Amigo Dr.José Avelino
EliminarNão sendo o hábito que faz o monge, também não parece que a maca faça o doente, tanto que esta se presume estar disponível na urgência.
Depois da "Alta", encontro-me em tratamento ambulatório, designadamente no dia de hoje, para ser submetido a uma ressonância magnética. É a segunda que faço na vida, seguindo pelo tabuleiro para o túnel como se fosse a entrar na forno, "sem molho". Comparativamente, é uma espécie daqueles pequenos túneis da A23, entre Guarda e Castelo Branco, só que "conduzimos" deitados e ouvimos um martelar como se a passagem andasse em obras.
Agradeço-lhe a atenção e o desejo na minha recuperação.
Um grande abraço
Santos Costa