Fernando Pessoa – aliás Álvaro de Campos – devia adivinhar que não
estava a escrever apenas para a sua época, podendo então poetar o que lhe apetecesse;
devia ter compreendido que chegaria o tempo em que a censura e a moralidade, os
costumes e o diabo a quatro, iriam riscar (ou omitir, o que lhe dá as mesmas
voltas), o que pode ferir os meninos e meninas na escola, principalmente com o
crivo de uma editora (nem sequer digo o nome) que lhe levou a poesia aos
manuais escolares.
Aqui é que bate o ponto.
Trata-se do poema "Ode Triunfal", que a editora levou ao manual "Encontros", alegando conter três versos com linguagem grosseira... para o 12º ano!
Trata-se do poema "Ode Triunfal", que a editora levou ao manual "Encontros", alegando conter três versos com linguagem grosseira... para o 12º ano!
Se a senhora editora não gostava, não publicava no manual; a publicar,
fazia-o na íntegra. Há a considerar que Álvaro de Campos (aliás Fernando
Pessoa), ao escrever “ó automóveis apinhados de pândegos e de putas”,
referia-se aos veículos da época e às ditas contemporâneas.
Até o corrector automático me sublinha a vermelho aqueles dois vocábulos "pândegos" e "putas" como se ninguém os pronunciasse hoje em dia. Uma palermice!
Parece-me que hoje, ao contrário do tempo do grande Poeta (à cautela, o desenho em cima é meu) – eu
admiro-o como o maior no seu génio e no género – não se confirma o que Pessoa/Álvaro disse da época, até porque: primeiro, a pândega nos automóveis acabou, a não ser que se queira
arriscar soprar ao balão; segundo e último, as putas estão à beira da estrada, coitadas, na
esperança de entrarem neles quando não se encontram apinhados.
O patusco é que ninguém se insurge com esta psicose, principalmente os que se fartam de falar no lápis azul do antigo regime. Apeteceu-me dizer um palavrão, daqueles com cabeleira que também são riscados no manual da editora, e já o disse, pelo que não o vou escrever.
No “placard”, o resultado ao intervalo (que deve ser o do final) é:
Pessoa/Álvaro de Campos-1 – Editora do Porto-0.
Preconceito é uma das doenças mais graves da nossa sociedade.(https://www.youtube.com/watch?v=4Os0wXMCpUc)
ResponderEliminarAssocia-se-lhe,muitas vezes, a hipocrisia....
LUIS RENTE
(comentário por e-mail)
Caro Dr. Luís Rente
EliminarÉ difícil, eu sei, entrar neste caixa de comentários, uma vez que, para evitar os "robots" e o "spam", aparece a segurança (à laia dos que se aprontam à porta das discotecas) para verificarem se somos mesmo humanos em vez de máquinas. A mim acontecem-me também esses percalços, obrigado que sou a repetir quando confundo os semáforos, as passadeiras para peões e os autocarros.
Já pensei em retirar das "Definições" do blogger esta segurança, mas receio que me caiam aqui inoportunos falsos comentadores, automatizados por "spam", que crivam a caixa com caracteres chineses, japoneses e alarvidades piores.
Quando for assim, mande através de e-mail ou avise para eu dispensar a segurança nesse período.
De resto, concordo que o preconceito, principalmente o que vem na tradição e nos costumes, é grave e emperra a liberdade que caracteriza uma boa sociedade.
Abraço
Santos Costa
Quando andava no 5º ano do liceu (tinha 15 anos) apareceu-me um edição dos Lusíadas, onde no canto nono apareciam umas linhas/versos com esses ponteados (como agora). Fui consultar uma edição integral e vi o que faltava ... e deliciei-me a ver o que queriam que não visse! Estes tipos de censura, a atirar para a moral são cretínices puras e duras!
ResponderEliminarObrigado pelo contacto. Abraço.
Eu é que agradeço o seu comentário.
Eliminaré certo que aquilo que mais se esconde, é precisamente o que mais se revela. É comparado, como costumo dizer, àquele que pretende encurtar as orelhas com um barrete, o que só as esconde.
Lembro-me que em minha casa havia um armário com gavetas na sala de jantar. Em uma das gavetas, a mais alta, a minha mãe guardava algumas coisas e proibia-me de a abrir. Ora, era precisamente a essa que eu acedia, subindo para cima de um banco; as outras, nem lhes ligava.
Este tipo de censura é hipócrita e incompreensível. Se o manual é para alunos do 12º Ano e eles já tiveram, for força da lei, aulas de sexualidade, não consigo perceber o prurido que levou às reticências. era preferível escolher outra poesia de Álvaro de Campos, como a inofensiva Ode Marítima ou mesmo a Ode Triunfal.
Abraço para si.
Neste comentário, ao cair do pano, escrevi Ode Triunfal quando pretendia escrever Ode Marcial, para além de falhar as maiúsculas após os pontos finais.
EliminarAinda a este propósito o Dr. Pinto da Costa (médico) tem uma intervenção deliciosa (imperdível) no Programa Praça da Alegria, da RTP 1, de 5ª feira de manhã,já na fase final do programa. O seu finíssimo homor, com que encerrou a discussão residia na resposta de um aluno à questão: "O que é o repovoamento florestal?" O jovem respondeu que devia ser "f...er debaixo duma árvore"
ResponderEliminarAinda a propósito do Preconceito achei interessante a opinião de uma jovem atriz que dizia: “O caminho para a tolerância, como eu a entendo, está na luta contra a ignorância. Da ignorância nasce o medo, do medo nasce o preconceito, do preconceito nasce a discriminação. E para combater a ignorância é preciso educar (…) porque o mundo em que os nossos filhos vão viver é este que nós estamos a construir”
Inês Herédia, atriz, in Visão, nº 1343, 29/11/2018, pág. 50
Agradeço-lhe, Amigo Dr. Luís,este seu comentário,pois traz aqui opiniões muitíssimo válidas e a experiência - e até forma de comunicar muito particular e interessante - do Dr. Pinto da Costa.
EliminarÉ evidente que comungo destas opiniões, bem como do humor do médico,que vêm ilustrar o grau de impreparação de alguns jovens, a qual parece não diminuir com os novos meios (tablets, smartphones, etc.) de que dispõem.